Estreia hoje em Belo Horizonte a montagem da Armazém Companhia de Teatro para Hamlet

A atriz Patricia Selonk faz o papel do príncipe dinamarquês

Cecília Emiliana
- Foto: MAURO KURY/DIVULGAÇÃO

Um clássico, segundo a definição do escritor italiano Ítalo Calvino (1923-1985), é uma obra que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. Mais de quatrocentos anos após sua primeira montagem, Hamlet, de William Shakespeare (1564-1616), segue provando a teoria – e com que força. A versão da Armazém Companhia de Teatro para a história do príncipe trágico estreia neste sábado (2/9) em Belo Horizonte, onde cumpre temporada até o dia 25, no CCBB.

Sem mudar o texto original, a trupe – que neste ano completa 30 anos de fundação – dá ênfase a uma discussão atualíssima com essa montagem dirigida por Paulo de Moraes: a questão de gênero. Patrícia Selonk foi a atriz escolhida para viver Hamlet, o atormentado príncipe dinamarquês cujo pai, o rei, foi assassinado num conluio entre seu irmão e a rainha. Como se sabe, Hamlet se finge de louco para desvendar a trama e tentar fazer justiça ao pai. Nesse processo, vai perdendo a sanidade, denuncia o sistema político algo podre de seu país e os desvarios de sem tempo.

“Preciso dizer que, antes de tudo, a escolha da Patrícia para fazer o Hamlet se deu por sua qualidade como atriz. Ela é hoje uma das melhores atrizes do Brasil, com reconhecimento internacional, inclusive. Mas é claro que o fato de uma mulher encarnar esse papel tão icônico é uma oportunidade incrível de se discutir pautas tão atuais quanto o machismo e o lugar social da mulher ainda hoje.
E a gente não precisou mudar uma palavra do texto para fazer isso. O fato de Patrícia estar ali, vivendo um personagem tão violento e que tem uma visão tão machista das mulheres em torno dele possibilita isso. Dá à plateia, como deu ao grupo, a possibilidade de enxergar as atitudes dos homens da época sob um viés diferente”, afirma Paulo de Moraes.

Ao ser convidada para representar o personagem, Patrícia Selonk chegou a titubear. “Inicialmente, pensei: Nossa, será que dou conta? Um tempo depois, comecei a traçar o que interessa, que é a maneira de colocar esse personagem no palco. Como encontrar essa violência do Hamlet no meu corpo? Claro, as mulheres também podem ser bem violentas, mas somos educadas para reprimir isso. E como tornar a minha violência crível para o público?”, descreve a atriz. As questões de gênero, segundo ela, perpassam a montagem de maneira sutil, por meio das atitudes do personagem-título. “Ver a forma machista como o Hamlet trata a mãe, por exemplo, ou a irmã Ofélia, tudo isso partindo de um corpo feminino, certamente renova o olhar das pessoas sobre esses atos”, diz.

A conjuntura política brasileira é outro aspecto que favorece a aproximação de Hamlet com o cotidiano do espectador. Mais uma vez, o paralelo se dá sem que a montagem tenha tido que incorporar exageros ou caricaturas.

“A loucura do Hamlet e a que ele aponta na sociedade dinamarquesa são as nossas loucuras, só que espraiadas para tantas searas. A palavra democracia, por exemplo, teve seu sentido diluído no mundo todo. Os jogos políticos jogados em tempos imemoriais ainda são jogados hoje, com as mesmas regras, só que aperfeiçoadas. É interessante ver como a plateia saca isso.
Aliás, é lindo observar como ela se mantém atenta. Uma coisa é a gente ler que Shakespeare era um dramaturgo popular, sem abrir mão da complexidade dos temas que tratava. Outra coisa é sentir isso. E é maravilhoso como o público se senta na cadeira do teatro interessado, quase sem piscar, para assistir a um espetáculo de quase duas horas, envolvidíssimo com ele”, comenta Patrícia Selonk.


Hamlet
De: Shakespeare. Com Armazém Cia de Teatro (Patrícia Selonk, Ricardo Martins, Marcos Martins, Lisa Eiras, Jopa Moraes, Isabel Pacheco e Luiz Felipe Leprevost. Direção: Paulo de Moraes. Até 25/9, de sexta a segunda, às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Libedade, 450). Ingresso: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Mais informações:
(31) 3431-9400..