Quando se fala em cordel, logo o Nordeste vem à mente. Diferentemente do que muita gente pensa, essa manifestação da cultura popular tem sua origem no outro lado do Atlântico. “Ela nasceu na Europa, no século 16, depois do surgimento da imprensa. Os livros eram muito caros, então o cordel apareceu – em forma de folheto ou de folha volante – como um meio de comunicação rápido e acessível. No século 19, foi trazido ao Brasil por imigrantes portugueses. Mesmo tendo características próprias, o cordel brasileiro tem o DNA lusitano”, explica o ensaísta e cronista Arnaldo Saraiva, também poeta, tradutor e professor emérito da Universidade do Porto.
Considerado um dos maiores divulgadores da literatura brasileira em Portugal, Saraiva traz à Academia Mineira de Letras (AML), em BH, a exposição Folhetos de cordel portugueses, que reúne 150 peças de seu acervo pessoal. Na noite desta terça-feira, 07, a mostra será aberta com palestra desse especialista em cultura popular – sobretudo, literatura oral e escrita.
“Os piropos, as cantorias e as anedotas me chamavam a atenção constantemente, fosse pelo ponto de vista literário, histórico, linguístico, etnográfico ou social. Foi assim com os folhetos de cordel também”, diz Saraiva.
A mostra evidencia vários aspectos da relação dos cordéis português e nordestino, como linguagem, estilo, tema, conteúdo e forma literária, além dos tipos de papel e modelos de impressão, formatos, grafismos e ilustrações. “Minha coleção conta com 5 mil cordéis brasileiros e 800 portugueses. Dos lusitanos, o mais antigo é de 1602 e o mais recente é de 1970 (eles estão na exposição). Os primeiros da história portuguesa datam do século 16, mas, infelizmente, desapareceram. Nunca encontrei nenhum deles em bibliotecas ou museus”, lastima o professor.
Arnaldo Saraiva lamenta o fim desse gênero literário em seu país. O último exemplar tem pouco mais de 40 anos. “Em Portugal, não se produz mais o modelo tradicional de cordel. E os motivos são vários. O rádio, a televisão e a internet tomaram o espaço dos poetas típicos. Os folhetos clássicos deram lugar a outros tipos de publicações, como as fotonovelas e a literatura de bolso, por exemplo. Sem contar que há outros interesses por parte das pessoas”, explica.
BRASIL Curiosamente, se na “terrinha” o cordel acabou, no Brasil, apesar das dificuldades, ele agoniza mas não morre. Arnaldo Saraiva observa que em estados nordestinos, sobretudo a Paraíba e Pernambuco, a produção de cordelistas tem resistido – inclusive, vem sendo objeto de estudos universitários.
“A literatura de cordel brasileira foca mais na poesia, enquanto em Portugal é mais diversa.
Arnaldo Saraiva diz que o gênero literário nunca foi valorizado como merecia. Acabou preterido por não ser bem-visto pela elite, já que é genuinamente popular. “Eles eram encontrados em todos os cantos, nas feiras e mercados. Alguns folhetos faziam mais sucesso e tinham tiragem maior do que vários livros chamados ‘cultos’. Eram impressos precariamente, com linguagem muito coloquial. Esse veículo de comunicação barato e acessível mostrava toda a criatividade dos homens do povo”, destaca.
A exposição já passou pelo Porto, Lisboa, Recife e Rio de Janeiro.
FOLHETOS DE CORDEL PORTUGUESES
Abertura nesta terça-feira (7), às 19h30, com palestra do professor e pesquisador Arnaldo Saraiva. Academia Mineira de Letras. Entrada franca. Rua da Bahia, 1.466, Lourdes, (31) 3222-5764. Em cartaz até 26 de novembro. O espaço funciona diariamente, das 9h às 20h. Informações: www.academiamineiradeletras.org.br.