Obra de Kazuo Ishiguro, Nobel de Literatura, faz tributo à memória

Trabalho do autor é comparado ao de Jane Austen e Proust. Academia Sueca optou por um autor tradicional após a polêmica que cercou Bob Dylan

Ana Clara Brant
Dois dos sete livros do autor já ganharam versões nas telonas: 'Os vestígios do dia' (1993) e 'Não me abandone jamais' (2010). - Foto: Ben Stansall/AFP

Depois da polêmica escolha do cantor e compositor norte-americano Bob Dylan para receber o Prêmio Nobel de Literatura em 2016, a Academia Sueca optou por contemplar um nome, digamos, mais tradicional para a edição deste ano: Kazuo Ishiguro, de 62 anos, britânico de origem japonesa. ''É uma honra magnífica, principalmente porque significa que estou seguindo os passos dos maiores autores que já viveram, então é um grande elogio'', declarou o escritor nesta quinta-feira, 05, ao canal BBC, em Londres.

''Nem diria que foi uma opção muito tradicional, porque Ishiguro varia muito de estilo. Ele começou com obras voltadas para a cultura nipônica, depois focou na cultura inglesa, a sua formação. Particularmente, fiquei surpresa, mas ele é um bom autor'', afirma Eliana Lourenço de Lima Reis, especialista em literatura inglesa e professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Com obras traduzidas para 28 idiomas, Ishiguro desbancou o favorito, o queniano Ngugi Wa Thiong’o. Eliana Reis observa que a Academia Sueca vem preferindo escolhas mais políticas nos últimos anos – e Ngugi difere de Ishiguro justamente aí. ''O queniano aborda questões mais atuais, políticas, e o Kazuo Ishiguro trata muito da memória'', pontua.

Ao anunciar o nome do vencedor do Nobel, Sara Danius, secretária-geral da Academia Sueca, destacou que o estilo de Ishiguro traz Jane Austen e Franz Kafka com ''um pouco de Marcel Proust''. De acordo com ela, trata-se de autor ''de grande integridade'', que retrata em seus livros temas como ''memória, passagem do tempo e autoilusão''.

O escritor tem sete romances. O primeiro, A pale view of hills (1982), foi editado no Brasil pela Rocco com o título de Uma pálida visão dos montes.

As tramas desse livro e do seguinte, An artist or the floating world (1986), ocorrem em Nagasaki, poucos anos depois da Segunda Guerra Mundial.

Kazuo Ishiguro também escreveu Os vestígios do dia (1989), que ganhou o Man Booker Prize, e a ficção científica Não me abandone jamais (2005), lançados no Brasil pela Companhia das Letras. A editora também publicou Quando éramos órfãos (2000) e O gigante enterrado (2015), além da seleção de contos Noturnos: histórias de música e anoitecer (2009).

TELONA Em 1994, Os vestígios do dia foi adaptado para o cinema. Com direção de James Ivory e estrelada por Anthony Hopkins, Emma Thompson e Christopher Reeves, a produção concorreu ao Oscar de melhor filme. Em 2010, estreou o longa Não me abandone jamais, de Mark Romanek, com Keira Knightley e Andrew Garfield. Ishiguro também assinou o roteiro de A condessa branca (2005), filme estrelado por Ralph Fiennes e Natasha Richardson.

''A obra de Ishiguro é variada, mas só por Os vestígios do dia ele já merecia o prêmio. O texto é de uma delicadeza, uma sensibilidade, uma coisa bem inglesa mesmo. Essa é a formação dele, apesar de ter nascido no Japão'', observa a professora Eliana Lourenço.

De acordo com a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, professora da Universidade de São Paulo (USP), o vencedor do Nobel mescla prosa refinada e muita sensibilidade.

''O leitor é conduzido pela mão segura de Kazuo Ishiguro. As reflexões que ele acaba destilando sobre tempo, envelhecimento e memória são de imensa profundidade e atualidade. Sua ficção parece, sob essa perspectiva, como que infinda, como são sempre infindos, ao menos aos olhos do leitor, todos os bons livros'', ressalta. (Com agências)

ROCK A família de Kazuo Ishiguro se mudou do Japão para o Reino Unido em 1960, quando ele tinha 5 anos, e o autor só voltou ao país natal já adulto. Ele cresceu em Guildford, no Sudeste da Inglaterra, e atraía as atenções por ser o único filho de japonês na escola. Adolescente, sonhava ser astro do rock. Em 1973, Ishiguro trabalhou por um tempo para a rainha-mãe Elizabeth no Castelo Balmoral, em Aberdeen, na Escócia.
Logo depois, entrou para a Universidade de Kent, onde se especializou em língua inglesa e filosofia. Formado, trabalhou como assistente social em bairros pobres de Londres até abraçar a carreira literária, em 1983.

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