Aquilo que enxergamos, mas não vemos, por causa da desatenção ou do automatismo que domina o cotidiano. É isso que instiga Chico Mendonça em seu livro de estreia, As horas esquecidas. Eventos comuns e extraordinários ganharam facetas poéticas nos 36 contos do jornalista, que autografa sua obra nesta sexta-feira (22), a convite do projeto Sempre Um Papo.
Chico Mendonça levou para a literatura temas que despertaram seu interesse ao longo de anos de trabalho na área de comunicação social. “Em minha experiência como cronista, sempre me chamou a atenção a nossa dificuldade de perceber as coisas essenciais à vida”, afirma.
“O repórter trabalha com a observação, com a investigação, mas percebo que ele também acaba sofrendo esse movimento impulsivo. Muitas vezes, tem que operar de forma imediatista. Porém, o questionamento é fundamental para a imprensa, principalmente quando se lida com visões hegemônicas e tendências majoritárias”, afirma.
O automatismo do mundo contemporâneo – que ele define como “um tempo de impulsividade” – inspirou o contista. “Nestes dias de redes sociais, percebo uma constante reação de tribo: há a necessidade de pertencer ao grupo, seja por opinião, ideologia, religião... Isso talvez nos deixe menos solitários, mas torna a vivência mais superficial.
REALIDADE Se algumas histórias de As horas esquecidas são inteiramente ficcionais, para outras o autor buscou inspiração em casos reais. O conto A morte e a vida que veio depois, por exemplo, traz o relato que Chico ouviu de uma antiga amiga de sua família, Maria do Rosário.
Depois de viver anos em Belo Horizonte, ela voltou à cidade de Minas Novas para rever a irmã e se deparou com o velório da sobrinha. De acordo com o escritor, os milagres relatados ao longo da história dispensam explicações, “pois certas coisas na vida, as de maior e real importância, não se dão com palavras”.
Oração de ano novo encerra o livro com a proposta de valorizar o agora. Segundo o autor, esse é o único caminho capaz de superar males que nos atormentam. “A humanidade sempre teve dificuldade em estar aqui e viver o agora. A gente está amargurado, apegado ao passado ou pensando no que virá, com medo e expectativa. Nunca estamos no presente, mas este é o único momento em que a vida acontece”, garante.
INFÂNCIA A capa de As horas esquecidas traz ilustração de Alexandre Rato baseada no conto Tiago e o mar. Nele, Chico relembra um momento de contemplação de seu afilhado Tiago, fascinado pelo mar, e imagina como seria a volta dele, já adulto, àquela praia.
“A criança tem essa coisa belíssima que é a não separação entre o que ela é e o que o mundo é. Ao crescer, vamos nos individualizando e perdendo o pertencimento ao universo”, aponta.
As conexões entre as várias fases da vida são tema recorrente no trabalho de Chico Mendonça. “Meu próximo livro fará um brinde à fase adulta, que compreendo ser a única em que é possível o encontro consigo mesmo. Há a ilusão de que, na infância, vivemos plenamente a nossa essência. Porém, só quando amadurecemos adquirimos discernimento para compreender as coisas do passado, construindo soluções e cumprindo o ciclo da vida”, diz.
Essa convicção vai pautar o romance Muitas peras depois, em fase de conclusão.
AS HORAS ESQUECIDAS
Autor: Chico Mendonça
Editora: Quixote %2b Do Editoras Associadas
Preço sugerido: R$ 30