Novo livro de Nivaldo Tenório tematiza a morte e a efemeridade da vida

'Ninguém detém a noite' está entre a fé e o pessimismo e traz personagens que acertam as contas com si mesmos

Fellipe Torres
- Foto: Kleber Sales/CB/D.A Press

''A arte é uma espécie de protesto contra a morte''. O aforismo de Ariano Suassuna, levado pela Moça Caetana há três anos, caberia como epígrafe do terceiro livro de contos de Nivaldo Tenório, Ninguém detém a noite (Confraria do Vento).

É a primeira publicação do autor, nascido em Garanhuns (PE), desde o aclamado Dias de febre na cabeça (2012), que chamou a atenção do país para Tenório. Assim como na obra anterior, narrativas curtas circundam temas existenciais pelos quais Nivaldo demonstra obsessão, e o fim da vida é o principal deles. A reboque vêm a decadência do corpo, doenças de toda espécie, fraquezas da alma, falhas de caráter.

Não se trata, todavia, de pessimismo gratuito. A escrita labiríntica e, ao mesmo tempo, simples aproxima o leitor e o força a vislumbrar questões demasiado humanas. ''Penso na imprevisibilidade, no azar, no que a qualquer momento pode acontecer. A sondagem do humano e sua fragilidade me interessam'', comenta o escritor pernambucano.

Nos contos, o foco é desviado para assuntos aparentemente menores, como se as miudezas fossem ganhar corpo adiante. O leitor mais atento, contudo, notará o essencial sendo tratado em outro substrato da história.

Em uma das narrativas, a morte da tartaruga mobiliza, por muitas linhas, uma família durante um passeio.
A programação logo se revela cortina de fumaça para (e metáfora do) sofrimento do casal no período da ditadura militar. Esse conto foi escolhido para se tornar um romance. ''Quero explorar a dimensão psicológica e passar mais tempo na companhia dos personagens'', diz o autor.

DEMÊNCIA As relações entre pais e filhos (mote inicial pensado para o livro, depois abandonado) são muito exploradas, como no conto sobre a constatação da doença mental de um idoso e de seu clamor por uma paixão antiga. ''É baseado no meu pai. Ele levou uma queda, entrou em processo de demência e passou a falar da namorada de quando tinha 20 anos. A gente ri disso, mas com certa urgência. Tenho medo de chegar à velhice e não ter feito o que quis. Sou procrastinador'', afirma Nivaldo Tenório.

Embora o livro reúna infortúnios de todos os tamanhos, eles quase nunca estão postos diante dos olhos do leitor. Os óbitos não são repentinos, mas consequência de estar vivo. Eles assombram o passado, enlutam os entes queridos, espantam quando se avizinham. Mesmo quando ninguém fenece, ainda assim o clima sombrio ronda os lugares, as pessoas, os acontecimentos. ''Neste livro, trabalhei mais a linguagem, os silêncios, o não dito'', reconhece Nivaldo.A sugestão (em oposição ao relato) está presente em contos como O banquete, em que uma doméstica analfabeta folheia cenas do apocalipse em uma edição ilustrada da Bíblia, enquanto um caseiro encontra, entre as páginas de O conde de Monte Cristo, centenas de baratas.Traços de fé e do exercício de doutrinas religiosas, por sinal, contribuem para as ações, os medos e as convicções dos personagens. Pairam como um fantasma causador de incertezas.
Projetam o demônio como responsável por pecados e crimes cometidos. Se não estão à procura do sagrado, as pessoas buscam a juventude ao se relacionar com parceiros de menos idade, manter relações com prostitutas, exagerar nas atividades físicas.

EXÉRCITO No conto Ninguém detém a noite, o protagonista encontra consolo na possibilidade de se suicidar a qualquer momento, pois não suporta ''o tédio de ser militar em tempos de paz'' – possível referência à época em que o escritor serviu nas Forças Armadas, em 1989. ''O Exército não passa de um clichê'', define outro personagem, antes de assistir ao enforcamento de um colega pelo YouTube.

NIILISTA 
Lançado há cinco anos, em Dias de febre na cabeça Nivaldo Tenório também fala da morte, das sombras e da impossibilidade de ser feliz. O livro foi elogiado pelos escritores Ronaldo Correia de Brito, Raimundo Carrero e Sidney Rocha. ''Nivaldo Tenório domina a carpintaria narrativa e sabe escrever um conto. É impressionante como cria um mundo tão sombrio, hipocondríaco, tão suicida. É um niilista'', afirmou Ronaldo Correia de Brito..