Historiador diz que eleições de 2018 não solucionarão impasse político

José Murilo de Carvalho chega a BH para lançar livro O pecado original da República a convite do projeto Sempre um Papo

Marcelo da Fonseca
Milton Michida/AE - Foto: Milton Michida/AE

A construção da cidadania e a conciliação entre democracia e República são alguns eixos da obra do historiador e escritor José Murilo de Carvalho, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nesta sexta-feira (27), ele chega a BH para lançar O pecado original da República – Debates, personagens e eventos para compreender o Brasil (Bazar do Tempo), a convite do projeto Sempre um Papo. O novo livro reúne textos produzidos em sua maioria para jornais e revistas.

José Murilo tem alertado para a política do ódio que se instalou no país, lembrando o quanto as redes sociais contribuem para a polarização e o acirramento do debate público. “De um lado, elas significam envolvimento de mais pessoas, o que é bom; de outro, têm sido um território selvagem que não favorece o confronto civilizado de ideias”, observa em entrevista ao Estado de Minas.

Integrante da Academia Brasileira de Letras, o historiador mineiro lançou os livros Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi (Companhia das Letras), Cidadania no Brasil: o longo caminho (Civilização Brasileira), A formação das almas – O imaginário da República no Brasil (Companhia das Letras) e Pontos e bordados (Editora UFMG).

Um dos “pecados originais” do país é a ausência do povo na atividade política. Essa foi uma estratégia planejada pelos formadores da República brasileira?

Não foi calculado. O movimento republicano era heterogêneo em termos de ideologia e projetos. Havia bacharéis e jornalistas que pensavam em regime mais representativo, mais democrático. No Rio, o mais radical deles era Silva Jardim, cujo ideal era proclamar a República nas ruas à moda da Revolução Francesa; em São Paulo, era Luís Gama, um abolicionista radical.
Mas o grosso do grupo, sobretudo em São Paulo, era formado de cafeicultores pragmáticos, mais interessados no federalismo que na República. Não faziam questão alguma de participação popular. Os militares se preocupavam mais com problemas corporativos – à exceção dos positivistas, que pensavam em direitos sociais, mas não políticos. Floriano Peixoto acabou apoiado pelos jacobinos, mas não se aproveitou disso para continuar no poder. Campos Sales e Rodrigues Alves acabaram com o jacobinismo e com as revoltas militares. Construíram a República sem povo.

De 1889, quando a República foi proclamada no país, a 2017, até que ponto avançou a participação do povo na política brasileira?

O povo começou a entrar no sistema político pela via eleitoral só a partir do fim do Estado Novo, em 1945. Daí em diante, sua entrada foi torrencial. Hoje, 70% dos brasileiros votam, uma das mais altas taxas do mundo. Mas só o voto não garante a democracia. Muitos eleitores têm sua liberdade de voto limitada pela vulnerabilidade social a que estão sujeitos.

Em um de seus artigos, o senhor diz que a crise política atual foi “deslanchada pela substituição do chefe de Estado sem eleições”. Depois das eleições de 2018, essa crise pode diminuir?

A crise foi deslanchada pelo impeachment, que é, por definição legal, um processo político. Há uma rejeição enorme ao presidente atual, que, no entanto, provavelmente, chegará ao final do mandato. Mas até agora não há indicação de que algum candidato possa ganhar de maneira convincente.
Há nuvens no horizonte.

Na época da comemoração dos 500 anos do descobrimento, o senhor apontou que o principal problema do país era a desigualdade social. Passados 17 anos, qual é o maior impasse do nosso país?

Continua sendo a desigualdade. Entre 200 países, o Brasil é o 11º mais desigual. Nos últimos anos, houve redução da pobreza, mas não da desigualdade. Em 2001, os 10% mais ricos detinham 54% da renda; em 2015, 55%. Hoje, são 13 milhões de desempregados. O progresso tecnológico vai expulsar cada vez mais mão de obra pouco qualificada, como é a nossa. A perspectiva a médio prazo, pelo lado social, talvez seja ainda pior do que pelo lado político.

As redes sociais são parte importante do jogo político. Porém, muitas vezes, elas divulgam opiniões extremistas e mensagens de ódio. Como a internet pode ajudar a democracia brasileira?

As redes introduziram um elemento novo na política, cujo alcance e cuja natureza ainda estão longe de ser claros.
De um lado, elas significam envolvimento de mais pessoas, o que é bom; de outro, têm sido um território selvagem, que não favorece o confronto civilizado de ideias. Tendo a achar que o saldo é positivo, mas estamos longe da Ágora grega.



O PECADO ORIGINAL DA REPÚBLICA

. De José Murilo de Carvalho
. Bazar do Tempo
. 294 páginas
. Preço recomendado: R$ 43
. Nesta sexta-feira (27), às 19h30, o autor participa do projeto Sempre um Papo, no Auditório da Cemig. Rua Alvarenga Peixoto, 1.200, Santo Agostinho, (31) 3261-1501. Entrada franca..