Mineira Ana Horta ganha a retrospectiva três décadas depois de sua morte

Ícone da pintura brasileira da Geração 80, ela será celebrada na exposição Descascando o branco

Pablo Pires Fernandes
José Israel Abrantes/Divulgação - Foto: José Israel Abrantes/Divulgação
O legado de Ana Horta (1957-1987), uma das grandes representantes do que foi produzido em Minas e no Brasil na década de 1980, recebe uma homenagem com a exposição Descascando o branco. A mostra, que pode ser visitada a partir de hoje, na Galeria Genesco Murta do Palácio das Artes, reúne 30 pinturas de diversas fases da curta carreira da artista. O evento marca as três décadas de seu precoce falecimento, aos 30 anos. A exposição é uma parceria entre a Fundação Clóvis Salgado, AM Galeria de Arte e a família de Ana Horta.

As telas de Ana Horta trazem grande força expressiva. Como outras da chamada Geração 80, fazem parte de um movimento de reabilitação da pintura no Brasil e no mundo. De grandes dimensões, as pinturas trazem grande profusão de cores, dispostas em grandes manchas e repletas de grafismos que revelam sua formação acadêmica em gravura.

O fotógrafo e designer gráfico José Israel Abrantes, viúvo da artista, destaca a importância de resgatar o nome de Ana Horta, pois há cerca de 25 anos não se realiza uma exposição dela em Belo Horizonte. “Depois de falecida, os trabalhos dela participaram de mostras no Rio de Janeiro e na Europa. Estava faltando uma aqui na cidade”, afirma Abrantes.

VENDAS Manu Grossi, diretora da AM Galeria de Arte, conta que foram levantadas cerca de 50 obras realizadas entre 1982 e 1987, entre acervos da família, de instituições e de colecionadores.
“Ana Horta produziu muito em pouco tempo. Mesmo nova, teve reconhecimento e sucesso de vendas e institucional, com exposições em Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro”, explica. Há obras da artista em importantes coleções brasileiras – no Museu de Arte Moderna e no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro; no Itaú Cultural e no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, por exemplo.

“Considero importante o resgate dessa obra para que as novas gerações conheçam o trabalho dela, pois Ana pode ser considerada uma das melhores representantes da pintura dos anos 1980 no Brasil”, diz Manu.

A artista visual e pesquisadora Andrea Lanna afirma que a pintura de Ana Horta abriu caminho totalmente novo para a arte em Minas Gerais. Autora da tese e do documentário Lugar possível – 1985 a 1995: as artes plásticas em BH, Andrea ressalta a importância desse legado e a veemência da pintura dela, que se contrapôs à tradição da geração anterior no estado, fundada sobretudo no desenho e na gravura.

Isaura Penna, artista e amiga desde os tempos de ginásio, conta que, embora tenha tido trajetória-relâmpago, Ana Horta se destacou dos colegas de geração por ser uma pessoa muito forte e ter formação artística desde adolescente. “Ela sabia o que queria bem antes de outras pessoas. Era determinada e tinha muita clareza de seu papel como artista”, conta Isaura.

CERTEZA A pintora Patrícia Leite destaca a autoconfiança da artista. “No momento em que a gente estava procurando um caminho, ela já tinha certeza de que estava fazendo um bom trabalho”, lembra. Ana se profissionalizou muito rapidamente, mostrando seu trabalho a galeristas de São Paulo e do Rio de Janeiro, algo pouco comum na época.

“O trabalho refletia tudo isso, a personalidade forte, a certeza e a explosão de força de vontade e determinação”, aponta Patrícia, confessanto admiração pela atitude firme e corajosa da colega.

Israel Abrantes conta que, durante a sua formação da pintora na Escola de Belas-Artes da UFMG, Ana Horta, mineira de Bom Despacho, optou por estudar gravura, pois cursar pintura abstrata naquela época não era prática comum, sobretudo na academia. “Depois, ela começou a expandir a linguagem gráfica e a usar recursos de abstração”, observa Abrantes. Aos poucos, Ana começou a adotar formatos maiores.

O uso da cor e os elementos gráficos, sem dúvida, são duas características marcantes do trabalho de Ana Horta. Andrea Lanna relata que a pintura da mineira veio do figurativo e chegou ao abstrato “com formas muito soltas”. Para Isaura Penna, o uso de grafismos aliados à abstração, formada por massas de cores, criou uma espécie de vocabulário próprio. “É um grafismo bem particular, com linhas em cima das formas criando ritmos.
Mais tarde, ela teve a fase em que usou muito o preto com a cor, fazendo pinturas de maior densidade. São trabalhos de grande intensidade”, destaca Isaura. “A produção é bastante significativa em um tempo tão curto.”

CORAGEM Patrícia Leite destaca a maneira como Ana usava as cores, sem a preocupação em combiná-las. “Era uma atitude corajosa de jogar as cores e depois ir equilibrando a composição”, diz, acrescentando que a opção de usar preto com dourado, na época final de sua trajetória, causou certo espanto. Sobre essa fase mais escura, há um texto escrito pela própria artista que inspirou o título da exposição. Ana diz que o ato de pintar era como se estivesse “descascando o branco”.

Outra característica de Ana Horta é a força do gesto. Abrantes diz que esse traço é mais comum no desenho, visto em Minas em trabalhos de Maria Helena Andrés e Amilcar de Castro, que pertencem a gerações anteriores. “Ela pintava rápido e utilizava várias ferramentas – vassoura, brocha, spray. Colocava a tinta direto na tela, o que estava a seu alcance”, lembra.

Manu Grossi explica que, por causa da escala das telas, a relação com o corpo era de grande visceralidade, daí a importância do gesto. “Essa pintura gestual estabelece diálogo entre o corpo, a matéria e a tela, não é uma pintura de detalhe, mas de campos de cor que se sobrepõem.
É um processo rápido e intenso.”

PARQUE LAGE Na icônica exposição Como vai você, Geração 80?, realizada em 1984 no carioca Parque Lage, Ana Horta teve espaço privilegiado. Mostrou uma grande tela, mas expandiu a pintura para as paredes do museu. Andrea Lanna diz que esse trabalho cria o diálogo com a arquitetura, algo inovador para a época.

Antenada com o seu tempo, Ana Horta também saiu da galeria e das telas e fez murais, pintou em muros e em outdoor, o que estava em consonância com a arte de rua e os grafites que tomaram várias metrópoles do mundo.

A artista criava títulos bastante curiosos para suas obras: Eagles fly; a série de seis trabalhos Noturno para um Blade Runner, da qual duas obras serão expostas no Palácio das Artes; Coração disparado; O feijão e o sonho; Trópico caótico etc. Andrea Lanna vê nesse ato um viés literário que confere “uma poética muito forte aos trabalhos”.

Israel Abrantes afirma que os títulos refletem a coerência do trabalho da artista. “A pintura da Ana é muito contemporânea. Está mais viva do que nunca”, conclui.

DESCASCANDO O BRANCO
Exposição de Ana Horta. Galeria Genesco Murta do Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537,
Centro, (31) 3236-7400. Até  4 de março.
Funciona de terça-feira a sábado,
das 9h30 às 21h, e domingo, das 16h às 21h.
Entrada franca..