Confira programação que celebra 115 anos de Carlos Drummond

Leitura de poemas eróticos por Thiago Lacerda, palestra com Humberto Werneck e show de Pedro Morais são algumas das atrações

Mariana Peixoto
A passagem de Carlos Drummond de Andrade (1902/1987) por Belo Horizonte foi curta, porém célebre. Os 14 anos vividos aqui (de 1920 a 1934, além de alguns meses em 1916, quando estudou no Colégio Arnaldo) foram eternizados em poemas como o pesaroso Triste horizonte (“Não quero mais, não quero ver-te”) e o elogioso Jardim da Praça da Liberdade (“Versailles entre bondes”).


O período foi determinante em sua vida.

Foi aqui que se formou a intelectualidade literária dos primeiros anos da nova capital, junto a Milton Campos, Abgar Renault, Emílio Moura, Pedro Nava e Aníbal Machado. Foi também aqui que Drummond se graduou em farmácia, que se casou com Dolores, que teve seus dois filhos, Carlos Flávio e Maria Julieta, e que estreou na literatura com Alguma poesia (1930).

Belo Horizonte realiza, de hoje a quarta-feira, um grande evento dedicado ao poeta maior. #Drummond115 vem celebrar seus 115 anos de nascimento (em 31 de outubro de 1902, em Itabira) por meio de ações que misturam cultura, educação, inclusão social e gastronomia. A iniciativa dessas ações conjuntas – há ainda homenagens isoladas – é do Governo de Minas, Codemig e do projeto Sempre um Papo. A Biblioteca Pública, o Rainha da Sucata e a Praça da Liberdade vão concentrar a programação, que terá desdobramentos em outras regiões da cidade.

E os 14 anos passados por Drummond na cidade são o ponto de partida. “Belo Horizonte é uma referência cultural do ponto de vista literário a que ninguém dá o devido valor”, comenta o produtor cultural Afonso Borges, do Sempre um Papo. Para colocar as coisas em seu devido lugar, o jornalista e escritor Humberto Werneck, que lança, em 2018, pela Cia. das Letras, biografia do poeta, faz amanhã, na Biblioteca Pública, a palestra “Drummond e seu tempo em Belo Horizonte”. Werneck, também um mineiro que deixou BH (só que a trocou por São Paulo, onde vive desde 1970), ainda participa de uma leitura de poemas em presídio da região metropolitana.

AMOR NATURAL O ator Thiago Lacerda chega hoje à cidade para apresentar, nesta segunda, no Teatro Bradesco, os poemas eróticos de Drummond, reunidos no livro póstumo O amor natural (1992)
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A leitura tem enfrada franca, e as senhas para ingresso serão distribuídas a partir das 19h. O prédio conhecido como Rainha da Sucata, na Praça da Liberdade, vai ser palco de várias ações. Em seu teatro de arena estão previstas apresentações de teatro, declamações e até mesmo um slam poético (disputa de poesia falada).

Uma das ações mais simples, e que deve causar impacto, será realizada amanhã. Das 12h às 13h, a Praça da Liberdade será o cenário da #OcupaçãoDrummond. É basicamente uma leitura coletiva da obra do poeta – para participar, basta ir ao local com um livro dele. O Memorial Minas Gerais Vale anunciou que transferirá para o espaço aberto da praça a divulgação dos áudios de poemas de Drummond lidos por ele mesmo. As gravações fazem parte do acervo permanente da sala dedicada ao itabirano no museu.

As ações incluem ainda um sósia, o ator Valmir Cavalcante, que deverá circular pela cidade tal qual Drummond fazia há quase um século.


#DRUMMOND115
De hoje a quarta, em vários espaços de BH,
com entrada franca. Programação completa: www.drummond115.wordpress.com.

- Foto: Beto Magalhães/EM/D.APress

QUATRO PERGUNTAS PARA HUMBERTO WERNECK

A figura pública de Drummond é a de um homem sério, formal e tímido. O que o Drummond da juventude em BH tem que o Drummond da idade adulta e da velhice no Rio de Janeiro perdeu?
O que se deu com Drummond foi aquilo que se dá com todos nós: a juventude dele passou, e com ela uma crepitação existencial e literária em que a quantidade costuma contar mais que a qualidade. Como disse o Hélio Pellegrino: aos 20 anos, você tem o sol nas mãos, mas não sabe disso. Atira para vários lados antes de encontrar o alvo certo. A sabedoria de Drummond veio cedo e impediu que ele publicasse cinco livros muito fracos antes de estrear, já maduro, aos 28 anos, com Alguma poesia.

Que traços da Belo Horizonte recém-inaugurada são mais nítidos na obra de Drummond?
Vejo bem poucos. De mais nítido, me ocorre agora o da Rua da Bahia de 1916, no conto O sorvete.

O nome da rua não aparece, mas só pode ser ela a “rua principal” pela qual meninos do interior passeiam, liberados por um dia da gaiola do colégio, indecisos entre a confeitaria e o cinema. E um deles só pode ser, na vida real, o Carlos, de Itabira, que, aos 13, naquele ano passou uns meses interno no Colégio Arnaldo. O conto vale como retrato da vida de uma Belo Horizonte que ainda não tinha chegado aos 19 anos.

Quais são as histórias mais pitorescas de Drummond na juventude?
No Colégio Anchieta, de Nova Friburgo, de onde foi expulso a pretexto de “insubordinação mental” – embora fosse o melhor aluno da turma –, Drummond carregava o rótulo de “anarquista”. E a injustiça da expulsão, exatamente, o levou a ser ainda mais insubmisso nos anos seguintes, solto em Belo Horizonte, bancado pelo pai fazendeiro. Queimando bondes, trocando placas nas fachadas de escritórios e consultórios, tocando fogo na casa de moças amigas na esperança de vê-las saindo de camisola. Ali por 1930, já pai de família, o poeta tinha o hábito, logo imitado, de atravessar o Viaduto de Santa Teresa não pela calçada, mas pelos arcos. Na verdade, Drummond nunca deixou de ser meio moleque. Já bem entrado nos 60 anos, divertia-se com Fernando Sabino para ver quem passava os melhores trotes ao telefone.

E que lugares ainda resistem na cidade que são marcantes na trajetória dele?
Alguma coisa ainda está de pé. Os arcos do viaduto. O prédio do Park Royal, primeira loja de departamentos da cidade, relíquia solitária dos tempos de glória da Rua da Bahia.
E a casa das moças Vivacqua, que ele e Pedro Nava tentaram incendiar, segue firme e bem conservada, hoje convertida em loja, na esquina de Sergipe e Gonçalves Dias.

ITABIRA

A cidade natal do poeta promove até amanhã o 1º Festival Drummond – Festa Literária de Itabira. A programação do evento reúne palestras com escritores, debates, lançamentos de livros, oficinas e shows. Confira no www.festivaldrummond.com.br.

VERSO E MÚSICA
O cantor Pedro Morais apresenta amanhã, às 21h, no Sesc Palladium (Avenida Augusto de Lima, 420, Centro) o show Poema noturno. No espetáculo, inédito, Morais musicou 11 poemas de Drummond, como Cantiga de viúvo, Liberdade, Cidadezinha qualquer e Poema patético. O cantor, que toca guitarra e violão, vai se apresentar ao lado de Barulhista (beats e programações) e Richard Neves (teclados). O show vai contar com a participação do rapper Douglas Din. Ingressos: R$ 15, R$ 7,50 (meia) e R$ 6 (comerciários).

DRUMMONDIANAS

Confira destaques da programação


Hoje

>> 9h30 – Cortejo literário e apresentação do Grupo Arautos/Ator Drummond/Palavra Viva (Biblioteca Pública e Praça da Liberdade)
>> 17h30 – Sarau literário Lá na Favelinha (Rainha da Sucata)
>> 20h30 – Primeiro Ato (Rainha da Sucata)
>> 21h – Thiago Lacerda recita poemas de O amor natural (Biblioteca Pública)

Amanhã
>> 11h – Premiação do concurso de redação (Palácio da Liberdade)
>> 12h às 13h – Ocupação #Drummond115 (Praça da Liberdade)
>> 19h – Palestra com Humberto Werneck: “Drummond e o tempo de Belo Horizonte” (Teatro da Biblioteca)
>> 20h30 – Disputa nervosa de Drummond (Rainha da Sucata)

Quarta
>> 19h30 – Mesa-redonda com Antônio Carlos Secchin, da ABL
(Auditório do BDMG)

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