Da tela para o papel

Artista plástico mineiro estreia na literatura com obra que traz de volta a infância

Livro de Estevão Machado recebeu prêmio e será lançado neste fim de semana com poemas e desenhos cheios de afetividade e lirismo

Joana Gontijo

- Foto: Fotos: Estevão Machado/Divulgação


Com o premiado O Rio no Bolso e o Quintal Amarelo, Estevão Machado explora uma nova faceta de seu labor criativo, e agora percorre os caminhos da palavra. Com referências carregadas da infância, o artista busca no imaginário de suas memórias afetivas o norte para o conjunto de poesias e desenhos que compõe a obra, vencedora entre 1,7 mil inscritos no Concurso Nacional de Literatura, Prêmio Cidade de Belo Horizonte, no ano de 2014. Com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, por meio da Fundação Municipal de Cultura, o livro acaba de ser editado pela Scriptum, e o lançamento será neste sábado (21), às 11h30, na livraria na Savassi.

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A trajetória na pintura é longa. Em projeto de 2013, o Buraco Branco, em que abria a porta de seu inconsciente para o púbico com quatro grandes telas à óleo, instaladas em um cubo branco montado na Praça da Liberdade, na capital, Estevão conta que chegou ao fim de uma etapa. “Era uma orientação muito pessoal e subjetiva. A última pintura da série era um retrato de minha mãe, que acabei descobrindo por acaso. Quando cheguei nesse ponto, considero que fechei um ciclo.
Posso dizer que o livro nasceu daí”, diz. A obra começou a se moldar, então, a partir de uma referência poética sobre o trabalho de seu avô materno, o escritor Aníbal Machado.


Em 1967, no texto de despedida a Guimarães Rosa, Um chamado João, Carlos Drummond de Andrade constrói metáforas intensas e uma delas tocou Estevão de maneira especial: “João (...) guardava rios no bolso, cada qual com a cor de suas águas”. Três anos antes, quando da morte de Aníbal, o poeta itabirano escreveu, em Balada em Prosa de Aníbal Machado: “Recebeu a morte como recebia amigos, (...) animadamente conversaram; noites e noites. Falaram do Rio das Velhas, que ele trazia no bolso”.

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Um rio guardado no bolso, para Estevão, lembra uma infância que se leva para a vida toda, um lirismo que o artista preserva, principalmente quando se chega ao meio de uma existência e se faz natural olhar para frente, mas também para trás. “Escolhi essa imagem para me guiar por esse trabalho. Uma bússola afetiva. São poemas que há muito não fiz, poemas tardios que só brotam a uma certa distância da infância. É quando nos é permitido avistar um largo relevo, um certo vento ou mesmo uma gaveta. Acredito que o mundo anda precisando dessa geografia”, escreve.

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O livro se organiza em dois atos - um é a reunião de poesias, e o outro os desenhos, concebidos entre 2013 e 2015. São duas narrativas que correm paralelas.
Os desenhos não são ilustrações dos poemas - eles se completam. Estão aí traçadas cenas com vira-latas, pipoqueiros e brinquedos em parques, além de momentos capturados em bancos de praça. “A primeira parte, O Rio no Bolso, é dividida em três movimentos: pra dentro, em que eu falo de mim, buscando o olhar para meu interior; pela pele, um retrato mais simples de sensações; e pra fora, as minhas impressões do mundo. Já no Quintal Amarelo, são poemas em forma de desenhos, bem afetivos e íntimos, que também me levam de volta à infância. São textos e figuras que trazem minhas memórias, minhas experiências”, descreve o autor.

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A inscrição para o concurso de literatura aconteceu com o estímulo do filho, e Estevão resolveu organizar a produção que já tinha - a escolha em primeiro lugar foi uma surpresa, revela. Para ele, escrever amplia o horizonte expressivo e tornar isso público é algo especial. Com a criação artística antes mais voltada para a pintura, instalações urbanas e gravuras, Estevão nunca parou e começou, como descreve, a se permitir procurar novas paisagens pela palavra. “Minhas pinturas são muito narrativas, contam histórias, enquanto minha poesia é carregada de imagens”. O artista inclusive convidou a filha, a atriz Tereza Gontijo, para declamar os textos, em interpretações que enriquecem ainda mais o trabalho.


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O percurso de Estevão pela escrita não acontece assim tão de repente. Entre o final dos anos 1970 e início da década de 1980, ele integrou o Grupo Oficina Multimédia, em Belo Horizonte, com coordenação de Rufo Herrera, que reunia diversas formas de arte de maneira multidisciplinar - música, teatro e artes plásticas. “Nessa época fiz muitos textos para o grupo. Sempre escrevi, não profissionalmente, mas é uma herança. Para mim, hoje, sair das artes plásticas e ir para a literatura é muito natural. São meios de expressão”, finaliza.

- Foto: O Rio no Bolso e o Quintal Amarelo
De Estevão Machado

Editora Scriptum

1ª edição - 2017

106 páginas


O artista

Estevão Machado nasceu em 10 de janeiro de 1959, na capital mineira. O trajeto artístico começa ainda jovem, em cursos de desenho livre, gravura em metal, e no trabalho, por quatro anos, no Grupo Oficina Multimédia de Belo Horizonte. Formado em design gráfico na atual UEMG, por 20 anos Estevão trabalhou em agências de propaganda, atuando nas áreas de design gráfico e pesquisas na web. Em 2002, uma correção de prumo, como descreve o artista. Ele decide dar mais ênfase a sua atividade artística, mas definitivamente fora do circuito convencional. Pintor autodidata, o mergulho no mundo da arte contemporânea se mostrou irreversível para Estevão. “Nunca fiz uma exposição em uma galeria comercial - não porque não quisesse, é que meu trabalho navega ao largo, visita outros espaços”.

Veja os vídeos com poesias declamadas:







Serviço:
Lançamento do livro O Rio no Bolso e o Quintal Amarelo, de Estevão Machado
Dia 21 de outubro, de 11h30 às 15h
Na Livraria Scriptum
Rua Fernandes Tourinho, 99, Savassi
(31) 3223.7226

https://www.facebook.com/orionobolso/.