A artista deixou obra com mais de 30 títulos, em que expande os limites do “texto visual” na literatura infantojuvenil brasileira e internacional. O termo foi empregado por uma de suas melhores amigas, a artista plástica e também escritora e ilustradora Marlette Menezes. “Sempre foi em busca da experiência proporcionada pelo livro. A pesquisa girava em torno de como usar e explorar as potencialidades do livro. Era uma busca insistente”, afirma Marlette.
O desejo de inovação a conectou com a tecnologia digital, sem deixar de defender a experiência do livro impresso. Marlette decidiu seguir o caminho como ilustradora depois de ver o livro O fio do riso (Editora RHJ Livros, 1980), atualmente na 13ª edição. Admiradora de Angela, Marlette pontua que o traço da amiga mudou ao longo do tempo, mantendo a identidade da escritora-ilustradora. “Você reconhece o fio contínuo do trabalho. Fio que se transforma o tempo todo”, afirma.
Premiada no Brasil e no exterior, a artista criou um universo próprio e singular e deu nova dimensão à literatura infantil brasileira. “Angela realmente foi uma pioneira, proporcionou um salto de qualidade muito grande, que puxou uma geração inteira atrás dela. Uma das qualidades era o esmero, o tratamento artístico do trabalho, tanto no texto quanto na imagem”, afirma o escritor e ilustrador Marcelo Xavier, autor de vários livros infantis. Marcelo e Marlette destacam como ela se dedicou a buscar inovações para a literatura.
Linha de frente O poeta e jornalista Carlos Ávila destaca a escrita bem-humorada e a maneira com a qual transitava por diversas técnicas. “Foi do lápis de cor às imagens digitalizadas, do verbal ao não verbal, compondo verdadeiros poemas visuais. Era uma artista de ponta, experimental e bem-humorada.” Entre o meio literário é unânime a avaliação de que ela estava na linha de frente na literatura infantojuvenil, como escritora e ilustradora. “Ao lado de Sebastião Nunes, era a mais inventiva. Angela conseguiu aliar, de forma única, texto e imagem, muitas vezes dispensando o próprio texto”, afirma Carlos.
Angela-Lago seria a homenageada na Fliaraxá, que será realizada entre 15 e 19 de novembro, em Araxá. O idealizador do Sempre um Papo e curador da festa, Afonso Borges, lembrou que estava tudo certo para a homenageada, mas, há dois meses, por causa de um acidente caseiro – ela fraturou o fêmur –, a homenagem tinha sido adiada para o próximo ano. “Ângela não é nome. É um substantivo.
Afonso destaca como Angela foi excepcional escritora e ilustradora. “Temos escritores infantis excelentes. Temos ilustradores excelentes. Mas escritor-ilustrador, na literatura brasileira, não tem ninguém como ela. É única e absolutamente original.”
Ao ultrapassar os limites entre ilustração e texto, Angela desenvolveu entendimento amplo sobre a narrativa visual. “Cada ilustrador mantém uma relação com a palavra, com mais ou menos autoridade. A ilustração dela era autoral, no sentido de trazer aspectos da narrativa que vão além do texto. Exprimia pela imagem, o que diferenciava o trabalho dela”, afirma o curador Flávio Vignoli. Ele destaca o extremo cuidado da artista com a composição da página, o uso de imagens e vinhetas próximos da borda e a capacidade de suas obras permitir múltiplas leituras. “Não a vejo como uma autora para crianças. A obra é para crianças e adultos.”
Afeto e generosidade
Marcelo Xavier lembra da irreverência da escritora que, às vezes, no texto, brincava com a morte. A razão para isso se deve ao fato da intensidade com que viveu. “Angela buscou vida onde ela pulsa. Era uma pessoa muito generosa e presente. Precisa na busca literária e muito companheira nas escolhas”, diz Marlette. Foi numa viagem com Marlette para Diamantina que a escritora conheceu Biribiri, distrito de Diamantina. Encantada pela antiga vila abandonada, decidiu comprar a casa onde viveu por dois anos. “Queria uma casa de janela azul perto da cachoeira. Foi muito feliz naquele lugar”, conta a amiga. De Biribiri, mudou-se para Jabuticatubas, em um sítio em que plantou 10 ipês. Atualmente, planejava retornar a Belo Horizonte.
A editora e jornalista Beatriz Goulart destaca que Angela se posicionava no campo progressista e uma de suas preocupações era a igualdade das mulheres. “Eu a conheci com 18, 20 anos. Quando li os livros dela, fiquei tão apaixonada que a gente ficou amiga imediatamente. A sensibilidade dela é uma coisa extraordinária, os personagens ficaram parte do meu imaginário”, diz.
Generosa no fazer literário, Angela inspirava e dialogava com escritores de diferentes gerações. Caso do jornalista e escritor Leo Cunha, filho de Antonieta Cunha, editora da Miguilim, que publicou vários livros da autora. “Tive a sorte de conhecer bem Angela e seu trabalho, desde quando eu era adolescente e frequentava a livraria da minha mãe, a Miguilim. A Angela morava a poucos quarteirões e aparecia sempre lá, para ver livros e conversar sobre literatura.”
Os amigos e leitores destacam a generosidade de Angela. “Mais que perder uma grande escritora-ilustradora, perdemos um ser humano de uma doçura que começava pelo tom de voz, sempre doce e muito firme. Equilibrar doçura e firmeza é para poucos, e Angela tinha isso naturalmente”, afirma o poeta Màrio Alex Rosa, que planejava com Angela-Lago a edição de um livro em parceria. (MMC e PPF)