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Curadores indicam temas e debates que orientam suas escolhas na arte contemporânea

Jaime Lauriano aborda as relações de poder e a escrita da história por meio de obras de grande síntese formal - Foto: Filipe Berndt/DivulgaçãoA profissão de curadoria ficou em evidência com as polêmicas envolvendo o fechamento de exposições de arte contemporânea em Porto Alegre (Queermuseu – cartografias da diferença na arte brasileira) e São Paulo (performance La bête, no Museu de Arte Moderna). O papel desses profissionais responsáveis por apontar artistas e trabalhos inovadores também foi abordado pelo filme The square – A arte da discórdia, um dos nove finalistas na categoria filme estrangeiro no Oscar 2018. Dirigido por Ruben Östlund, o filme ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2017, ao mostrar a vida de Christian, respeitado diretor de museu de arte contemporânea em Estocolmo, na Suécia. A narrativa coloca em perspectiva o trabalho de curadoria, bem como os dilemas para definir o que vale a pena ser visto.

O Estado de Minas convidou os curadores Iochen Volz (Pinacoteca do Estado de SP), Júlia Rebouças (independente), Germano Dushá (Coletor, Observatório e Banal Banal), Luisa Duarte (independente) e Rodrigo Moura (Museu de Arte de SP) para apontar de onde vem o novo nas artes. Perceber tendências, apontar direções, estabelecer relações entre o que é produzido hoje e as tradições artísticas do passado são funções inerentes ao exercício da curadoria. Assim, a novidade não se resume em escolher um ou outro autor, mas estabelecer debates em um contexto mais amplo e em sintonia com o presente.

“O que há de vanguarda na arte contemporânea não vem de um meio, forma ou tema. Vem do ânimo, da energia, da intenção. Vem da experimentação com a linguagem, da vontade genuína e autônoma de experimentar, por a prova, correr o risco”, afirma Germano Dushá, que desenvolve projetos independentes de arte e experimentações curatoriais.

Para ele, as curadorias devem estar atentas às iniciativas independentes e autônomas. “Devemos olhar para movimentos, espaços ou ações que se colocam no mundo sem precisar se apoiar completamente no viés institucional ou comercial”, defende.

Júlia Rebouças integrou a equipe curatorial de Inhotim e da 32ª Bienal de São Paulo, em 2016, e desenvolve trabalhos independentes e pesquisas acadêmicas. Indicada pelo portal especializado em arte contemporânea Art Sy como um dos 20 mais influentes jovens curadores da América Latina, Júlia está de olho em trabalhos que questionem os cânones artísticos. “A arte precisa se deslocar para dar conta das questões colocadas agora, que se impõem com muita urgência”, diz. Uma das discussões que ela aponta é sobre a diversidade. “Quando falamos de galeria, mercado, publicações, falamos também de lugares estabelecidos atravessados por racismo, machismo e misoginia. Essas são questões para o nosso tempo.
É um passivo que a gente vem carregando. O setor que não der conta delas, dançou”, completa.



Instabilidade

A curadora dialoga com artistas que lidam com conceitos de incômodo, instabilidade e desejo de compartilhar. “Interessa-me como a arte vai reagir às questões das minorias, como vai ajudar a organizar, criar palavras, gerar imagens, imagens dissonantes. Essa é a graça. A arte trata da instabilidade. Nunca conclui nada. Ajuda a dar conta do que ainda não sabemos sequer nominar.” Ela destaca trabalhos que rompem fronteiras, por exemplo entre documentário e ficção, artistas que se colocam como agentes de grupos minorizados e preenchem lacunas nas narrativas históricas.

Publicações da área apontam que os holofotes estão voltados para os artistas da América Latina como fonte de novidade e efervescência nas propostas de curadoria não convencionais. A Art Sy, por exemplo, destaca o trabalho de Iochen Volz, diretor-geral da Pinacoteca em São Paulo e curador-geral da última Bienal de São Paulo, que teve Incerteza viva como tema.
Para ele, “o novo vem do desconhecido, do incerto, da chance, do acaso, do pensar o impensável, da busca para além de limites, do oposto”.



Antropologia

As narrativas dominantes, avalia Volz, não são suficientes para imaginar outros caminhos. “Os artistas têm procurado, cada vez mais, estratégias e formas que vêm de outros campos de conhecimento, dissolvendo fronteiras entre os diversos campos artísticos, mas também entre a arte e as ciências, entre artes e educação, arte e espiritualidade, arte e antropologia”, afirma. A mudança se estende inclusive ao espaço dedicado à criação: “Os artistas trocam o ateliê pelo laboratório, a cozinha, a escola, a floresta ou um mundo virtual, entre outros”, diz. Volz destaca a importância de observar formulações estéticas que vão além dos códigos estabelecidos, o que pode ocorrer longe do chamado establishment.

Questionar o estabilishment é um dos focos do trabalho da artista Ana Luisa Santos, que usa como principal meio de expressão a performance, gênero artístico que agrega linguagens e subverte as formas canônicas de fruição da obra artística. Um dos trabalhos de Ana Luísa ganhou visibilidade inesperada, no final de 2017, quando a performance Melindrosa, realizada nas ruas do Centro do Rio de Janeiro, foi gravada e compartilhada nas redes sociais. Um dos vídeos alcançou quase 2 milhões de visualizações. Ao optar por realizar performances em espaços públicos, Ana Luísa coloca em discussão aspectos referentes ao acesso às artes e a possibilidade de ampliar e compartilhar a experiência estética. “É um momento de revisão e enfrentamento da herança e tradição histórica machista, racista que precisa ser questionada fortemente do ponto de vista curatorial”, diz Ana Luisa Santos, que foi uma das indicadas ao Prêmio Pipa 2017.

A curadora independente Luisa Duarte aponta que o caminho para o novo passa por deslocamentos no que se refere aos artistas como também aos centros de produção artística. “A arte contemporânea vem reescrevendo todo um cânone da história da arte do qual faziam parte sobretudo homens, brancos, do eixo Europa-Estados Unidos. Ao longo dos últimos 30 anos, há o reconhecimento de outros atores.
Estamos escrevendo outra história, agora inclusiva, da qual fazem parte grupos que sempre deixamos à margem, tal como negros, mulheres, indígenas, comunidade LGBTQ, e ainda continentes inteiros, como África e América Latina”, diz Luisa.

três perguntas para...

Rodrigo Moura

Curador-adjunto de arte brasileira do Museu de Arte de São Paulo (Masp)

O que tem atraído seu olhar como curador recentemente?

Neste ano de 2018, estou trabalhando em duas exposições no Masp, que têm consumido inteiramente meu tempo e interesses. A primeira é Imagens do Aleijadinho, que analisa a produção de escultura devocional do artífice mineiro e a relaciona com o contexto da arte produzida pela diáspora africana. É muito interessante pensar que o primeiro grande nome da arte produzida no Brasil tenha relação direta com a herança africana, ainda que essa produção tenha uma relação de dependência com a arte produzida na Europa. Estou trabalhando também numa mostra do escultor afro-americano Melvin Edwards, focada em sua série Fragmentos linchados, que ele produz desde os anos 1960. Aí também é importante notar uma relação menos “exoticizante” com a escultura africana, colocada em relação a questões políticas do movimento de direitos civis e da própria história africana. Essas mostras fazem parte do eixo de programação do museu para 2018, em torno das chamadas Histórias Afro-Atlânticas.

Há movimento de reivindicação de grupos minorizados (negros, mulheres, LGBTs) por lugar de fala em todas as áreas, inclusive as artes. Em que medida isso tensiona o cânone?


O tensionamento do cânone, como você chamou bem, deve ser o próprio combustível da curadoria e da crítica, levando à reescrita da história da arte. A questão da marginalização no meio da arte é uma questão importante, que tem sido objeto de mais interesse e reflexão em tempos recentes. A forma como o meio da arte discriminou e discrimina artistas mulheres, por exemplo, está em absoluto descompasso com o protagonismo das mesmas artistas mulheres na escrita da história da arte no Brasil – de Tarsila e Djanira e Lygia Clark. Tenho acompanhado, pensado e escrito também sobre a situação dos chamados artistas autodidatas ou populares, como José Antônio da Silva, Amadeu Luciano Lorenzato, Agostinho Batista de Freitas e Maria Auxiliadora, todos eles que são ou serão objeto de exposições individuais que ajudam a repensar seu lugar fora das narrativas hegemônicas, mais uma vez em descompasso com a potência dos seus trabalhos.

Você pode citar trabalhos, artistas ou iniciativas para as quais devemos botar reparo?

Sigo sempre olhando para alguns artistas que me interessam, com quem alimento longas interlocuções.
Por exemplo, no ano passado fiz uma grande exposição do Mauro Restiffe na Pinacoteca do Estado de São Paulo, fruto de um diálogo de quase cinco anos. Foi o mesmo caso com Claudia Andujar, com quem fiz uma galeria permanente em Inhotim, inaugurada em 2015. Fiz um livro com uma pintora de São Paulo, jovem, com um trabalho muito especial, chamada Marina Rheingantz, que tem um entendimento muito singular da paisagem. Um desejo para mim seria me aproximar de outras visualidades, outras inteligências visuais, como as da Amazônia e dos artistas e cineastas emergentes indígenas. Tenho olhado também para coisas que sempre me acompanharam, mas que agora me chamam ainda mais atenção, como a arte do Vale do Jequitinhonha de artistas da segunda ou terceira geração como Maria de Lourdes, Rosana, Maria Lira.


 

Arte brasileira em alta 


FOCO CONTEMPORÂNEO
Cinco curadores de arte indicam artistas de destaque no cenário brasileiro



Júlia Rebouças
Curadora e crítica de arte


Dalton Paula (DF/GO)
Musa Michelle Mattiuzzi (SP/BA)
Graziela Kunsch (SP)
Jaime Lauriano (SP)



Iochen Volz
Diretor-geral da Pinacoteca SP


Bárbara Wagner (DF/PE)
Cinthia Marcelle (MG)
Clara Ianni (SP)
Dalton Paula (DF/GO)
Jaime Lauriano (SP)
Paulo Nazareth (MG)
Rosana Paulino (SP)



Rodrigo Moura
Curador-assistente do Masp


Mauro Restiffe (SP)
Cláudia Andujar (AM/SP)
Marina Rheingantz (SP)
Maria de Lourdes (MG)
Maria Lira (MG)


Germano Dushá
Coletor, Observatório

Maria Noujaim (RJ)
Rafael RG (SP)
Deyson Gilbert (PE/SP)


Luisa Duarte
Curadora e crítica de arte


Matheus Rocha Pitta (MG/RJ)
Cinthia Marcelle (MG)
Clara Ianni (SP)
Lais Myrrha (MG)
Bárbara Wagner (DF/PE)
Benjamin de Búrca (Munique-Alem./PE)
Marilá Dardot (MG)

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