Renato Aragão relembra sua trajetória em livro 'de fã para fã'

Obra 'Renato Aragão - Do Ceará para o coração do Brasil' foi escrita em parceria com o crítico Rodrigo Fonseca. Workaholic, o humorista teve sua menor plateia numa mansão em BH

Mariana Peixoto
- Foto: Lilian Aragão/Divulgação e Sextante/divulgação
Em 1958, o então estudante Antônio Renato Aragão deixou os Jogos Universitários Brasileiros, em Belo Horizonte, derrotado. Seu time de futebol na Faculdade de Direito de Fortaleza foi desclassificado no início do torneio. A derrota, no entanto, não foi nada perto do que veio depois.

Para voltar para casa, no Ceará, Aragão pegou um voo, a partir do Rio de Janeiro, com várias escalas. Saindo do Recife rumo a Campina Grande, o avião Curtiss C-46 Commando do Loide Aéreo Nacional se chocou com a mata da Serra do Bodocongó, na Paraíba. Das 40 pessoas a bordo, 13 morreram.

“Você não sabe como sofri emocionalmente, pois não gostava de falar de muita coisa. Também quase morri quando era bebê, segundo me contaram. Mas essas coisas difíceis, dolorosas, tinham que ser faladas. Não podia deixar pra lá”, diz Aragão, de 82 anos.

O acidente aéreo ocorrido há quase 60 anos não deixou traumas nem sequelas.
“Só uns parafusozinhos na cabeça, que, acho, melhoraram meu cérebro”, brinca. Isso não quer dizer que não tenha sido difícil relembrar essa e outras tantas histórias. Ao longo de seis meses, ele se encontrou com o crítico de cinema Rodrigo Fonseca semanalmente. O objetivo era a sua primeira biografia.

Renato Aragão – Do Ceará para o coração do Brasil (Sextante), que chega na segunda-feira (4) às lojas, é um livro de fã para fã. Fonseca diz que Didi Mocó foi um dos amigos imaginários que teve ao longo da vida.

A narrativa não foge ao formato convencional do gênero. Abre com um fato marcante – uma apresentação em Luanda, Angola, nos anos 1990, que causou mal-estar quando os Trapalhões descobriram que os ingressos custavam US$ 500; no dia seguinte, marcaram um show gratuito no (ironia) Cine Karl Marx – para depois voltar no tempo e contar a história de Aragão desde o nascimento, em Sobral.

Não procure polêmicas ou texto mais aprofundado. O que a biografia traz é um bem- organizado (e enxuto, dada a longevidade de Aragão e a extensão de sua carreira) relato sobre a trajetória do mais importante humorista brasileiro em atividade.

Com muitas fotos – com destaque para a bem cuidada parte dedicada à produção cinematográfica dos Trapalhões –, o livro serve mais para colocar em perspectiva a vida de Aragão, mas pouco reflete sobre ele. Dando ar um tanto oficial ao projeto, reúne, na parte final, comentários elogiosos de personalidades (entre elas, Fernanda Montenegro e Caetano Veloso).

Aragão, que em entrevistas geralmente é lacônico, parece mais aberto ao falar do novo projeto, que surgiu, segundo ele, “porque estão fazendo tantos livros aí que falam da gente sem autorização nenhuma”. A iniciativa partiu dele. Queria um livro “que trouxesse a verdade, nada diferente da realidade”.

O relato é mais saboroso ao tratar de temas pouco conhecidos, como a vida no Ceará, a época de estudante e aspirante no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), a chegada ao Rio de Janeiro. Passagens sobre a TV e os Trapalhões têm alguns bons momentos como o destacado nesta página, ocorrido em Belo Horizonte, onde o quarteto fez o show com o menor público de sua história.

Didi Mocó Sonrisol Colesterol é um grande palhaço para as crianças. É o que o Renato Aragão deixa transparecer no livro. E se elas forem carentes, a reação é ainda melhor.
“São pessoas que não podem pagar (o show). Aquilo é uma maravilha. Não adiantava sair dos shows com dinheiro. Queria solidariedade, fornecer alguma coisa”, comenta.

POLITICAMENTE CORRETO Mesmo com a mudança dos tempos, ele diz que seu humor é o mesmo. “Faço a mesma coisa que fazia quando saí do Ceará. Não adianta essa coisa de politicamente correto, coisa tão batida. A gente tem que respeitar, sempre, preto, branco, mameluco, azul, nordestino.”

Renato diz assistir muito pouco ao humor que a televisão apresenta na atualidade. “Depois das 11 da noite, já estou dormindo. E o humor sempre fica muito tarde. Vejo mais futebol e noticiário.”

Fala pouco sobre a nova versão dos Trapalhões, que, exibida há pouco pela Globo, trouxe quatro jovens atores como Didi, Dedé, Mussum e Zacarias.
Aragão e Dedé Santana participaram da primeira temporada. “Já falei sobre tudo isso. Os Trapalhões são insubstituíveis, o Zacarias e o Mussum são insubstituíveis e a presença deles está na memória de todo mundo.” Comenta não terem “falado nada” com ele sobre a segunda temporada.

Mas a história já deve ter um segundo tempo. Se a vida de Renato Aragão já deu um livro, por que não um filme? “Meu filho, que é cineasta (Paulo Aragão, que dirigiu longas de Renato e dos Trapalhões), vai fazer. Mas quando eu estiver um pouco melhor, quando passar toda a emoção que estou tendo com o livro”, diz

Trabalhando sem parar – “sou como a GloboNews, nunca desligo” –, Aragão só olha para a frente. Agora, com sua história escrita e o livro nas mãos, ele só tem uma coisa a dizer: “Ufa! Terminou.”


RENATO ARAGÃO:
DO CEARÁ PARA O
CORAÇÃO DO BRASIL

• De Rodrigo Fonseca
• Sextante
• 304 páginas
• R$ 49,90


Trecho

“Para quem já se apresentou para milhares de pessoas, fazendo multidões levantarem em uma ola de aplausos, o espetáculo quase privê que Renato deu certa vez em Minas Gerais é um episódio antológico. Ao fim de um evento público, às margens da lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, um sujeito procurou o grupo, convidando-o – a peso de ouro – para fazer um espetáculo dos Trapalhões no próprio casarão onde vivia. Quando lá chegou e viu que se tratava de uma mansão toda cheia de pompa, Renato achou que iria se apresentar numa boate particular ou coisa assim, mas não era nada disso. O evento em questão era uma festa do pijama para um menino de 10 anos e meia dúzia de amiguinhos. O contratante do show, um homem muito rico lá das Gerais, havia acabado de se separar e, a fim de assegurar o carinho do filho, resolveu proporcionar a ele um dia com os Trapalhões. Eram apenas sete meninos, mas para criança não se diz não. E a apresentação foi feita com o maior carinho. Os Trapalhões contaram historinhas, brincaram com os meninos... A fuzarca estava armada, com bola, bala e bolo.”
.