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Pioneiro da videoarte no país, Eder Santos se prepara para lançar um novo longa

Cena de 'A casa do girassol vermelho', longa-metragem inédito de Eder Santos baseado na obra de Murilo Rubião. - Foto: Trem Chic Produções/Divulgação

Quando o belo-horizontino Eder Santos iniciou sua carreira, na virada dos anos 70 para os 80, YouTube, drones e câmeras digitais ainda estavam longe de virar realidade. Produzindo na era analógica, ele foi um dos pioneiros e se tornou referência nacional na videoarte, pela criatividade de suas experimentações visuais, que incluíam videoinstalações, videoesculturas, além de curtas e longas. Hoje, aos 57 anos, o artista vê com satisfação as possibilidades trazidas pelas novas tecnologias e plataformas, incorporando-as ao seu trabalho.

Criado em 2005, o YouTube encerrou 2017 com mais de 1,3 bilhão de usuários, um sexto da população mundial. Mais de 100 horas de vídeo são postadas por minuto no site, que revolucionou o consumo do formato ao possibilitar a distribuição e visualização gratuitas de conteúdos audiovisuais de quase qualquer tipo. Os números são proporcionais à produção videográfica atual, despejada ainda em redes sociais como WhatsApp e Facebook graças às facilidades de filmagem e distribuição possibilitadas pelos dispositivos móveis.

 

 

Sem dúvida, um cenário radicalmente diferente do de três décadas atrás, quando um equipamento de filmagem era privilégio de poucos e os mecanismos de edição e projeção eram bem mais restritos. Mas o turbilhão tecnológico não é algo que assuste Eder Santos. “Nasci em 1960, a TV era de válvula. Vi a internet surgir, ainda discada.

Vi mudanças muito maiores que essas de agora. Vi aparecer o telefone sem fio muito antes de o primeiro celular surgir. Vi a TV em preto e branco virar colorida. O computador começou a fazer parte da montagem de vídeos em 1996 ou 1997. Ou seja, já acompanhei mudanças incríveis, até mais fortes que essas tecnológicas”, afirma.


Em 2018, Eder se prepara para lançar um novo longa, A casa do girassol vermelho, releitura visual da obra de Murilo Rubião, estrelando Chico Diaz. O filme ainda está em fase de pós-produção. No ano em que o eleitorado brasileiro voltará a decidir a Presidência da República, ele também observa o processo com postura crítica, condenando o avanço conservador no país e os ataques que a arte vem sofrendo, e consciente do papel determinante do vídeo, em seus mais variados formatos, na política nacional.

ENTREVISTA


Você se prepara para lançar um longa neste ano.
De que trata o filme?

É o terceiro longa que faço. É uma releitura que sempre quis fazer de Murilo Rubião, um escritor nosso, aqui de Minas, um cara de poucas histórias, mas histórias bem interessantes, dentro de um estilo pouco conhecido, pouco explorado da literatura brasileira. É um projeto baseado em contos dele, trabalhando o realismo fantástico. A gente filmou de uma maneira bem diferente, em uma locação construída dentro de uma fábrica de cimentos desativada, em Vespasiano. Um trabalho de arte muito minucioso, com a Laura Vinci, que é uma artista plástica. A história é baseada em A casa do girassol vermelho. Não quero contar muitos detalhes, porque ainda estamos no processo de finalização, já temos um primeiro corte, mas ainda faltam detalhes para finalizar e lançar, estamos procurando viabilizar isso com algum patrocinador. Trabalhamos com um grupo de atores bem legais, como Luiza Lemmertz, Bárbara Paz, além de artistas estreantes e muitas outras coisas legais, como uma performance do grupo teatral Bacurinhas.

Quando você iniciou sua carreira, produzir e consumir vídeo era algo bem menos acessível do que hoje, quando se experimenta quase uma overdose do formato, com as possibilidades que celulares e drones, por exemplo, proporcionam.
O que isso representa para a videoarte?

Acho bem interessante, sou otimista, é sempre melhor ter mais facilidade, até porque muda muito a relação dessa história do vídeo, do cinema, da película. Acho que houve um avanço. Anteriormente, se você quisesse fazer uma cena aérea, era preciso um helicóptero. Hoje você levanta um drone e é tão mais rápido, tão mais fácil. São possibilidades de novas linguagens, novas histórias. Ainda acredito no cinema da tela grande, mas uma das coisas que mudaram muito foi essa forma da exibição. Hoje tem a história da série de TV. Todo mundo anda vendo filme na TV, por isso a série cresceu. Há muita coisa feita para uma tela menor. A diferença hoje é pensar em qual tela seu filme será visto, como vai projetar, como vai exibir.
Não é questão de ter mais opções. Tem filme feito de toda forma – é estar aberto a essas novas possibilidades. Acho que a fotografia foi o que sofreu mais, o frame, o estilo. Antigamente, não dava para ampliar, mexer a fotografia como é possível hoje, quando você pode reproduzir, fazer uma foto gigantesca com a tecnologia 8K. São várias possibilidades.

Com novas tecnologias de produção, o que mudou no seu trabalho? Das coisas novas, do que você gosta mais? Das antigas, o que acha que não ficou obsoleto?
Mudou totalmente a qualidade do trabalho. Se quiser estragar uma imagem, é muito mais fácil. No meu trabalho,  só melhorou – ganhei qualidade. A história de você mudar uma resolução que a imagem eletrônica tinha antes, que era um quinto do que temos hoje, isso só deixou a coisa mais fácil. Antes, era preciso comprar filme, revelar. Hoje, temos uma qualidade quase igual à de uma película no iPhone, só melhorou.

Então, é uma questão agora de criação, mas sem apego nenhum a HS, super-8, nada disso.

O país vem passando por um momento muito conturbado, com um avanço conservador muito forte, um discurso de ódio muito latente na sociedade, inclusive com ataques às expressões artísticas, como vimos aqui em BH no fim do ano passado. E o vídeo é plataforma para isso tudo, especialmente dentro das redes sociais. Como você enxerga a videoarte nesse contexto?
Estamos voltando no tempo, andando para trás, depois de uma evolução da América do Sul nos últimos 15 anos. Muitas pessoas no Brasil não gostam da evolução. Acho que só chinês é quem gosta de ver a vida de muita gente evoluir ao mesmo tempo. A gente vê que, aqui, as coisas estão muito enraizadas, arraigadas na monarquia, no Velho Mundo. Dentro da informação, é essa coisa vaidosa da imagem, por mais que a gente tenha evoluído nessa história, e que um candidato, como a Dilma, tenha sido eleito graças à internet, ao mesmo tempo, uma emissora de TV como a Globo está no controle do país. Quem tirou a presidente foi um pequeno grupo que domina a informação. Existe uma contradição nisso aí, apesar da evolução tecnológica. Há muita desinformação, todo dia chega tudo na internet. Mas há um isolamento enorme dos indivíduos. A pessoa acha que está fazendo alguma coisa porque está vendo ali no celular, compartilhando, mas está cada vez mais isolada.

E agora estamos iniciando um ano eleitoral cheio de incertezas, mas ainda com muita esperança da população em mudar as coisas. Quais são as suas expectativas para 2018 e quais são as suas expectativas sobre uma potencial contribuição da arte nesse processo da vida brasileira? Acha que política e arte vão se cruzar?
Já se cruzaram. Essas proibições, perseguições já fizeram parte desse processo, dessa mistura das duas coisas. Esse choque, essa produção do artista que trabalha coisas bem mais pessoais e as coloca dentro de um espaço positivo é prova disso. Por isso que essa coisa reacionária está indo atrás da arte. Todo mundo viu que atores foram os primeiros a protestar quando tiraram a Dilma. Temer entrou, e a primeira coisa que ele fez foi mexer no MinC (Ministério da Cultura). Foi de cara bater nos artistas, que nunca apoiaram tal tipo de coisa e brigaram até o final pela Dilma. Ela tinha apoio da classe artística. Então está claro que vai continuar reagindo. Acho que a gente está tendo uma evolução legal. Vejo que o cinema vai dar uma mudada. Ficamos muito tempo nessa facilidade de fazer filme, mas chegamos num momento de mudar essa história, da maneira de produzir, na arte. Mas é ano de eleição. Vai ser complexo na produção de arte, de cultura. Acho que vai ser difícil, mas vai ter uma evolução em formato, com essa mistura do documental com ficção. É como vamos aproveitar isso para fazer coisas novas.

 

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