João Guimarães Rosa tem encontro marcado com Egberto Gismonti no Palácio das Artes

Autor de Sertão veredas, o músico diz que a palavra é fonte de inspiração para seu trabalho

Paulo Galvão
O compositor e multi-instrumentista Egberto Gismonti vai se apresentar amanhã, na Ocupação Rosa Encantado - Foto: Fernando Lutterbach/divulgação

Quando duas das mentes mais criativas do Brasil se encontram, música e literatura podem virar uma coisa só. O compositor e multi-instrumentista Egberto Gismonti tem Guimarães Rosa como referência e fonte de inspiração. Encerrando o projeto Ocupação Rosa Encantado, no Palácio das Artes, ele volta a BH no domingo (3) à noite. Vai apresentar músicas que dão ritmo ao universo roseano.

Em 2009, a vasta discografia de Egberto, de 69 anos, ganhou um título concebido como romance. O álbum duplo Saudações traz Sertão veredas, composição de 70 minutos, em sete movimentos, dedicada inteiramente à obra de Guimarães Rosa. “Passei quase quatro anos para escrever essa peça, era sempre consolado por meus amigos literatos. O João Ubaldo (Ribeiro) falou que estava escrevendo um romance, não uma canção, e que era coisa de três, quatro anos mesmo. Às vezes, eu perdia a noção disso”, relembra o compositor.

PAIXÃO Além de Guimarães Rosa, Gismonti visitou obras de outros ícones da literatura em sua música, como João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado e Ferreira Gullar.
“Tenho uma certa paixão por autores de nossa língua, sou muito ligado a eles, não à toa fiz ‘antologias poéticas’ de Drummond, Jorge Amado e outros. Tenho uma relação muito próxima à palavra e não fujo à regra. Para quem tem aproximação com a palavra, o Guimarães Rosa é um prato cheio”, diz.

Entre os escritores que o compositor reverencia, o mineiro de Cordisburgo ocupa um lugar especial. “É o autor mais original do país, criador do mais extenso romance brasileiro, por costurar um Brasil concentrado num espaço, os sertões e veredas, que revela um tipo de gente que somos, fomos e seremos. É tão verdadeiro, nem diria atual, que todos nos reconhecemos dentro do Grande sertão”, argumenta.

Para Gismonti, o processo de musicalizar uma obra literária é natural de sua linguagem. “‘Transportar’ da literatura para a música é percepção só de quem está de fora. Tem que usar este termo mesmo, mas, pra quem está de dentro, não é preciso pensar que vou traduzir literatura para a música. Naturalmente, a língua que falo é a música. Se fosse para fazer um poema, aí eu iria me lascar”, explica.

BIA LESSA Além do álbum Saudações, a admiração por Guimarães Rosa – a quem Gismonti atribui uma “liberdade extraordinária para a descrição dos fatos” – rendeu outra possibilidade musical. É dele a trilha sonora da peça Grande sertão: veredas, dirigida por Bia Lessa, que estreou em setembro, em São Paulo. No mês que vem, a montagem fará temporada no Rio de Janeiro. Amanhã à noite, Bia subirá ao palco do Grande Teatro para ler um texto de Rosa, acompanhada por Gismonti ao piano.

O repertório do fluminense para a Ocupação Rosa Encantado se baseará no diálogo entre as palavras de Guimarães e suas melodias. Felipe José (violoncelo), Nivaldo Ornelas (saxofone) e Rafael Martini (acordeom) acompanharão Gismonti.
“O convite de BH para encerrar essa história foi muito bem-vindo. Não será nada complicado. Ao contrário, será agradabilíssimo, sobretudo pelos convidados”, conclui.

EGBERTO GISMONTI

Ocupação Rosa Encantado. Domingo (3), às 20h. Grande Teatro do Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro. Entrada franca. Os ingressos começaram a ser distribuídos na sexta-feira. Recomenda-se verificar previamente a disponibilidade de entradas. Informações: (31) 3236-7400.