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Luxuoso Theatro da Paz, em Belém, comemora 140 anos

Belém (PA) – Esta casa é um espetáculo! Impossível não reagir assim, com perdão do trocadilho, ao entrar no Theatro da Paz, que completa amanhã (15) 140 anos de fundação. História, cultura, beleza e muita arte se encontram no interior da edificação imponente, localizada na Praça da República, na capital paraense, e nobre representante do período áureo da borracha, quando ocorreu um grande crescimento econômico na Amazônia.

Para quem já assistiu a uma ópera ou simplesmente fez a visita guiada no prédio, fica o deslumbramento de conhecer a primeira casa de espetáculo da região. “Parece que a gente está numa novela de época”, não se contém uma turista paulista diante do pano de boca pintado na França, no ateliê Carpezat, intitulado Alegoria à República e inaugurado 12 anos depois da abertura em homenagem à República Brasileira. Na agenda comemorativa, a visitas serão gratuitas até dia 28.

Os olhos atentos e curiosos não se cansam de examinar cada detalhe do Theatro da Paz, que ganhou esse nome pelo fim da Guerra do Paraguai (1870) e mantém a grafia antiga na fachada. Na verdade, as boas impressões começam logo na chegada, já que, há pouco mais de dois anos, quando o repórter esteve em Belém, a praça estava bem deteriorada, com jardins malcuidados, bancos quebrados e um ar de abandono. Agora, o aspecto melhorou, num ótimo convite de boas-vindas. Então, vamos lá. Logo no hall de entrada, há um belo espelho, primeiro sinal para que os visitantes comecem a sacar do bolso os celulares.

O reflexo do lustre de cristal na superfície dá um efeito bem especial e as fotos ficam bacanas – basta ver os semblantes felizes depois das selfies.

De acordo com informações da Secretaria de Estado da Cultura do Pará, à qual o teatro está vinculado, o hall de entrada é composto por materiais decorativos importados da Europa, incluindo ferro fundido inglês nos arcos das portas, mármore italiano na escadaria, lustre francês, bustos em mármore de Carrara dos escritores brasileiros José de Alencar (1829-1877) e Gonçalves Dias (1823-1864), estátuas em bronze francês; piso com pedras portuguesas formando mosaico e coladas com o grude do gurijuba (peixe encontrado na região) e paredes e teto pintados representando as artes gregas.

ORGULHO

Para o povo da terra, o Theatro da Paz só traz orgulho. Mineira de Uberlândia, criada em Belém e residente em São Luís (MA), a servidora pública Cristina Moraes destaca a exuberância da arquitetura, conta que já assistiu a muitos shows e não encontra outra palavra além de “lindo” para traduzir a edificação. Ao lado, o marido, Roberto Ramalho, empresário, destaca a boa acústica, enquanto a irmã dele, Rosana Ramalho, explica que frequenta o local desde criança e não se esquece de, muito nova, ter sido levada pelo tio Sebastião Ramalho, economista, para ver O rapto das cebolinhas, de Maria Clara Machado. Os três batem palmas também para o festival de ópera, que ocorre entre agosto e setembro, e desejam “vida longa” ao teatro.

Maior da Região Norte e dos mais luxuosos do país, considerado teatro-monumento, o da Paz tem 900 lugares, acústica considerada perfeita, piso em mosaico de madeiras nobres, afrescos nas paredes e teto, dezenas de obras de arte, gradis e outros elementos decorativos revestidos em folhas de ouro. Conforme as pesquisas, na época da inauguração, em 15 de fevereiro de 1878, Belém era considerada “a capital da borracha” e ainda não tinha um teatro de grande porte, capaz de receber um espetáculo lírico. Foi aí que o governo da província contratou o engenheiro militar José Tibúrcio de Magalhães para dar início ao projeto arquitetônico inspirado no Teatro Scalla, de Milão, na Itália. Outra joia da região, o Teatro Amazonas, em Manaus, foi inaugurado em 1896, também durante o Ciclo da Borracha.


IMAGINAÇÃO
O melhor da visita ao teatro é se imaginar em outros tempos, mais ou menos numa “novela de época”, como disse a visitante paulista.
E a história contada pelos guias ajuda nessa viagem sensorial. É bom saber, por exemplo, que o grande espelho no hall de entrada esconde segredos. O caso é o seguinte: em 1905, foi fechada a porta principal de acesso ao salão de espetáculos, pois prejudicava a acústica. Foi então instalado no lugar o espelho em cristal francês. Além dele, foram acrescentadas estátuas em pedra francesa e, nas paredes, fixadas placas em ferro esmaltado contendo o regulamento da época – entre as regras, “é proibido fumar” – em vários idiomas. O piso decorado em parquete valeu-se de madeiras regionais como acapu e pau-amarelo.

Já na sala de espetáculos, originalmente com 1,1 mil lugares e hoje comportando 900, as cadeiras conservam o estilo da época em madeira e palhinha adequadas ao clima da região. E mais: a balaustrada é toda em ferro inglês folheado a ouro; a pintura em afresco do teto central apresenta elementos da mitologia greco-romana, numa alusão ao deus Apolo conduzindo a deusa Afrodite e as musas das artes à Amazônia. No centro do teto, adaptaram o lustre em bronze americano que substituiu um grande ventilador que ajudava a amenizar o calor.
Ufa! Essa parte da história é muito importante, pois o calor em Belém não é história de pescador. Dá aquele melado no corpo, e o bom é que chove muito, então dá uma certa arejada. Mas, pensando bem, com um sorvete de frutas típicas, tira-se de letra.

Na sala de espetáculos, o grande momento esperado. E a gente fica sabendo que, nos primórdios, estava presente a verdadeira diferença de classes sociais. O forro dos camarotes, por exemplo, foi pintado obedecendo à hierarquia da época: para a primeira classe eram reservadas a varanda, plateia, frisas, camarotes e proscênios (espaço de maior dimensão) de primeira ordem; para a segunda, galerias, camarotes e proscênios de segunda ordem; e para a terceira, o “paraíso”, que ficava bem no alto e com difícil visibilidade. Os proscênios eram reservados às autoridades (prefeito, chefe de Polícia e diretores de escola), enquanto o camarote imperial, atualmente do governador, ficava situado na primeira ordem de camarotes e ornamentado com mobília em madeira regional.

SALÃO NOBRE
História é o que não falta neste teatro de 140 anos. O salão nobre (foyer), onde a nobreza costumava se reunir para bailes, pequenos recitais e durante os intervalos dos espetáculos, é um espaço decorado com espelhos e lustres em cristal francês e bustos em mármore de Carrara de dois grandes compositores da época, Carlos Gomes (1836-1896) e Henrique Gurjão (1834-1885). Quanto à pintura do teto, vale a informação: feita em 1960 por Pernambuco Armando Baloni, que se inspirou nas musas da música ladeadas pela fauna e flora amazônica. As paredes, pintadas pelos italianos, retratam motivos neoclássicos com buquês de flores.

Para mostrar que dramas e comédias não “moram” apenas no palco, vai mais um ato bem real desta história, com uma pitada de polêmica. No início do século 20, houve uma reforma, e a frontaria se tornou o ponto mais significativo.
Era norma do neoclássico italiano haver colunas pares e entradas ímpares, mas a casa foi inaugurada ao contrário, com sete colunas e seis entradas. Oh! Deuses do teatro, o que fazer? Simples: em 1905, foi recuado o frontão, retirando-se uma coluna e uma entrada e, para decorar, colocaram medalhões de musas representando as artes cênicas: comédia, poesia, música e tragédia.

Conforme o livro Teatros – Uma memória do espaço cênico no Brasil (2002), de J. C. Serroni, o local já recebeu diversas companhias internacionais, como a Ópera de Sófia, da Bulgária, a Companhia Lírica Internacional e o Ballet Kirov. “Por ele também passaram a cantora Bidu Sayão e os pianistas Arthur Moreira Lima e Magdalena Tagliaferro. Em 1996, foi criada a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, pelo maestro Barry Ford”. O concerto de aniversário, amanhã, será com a Amazônia Jazz Band.

Neste mês, as visitas ao teatro são gratuitas. A partir de março, será cobrada taxa de R$ 6..