Fernando Sabino, que faria aniversário neste Dia das Crianças, deixou como legado sua obra infantojuvenil

Outro legado do o escritor belo-horizontino é a luta de sua família para levar arte e cultura às escolas brasileiras

Pedro Galvão
Fernando Sabino sabia como poucos dialogar com os pequenos leitores - Foto: Eny Miranda/EM/D.A Press

“Quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: o que você quer ser quando crescer?. Hoje, não perguntam mais. Se perguntassem, eu diria que quero ser menino”. Nascer no Dia das Crianças foi mais que uma coincidência na vida de Fernando Sabino (1923-2004), autor dessa frase. Ao longo de mais de seis décadas dedicadas à literatura, o escritor belo-horizontino, que completaria 94 anos nesta quinta-feira, fez da infância a protagonista de várias de suas crônicas e romances. Não é à toa que seu epitáfio diz: “Aqui jaz Fernando Sabino. Nasceu homem, morreu menino”.

Consagrado por livros voltados para o público adulto como O encontro marcado (1956) e O homem nu (1960), Sabino também escreveu O menino no espelho (1982), A vitória da infância (1984), O pintor que pintou o sete (1987) e O evangelho das crianças (2004) – todos voltados para os pequenos leitores ou tendo crianças como protagonistas.

Bernardo Sabino, filho dele, comanda um programa socioeducativo muito atuante. “Ele tinha uma relação íntima com a criança.
Sempre falou que, quando crescesse, queria voltar a ser menino. Essa vontade se materializa um pouco no nosso projeto, que já atendeu mais de 800 mil delas em salas de aula brasileiras”, explica Bernardo, responsável pelo programa Encontro Marcado.

Criado em 2005, o projeto promove eventos voltados para o público infantil a partir da obra de Fernando Sabino. “Não planejei isso, começou quase por acaso. Quando ele faleceu, fizemos uma exposição no Palácio das Artes, em BH. Não imaginávamos que fosse tomar esse rumo, tudo aconteceu graças a Muriaé, que quis levar a mostra para lá. Aí, adaptei o projeto, ele passou na lei de incentivo, fomos para 10 outras cidades no interior de Minas Gerais e de São Paulo. Ano após ano, os números foram só aumentando – já são mais de 60 cidades, atualmente”, relembra Bernardo.

Em 2013, ele fundou o Instituto Fernando Sabino para facilitar a captação de recursos para essa iniciativa. Encontro marcado propõe seis meses de ações em salas de aula, com leituras, pesquisas e oficinas sobre a obra do mineiro. Posteriormente, exposições e apresentações artísticas são realizadas pelos estudantes.

CONSELHEIRO LAFAIETE  Nesta quinta-feira, Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas, receberá um evento em apoio ao projeto. A Banda Vil Metal e o músico Glaucio Barbosa se apresentarão no Festival Ritmos Urbanos, na casa de shows Duke. Cada ingresso adquirido, no valor de R$ 15, garantirá a doação de um livro de Fernando Sabino para a rede pública local. O público poderá comprar exemplares a preços especiais e colaborar com a ação. Outros 400 livros serão doados pelo Encontro Marcado.

Além de executar esse projeto, Bernardo pretende fortalecer de outras maneiras os laços entre seu pai e o público infantil.
Por meio de edições a cargo do próprio Instituto Fernando Sabino, a família planeja relançar alguns títulos de Sabino repaginados para a criançada, com edições ilustradas e adequadas a cada faixa etária.

“Queremos colocar o Fernando Sabino nas prateleiras infantojuvenis. Temos muita coisa em mente e gostaríamos de lançar isso até o fim do ano”, diz Bernardo, que administra a obra do pai em parceria com o irmão, Pedro Sabino.



Bernardo Sabino denuncia descaso


Comprometido com a melhoria da educação no Brasil, Bernardo Sabino lamenta a tragédia que tirou a vida de crianças em uma creche em Janaúba, na Região Norte de Minas. Ele aproveita para cobrar das autoridades melhor estrutura para a população infantil.

“É um momento de tristeza muito grande para qualquer pessoa. Lido com essas crianças, visitamos lugares como a creche de Janáuba. É algo que toca muito, não podemos nos esquecer também de que tem meninos morrendo quase todos os dias por conta de nossos governantes. Eles aprovam mais de R$ 1 bilhão para o fundo partidário e nada para hospitais e escolas”, critica.

Apostar na educação infantil é até “uma coisa utópica para quem quer o bem do país”, lamenta Bernardo Sabino. E pergunta: “Quantas crianças poderíamos salvar com essa verba?”.

A mulher do vizinho

 

Fernando Sabino

Na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático general do nosso Exército, morava (ou mora) também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia.

Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do general e um dia o general acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do vizinho.

O delegado resolveu passar uma chamada no homem e intimou-o a comparecer à delegacia.

O sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não parecia ser um importante industrial, dono de grande fábrica de papel (ou coisa parecida), o que realmente ele era. Obedecendo à intimação recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado tinha a lhe dizer. O delegado tinha a lhe dizer o seguinte:

– O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar num troço chamado autoridades constituídas? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada Exército Brasileiro, que o senhor tem de respeitar? Que negócio é esse? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse a casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: dura lex! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor.

Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto.

O vizinho do general pediu, com delicadeza, licença para se retirar. Foi então que a mulher do vizinho do general interveio:

– Era tudo o que o senhor tinha a dizer a meu marido?

O delegado apenas olhou-a, espantado com o atrevimento.

– Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor. Meu marido não é gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso importunaram o general, ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos importunando. E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel e filha de um general! Morou?

Estarrecido, o delegado só teve força para engolir em seco e balbuciar humildemente:

– Da ativa, minha senhora?

E, ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços, desalentado:

– Da ativa, Motinha. Sai dessa.





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