Livro destaca a multiplicidade da obra de Antonio Carlos Jobim

Organizado por Luca Bacchini, livro não se restringe à música e mostra que o maestro dialogou com literatura, botânica e sociologia

Ana Clara Brant
Tom Jobim em 1959, ano de lançamento de 'Chega de saudade', LP de João Gilberto que se tornou um marco da bossa nova. - Foto: Paulo Namorado/O Cruzeiro/EM/D.A Press

Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927-1994) ficou mundialmente famoso por causa de Garota de Ipanema, ícone da bossa nova – parceria dele com Vinicius de Moraes. Foi a segunda canção mais executada da história, atrás apenas de Yesterday, dos Beatles. A vida e a carreira desse carioca já renderam biografias, documentários e especiais de TV, mas ainda há o que aprender com sua imensa obra. Essa é a proposta do livro Maestro Soberano: ensaios sobre Antonio Carlos Jobim (Editora UFMG), que será lançadona noite desta terça-feira, 22, na Quixote Livraria e Café, em Belo Horizonte.

''A ideia principal é apresentar Tom Jobim não como o genial compositor, mas como um intérprete do Brasil que usou a música, de forma genial, para elaborar uma visão própria do país. Jobim não deixou apenas um cancioneiro, mas um pensamento. Em termos mais gerais, acho que o livro contribui para a revisão do conceito canônico de ‘intérprete do Brasil’, tradicionalmente restrito ao mundo acadêmico-institucional e à produção ensaística'', destaca o italiano Luca Bacchini, organizador da publicação. Ele é pesquisador-adjunto do Projeto República: Núcleo de Pesquisa, Documentação e Memória da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do projeto Sense and Sound, da Stanford University, na Califórnia (EUA).

Bacchini lembra que a maioria das publicações sobre Tom falam de sua vida, não de sua obra. Na verdade, registra-se a prevalência de uma vertente biográfica e memorialista em todos os estudos dedicados à música brasileira, observa o pesquisador.
''Todavia, no caso de Jobim, essa tendência se acentua de maneira radical. Na minha opinião, uma explicação é dada pelo forte caráter interdisciplinar da obra jobiniana, que, para ser analisada, requer conhecimentos muito variados tanto no âmbito das artes quanto das ciências. O crítico ideal de Tom Jobim deve ser um pouco ornitólogo, um pouco musicólogo e, ao mesmo tempo, especialista em literatura e estudioso de botânica'', afirma o pesquisador.

COINCIDÊNCIA Não foi proposital, mas o lançamento do livro se dá quando se lembram os 90 anos do compositor, completados em 25 de janeiro. O projeto teve início em 2011, mas como houve atraso relativo à revisão e à finalização do volume, calhou de ele ficar pronto agora.

''É uma coincidência que eu, paradoxalmente, como organizador da obra, queria evitar. Considero desnecessário e, de certa forma, até redutivo esperar uma recorrência para organizar uma homenagem a Tom Jobim. Sua contribuição para a cultura brasileira, não apenas para a música, é tal que não ele precisa de um pretexto oficial para ser celebrado'', defende.

Maestro Soberano traz textos da viúva do compositor, Ana Lontra Jobim, e de vários especialistas: Charles A. Perrone, professor de língua, literatura e cultura luso-brasileira da Universidade da Flórida (EUA); Gleise Andrade Cruz, especialista em administração de sistemas de informação e ex-arquivista do Instituto Antonio Carlos Jobim (IACJ); Heloisa Starling, professora de história do Brasil na UFMG e coordenadora do Projeto República: Núcleo de Pesquisa, Documentação e Memória; e Paulo Henriques Britto, poeta, contista, tradutor e professor de literatura e tradução da PUC Rio, entre outros.

A maioria dos textos foi escrita para três números de revistas organizadas por Bacchini na Itália, entre 2007 e 2010. Quando decidiu organizar o livro, ele ofereceu aos autores a oportunidade de repensar e modificar as propostas iniciais.

''É interessante observar como, em alguns casos, a revisão foi tão radical que acabou produzindo textos totalmente diferentes daqueles de origem. Não foram convidados para o livro somente especialistas de música, mas pesquisadores de disciplinas e sensibilidades diferentes. De fato, seria errado pensar que a riqueza da obra de Tom Jobim esteja limitada ao pentagrama'', observa.

DESAFIO Luca Bacchini conta que o grande desafio foi fazer uma homenagem à altura do artista, celebrando um dos compositores mais importantes do século 20 sem limitar o debate ao âmbito musical.

''O fato de ser estrangeiro, num certo sentido, duplicou, triplicou o peso da responsabilidade. Mudando de perspectiva, senti-me como um brasileiro que fosse chamado na Itália para organizar um volume em homenagem a Pasolini ou Fellini'', compara o autor de Maestro soberano.

''O que mais chama a atenção na obra de Tom Jobim é a incrível força inspiradora que ela é capaz de exercer em vários âmbitos da pesquisa e, mais importante ainda, o seu poder de ampliar os horizontes culturais dos ouvintes, despertando novos interesses, curiosidades e paixões. A obra de Jobim pode levar tanto para um passeio pela mata atlântica quanto para a leitura de Guimarães Rosa'', conclui.


TRECHOS

''A melancolia de Águas de março se ligava e ainda se liga à experiência brasileira de desmantelamento da herança rural e, simultaneamente, de inviabilidade de uma sociedade moderna (e predominantemente urbana) razoável, processo que ocorre desde pelo menos a década de 1930, tendo mudado sua forma mais de uma vez.''

Walter Garcia, professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP


''A musicalidade que se revelou aos ouvidos de Tom Jobim, espalhada por todo o sertão, é consequência do imenso investimento literário realizado por Guimarães Rosa com o objetivo de manipular a sonoridade da língua. Um investimento capaz de deixar claro, para o leitor, o fato de que os grandes conteúdos de sua obra não se resolvem apenas através da linguagem, mas, principalmente, na linguagem.''

Heloisa Starling, professora de história do Brasil na UFMG

- Foto:
MAESTRO SOBERANO
Ensaios sobre Antônio Carlos Jobim
• De Luca Bacchini (organizador)
• Editora UFMG
• 328 páginas
• R$ 69
• Lançamento nesta terça-feira (22/8), das 18h30 às 21h.
Quixote Livraria e Café. Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, (31) 3227-3077.