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'Cultura precisa resistir à onda de ataques que tentam desqualificá-la', diz Tatyana Rubim



Formada em administração de empresas, Tatyana Rubim fez, ainda nos primeiros anos de sua carreira, uma opção que muitos de seus pares considerariam de alto risco: empreender no teatro. A fama do setor, afinal, não é das melhores quando o assunto é lucro.

Ninguém duvida de que ela saiu vitoriosa do desafio. Aos 46 anos, a piauiense que se mudou para Belo Horizonte aos 16 é, hoje, uma das maiores referências do teatro mineiro. À frente do Teatro em Movimento, projeto criado em 2001 com o objetivo de deslocar as peças do eixo Rio-São Paulo para Minas, ela contabiliza mais de 300 espetáculos apresentados por todo o estado, assistidos por mais de 550 mil espectadores. Bibi Ferreira (em cartaz na capital mineira a partir de 7 de fevereiro com 4 x Bibi), Luís Melo, Paulo Gustavo, Lázaro Ramos e Tarcísio Meira estão entre os nomes que ela já trouxe à capital.

Já quem trouxe Tatyana às artes cênicas não é exatamente desse universo. “Acho que foi Ney Matogrosso que me fisgou, lá pelos 3 ou 4 anos. Quando eu tinha essa idade, minha mãe era secretária de Cultura do Piauí e me levou para ver um ensaio dele, ainda na época dos Secos & Molhados. Aquela cena me impactou muito.
Acho que plantou em mim, de alguma forma, a semente para que eu direcionasse a minha trajetória profissional”, conta a empresária.

O début mesmo ocorreu em 1997, na produção da ópera cinematográfica La serva padrona, de Carla Camurati. Pouco tempo depois, ela assumiria o Centro de Cultura Nansen Araújo, espaço mantido pelo Sesiminas. Em 2000, nasceu a Rubim Produções, empresa fundada com Afonso Borges, criador do projeto Sempre um Papo. O estilo acolhedor e organizado de produzir acabou levando a piauiense para além das montanhas mineiras. Desde setembro do ano passado, ela ocupa a diretoria-executiva do Instituto Odeon, que se tornou responsável pela gestão do Theatro Municipal de São Paulo, substituindo a administração do maestro John Neschling, encerrada sob acusação de desvio de recursos.

“Vim, entre outros motivos, porque acho que, especialmente quando a cultura passa por um momento tão delicado no nosso país, tão imerso em crises, precisamos de gente na resistência. Há hoje um discurso em voga que me agride muito, o de que é ‘melhor ter maca e hospital que arte’. Mas, é claro, a gente precisa das duas coisas.
E uma das maneiras mais eficazes de mostrar isso às pessoas é aproximá-las do teatro. Estou aqui para isso e para para fazer do Theatro Municipal o melhor que eu puder”, diz ela, nessa entrevista, por telefone, de São Paulo.

O Teatro em Movimento existe há 17 anos. Como foi o processo de implantação dessa iniciativa e que avaliação você faz de seus resultados?

Eu me lembro que alguns produtores, quando eu ia fazer curadoria de projetos e tentava convencê-los a trazer suas peças para a cidade me diziam que Belo Horizonte era uma praça “marrenta”. Que era difícil fazer o público daí comparecer. Mas eu nunca concordei com isso. Acho que a plateia mineira é uma plateia especial, no sentido de ser muito inteligente, gostar de coisas boas e que responde à altura do repertório. Com o tempo, acabei convencendo as pessoas disso (risos). Foi um caminho árduo.
Pedi demissão do Sesiminas para começar a trabalhar por conta própria e sozinha. Depois montei empresa, contratei funcionários, estabelecendo estratégias, ativações de público, conexões com a imprensa. Sempre com muito cuidado no meu acabamento de produção e tentando levar o meu estilo de produzir para quem trabalhava comigo. Esse trabalho acabou me colocando, sobretudo através do Teatro em Movimento, numa posição de muita credibilidade na cena do Sudeste e fomos crescendo. Tudo até então tem sido muito gratificante.

Há quem diga que o público está desaparecendo dos teatros. Você também tem essa percepção?

Sobretudo em função da crise econômica, parece que as pessoas estão optando pelo entretenimento em casa. O programa fica mais barato. Ver uma Netflix e tomar um vinho em casa é mais em conta do que sair. Então estamos lidando com uma questão econômica, claro. Mas também enxergo que há um fator motivacional nisso tudo.
Estamos num momento político muito acirrado. Há dois, quando as manifestações contra os políticos começaram a ficar muito quentes, era quebradeira para tudo quanto é lado. E isso tudo afetou muito a presença de público nos teatros. Houve queda radical das bilheterias e demoramos um tempinho para nos recuperar. Na verdade, estamos nos recuperando até hoje. Infelizmente, os políticos conseguiram entristecer a população brasileira com o tanto que roubaram. Acredito que isso impactou mesmo o ânimo das pessoas. Eu ficava muito deprimida ao ler o noticiário todos os dias. Se eu sentia isso, por que o espectador não ia sentir também? Apesar desse contexto, dei sorte. Fechei 2017 com resultados exitosos.
Entrei o ano com muito medo, mas as coisas acabaram se desenrolando melhor do que eu pensava.

Sua estratégia para fisgar o público para o teatro mudou nesses 17 anos?

Diria que o esforço hoje é três vezes maior para ter o mesmo público. Quem tem projetos na área cultural tem que ficar com o radar muito ligado para não perder conexão, contato e, principalmente, para descobrir onde está a plateia, que não está mais no teatro. A estratégia de mobilização mudou, claro. Se estou interessada em atingir uma certa categoria profissional, por exemplo, procuro fazer um corpo a corpo com influenciadores dessa categoria. Antigamente, confesso que a gente não fazia isso. Estamos quebrando a cabeça, atualmente, para descobrir o que é que as pessoas estão a fim de consumir no teatro. E não está fácil.

O público mineiro tem alguma particularidade?


O que mais me chama atenção é sempre a peculiaridade da plateia mineira. Esse é um feedback que tenho sempre da maioria das produções, sempre que elas viajam a Minas. É um público que ‘não se vende facinho’. O aplauso do mineiro é sincero. E quando ele é efusivo, ele é de verdade, é emocionante. Mesmo no interior.

Quais são seus principais desafios à frente do Theatro Municipal de São Paulo?


É uma gestão muito recente ainda, mas é um desafio apaixonante. Afinal de contas, é um espaço de muita relevância. E o que mais me motivou a vir para cá foi justamente a crise que a gente vive hoje na cultura. As pessoas, lamentavelmente, veem o trabalho no setor de forma muito equivocada. Há uma ideia de que não trabalhamos com dignidade. Com isso, então, eu me senti intimada a atuar nessa resistência, a mostrar que é o contrário, fazendo do Theatro Municipal o melhor que eu puder.

Como vê a indicação de Juca Ferreira para a Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte?

Não estou acompanhando muito a gestão do Juca, e ela também é muito recente para a gente avaliar. Estou aguardando. Quanto à indicação do nome dele, não achei nem boa nem ruim. O legado de ataque à Lei Rouanet que ele fez não me deixou muito contente à época, porque, num momento de crise, em que a gente não tinha outro recurso para alavancar a cultura, isso foi muito desgastante. Mas também é inegável o conhecimento do Juca na área cultural. Então eu só me mantenho esperando. Cenas do próximo capítulo..