Juca Kfouri rememora 50 anos de dedicação ao jornalismo em autobiografia

Futebol, família, política e Corinthians são algumas das paixões desse tarimbado repórter

Paulo Galvão

Juca Kfouri autografa sua autobiografia na Livraria Leitura do Pátio Savassi nesta terça-feira, 07. - Foto: Ascom/Divulgação

Juca Kfouri não é só um grande jornalista, muito menos só um grande jornalista esportivo. Trata-se de grande personagem da história recente do Brasil, que participou da vida do país como diretor das revistas Placar e Playboy, duas das publicações que mais mexeram com o imaginário nacional nos últimos 50 anos, ainda que estejam ambas agonizando recentemente. Fez não só grandes entrevistas e reportagens, como encomendou outras tantas a seus subordinados. Também comanda ou comandou blogs e colunas em jornais, além de participar de programas de TV e rádio, sempre com opiniões sinceras, fidelidade às próprias ideias e notícias em primeira mão. E sem medo de embrenhar por assuntos espinhosos, de criticar entidades e pessoas, de se indispor até com amigos.

Com carreira tão sólida, é natural que Juca tenha sido chamado a opinar quando governos pretendiam mudar a legislação esportiva. O jornalista teve contato com presidentes da República e ministros, além de presidentes da CBF, federações, clubes e entidades de classe. Relações nem sempre amistosas, registre-se. Ele esteve presente em momentos marcantes do esporte, como as Copas do Mundo de 1982, 1986, 1990, 1994, 1998, 2006, 2010 e 2014, além das Olimpíadas de 1992, 2012 e 2016.

Em sua autobiografia, Juca Kfouri, de 67 anos, brinda-nos com histórias saborosas e personagens de todas as estirpes que cruzaram seu caminho em 50 anos de profissão.

Isso com texto primoroso, tiradas excelentes, carinho especial pela família e até uma certa dose de vaidade.

 

 

Em 248 páginas, o jornalista (formado em ciências sociais) traça sua trajetória desde quando era um projeto de militante comunista até a decepção com muitos em quem depositava confiança, passando pelo apoio a candidatos a prefeito e governador de São Paulo e à Presidência da República.


Justamente por sua formação e o desejo de ver uma sociedade menos desigual, Juca não raro se desentendeu com seus superiores e mesmo com patrões. Foi assim, por exemplo, ao desafiar as posições oficiais da Editora Abril e da TV Globo em pleitos regionais e nacionais.

ÍDOLOS A postura inicialmente à esquerda na política o aproximou ainda mais de quem amava desde que nasceu: o Corinthians. Com o advento da Democracia Corinthiana, movimento em que os jogadores tomavam decisões, Juca se tornou amigo de grandes craques, especialmente de Sócrates, de quem ficou íntimo. Chegou a começar a escrever uma biografia do “Magro”, projeto logo abandonado.

As passagens envolvendo as coberturas nas décadas de 1970 e 1980 são excelentes e nos fazem relembrar como as coisas, antes, pareciam mais simples. Se hoje jogadores vivem em redomas proporcionadas por salários milionários e assessores para todas as áreas, há 30 anos eles eram meros mortais. E acessíveis, como fica claro em diversos casos relembrados pelo autor.

Também há passagens inusitadas. Pouco antes de aceitar o cargo de ministro dos Esportes, Pelé entrou – escondido no carro de Juca – no apartamento do jornalista, onde se encontraria com o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso. Com direito a “drible” naimprensa, que se juntou para registrar a reunião.


“Contei aqui o que vi com meus olhos, e contei do meu jeito mais de meio século de futebol, outro tanto de vida política e de jornalismo, a paixão que, sem perceber, tomou conta de mim e me levou a ser o derrotado mais feliz do mundo”, escreve ele, que parafraseou Pablo Neruda na escolha do título. Realmente, Juca confessa que viveu. E viveu bem. Para nossa sorte, ele resolveu contar.

CONFESSO QUE PERDI
. De Juca Kfouri
. Companhia das Letras
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248 páginas
. R$ 39,90 e R$ 27,90 (e-book)
. Lançamento terça-feira (7), às 19h, na Livraria Leitura do Pátio Savassi. Avenida do Contorno, 6.061, 3º andar, Savassi


TRECHOS

SÓCRATES
“O Magro sempre foi uma pessoa especial, capaz de não medir consequências ao batizar um filho com o nome de Fidel ou de, segundo ele mesmo, só conseguir viver apaixonado. Não foi um homem do século 21 nem do 20; talvez do 19, quando faria par aos românticos portugueses. Não conheci ninguém tão imediatista como ele, alguém tão obececado por viver o momento, carpe diem. E tão desapegado.”

BERNARD E O MINEIRAZO
“No fatídico 8 de julho, o menino da ‘alegria nas pernas’, como Felipão se referia a Bernard, entrou como titular e sucumbiu miseravelmente, tal qual todo o time. Uma tristeza nas pernas, na cabeça e no coração. A sucessão de cinco gols em 18 minutos, dos 11 aos 29, não paralisou apenas a Seleção, mas, no que me diz respeito, também a mim. Via tão incrédulo tudo aquilo, que não sentia à medida que escrevia no blog e para o coluna o fechamento mais fácil de toda a Copa, só faltava o placar final da goleada.”

JOÃO HAVELANGE
“Havelange, com o falso discurso de que não tratava de política, só de futebol, passou a fazer a pior das políticas, aliando-se às ditaduras espalhadas pelo mundo e delas extraindo, como em 1978, na Argentina, sob o regime autoritário do general Jorge Rafael Videla, lucros inimagináveis.”

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