Aclamados artistas plásticos estrangeiros participam do projeto cubano Arte Continua

O lucro e a venda de obras de arte são proibidos em Cuba

Instalado em antigo cineteatro, o Arte Continua se tornou importante espaço multicultural em Havana - Foto: Adalberto Roque/AFP

Havana
– Nascido sob inspiração italiana, o Arte Continua, primeiro espaço estrangeiro de arte contemporânea instalado em Cuba, exibe nomes internacionais que encontram fonte de inspiração nesse reduto comunista em transformação.

Em maio de 2015, o italiano Michelangelo Pistoletto estremeceu os muros da antiga Igreja de São Francisco de Paula, construída no século 18 em Havana, ao quebrar grandes espelhos com um bastão. A performance chamou a atenção.
Pai da arte povera, o italiano Michelangelo Pistoletto apoia o projeto cubano - Foto: Joel Sabet/AFP - 25/9/13
Pistoletto é um dos estrangeiros renomados que passaram pela ilha graças ao Arte Continua, assim como o francês Daniel Buren, o britânico-indiano Anish Kapoor, a indiana Shilpa Gupta e o greco-italiano Jannis Kounellis.

O projeto nasceu da imaginação de três amigos – Mario Cristiani, Lorenzo Fiaschi e Maurizio Rigillo –, que tiveram a ideia de criar galerias de arte contemporânea onde ninguém imagina.

Longe da modernidade das metrópoles, o primeiro espaço, chamado Galeria Continua, foi aberto em 1990, na comuna medieval italiana de San Gimignano, perto de Florença.

Sempre em busca de entornos atípicos, os três italianos foram os primeiros a instalar, em 2005, uma galeria de arte contemporânea internacional em Pequim, na China. Dois anos depois, inauguraram outra em Les Moulins, um pequeno povoado próximo de Paris.

RUÍNAS Em 2014, Lorenzo Fiaschi ficou encantado com o Águila de Oro, um cineteatro em ruínas construído em 1950 no bairro chinês de Havana. Com a colaboração das autoridades cubanas, o lugar foi transformado no Arte Continua. O espaço abriga exposições de pintura, eventos culturais e encontros com personalidades das áreas de música, dança, teatro, fotografia e arquitetura.

“Somos o primeiro espaço de exposições não cubano de Cuba”, informa Luisa Ausenda, responsável pelo Arte Continua, ressaltando o caráter não lucrativo do projeto. Devido a um acordo com o Ministério da Cultura, as obras ali expostas não são vendidas.

No entanto, o estabelecimento consegue financiar com recursos próprios viagens à ilha de artistas internacionais. Às vezes, isso se dá com o apoio de patrocinadores privados e de sedes diplomáticas instaladas em Havana.

POVERA Michelangelo Pistoletto se apaixonou por Cuba e pelos cubanos. Desde a Bienal de Havana de 2015, o pioneiro da chamada “arte povera” (arte pobre) italiana, surgida nos anos 1960 em resposta à hegemonia americana na arte contemporânea, importou para a ilha o conceito de “terceiro paraíso”, com o qual busca conscientizar sobre os danos provocados pelo homem no planeta.

Em dezembro de 2014, Pistoletto e o artista cubano Alexis Leyva (Kcho) convocaram uma centena de pescadores para desenhar, com seus barcos, um enorme sinal que representava o “terceiro paraíso” sobre o mar que separa Cuba dos Estados Unidos.
No dia seguinte, Barack Obama e Raúl Castro anunciaram a histórica aproximação entre Washington e Havana.
O artista plástico francês Daniel Buren expôs trabalhos em Havana - Foto: Patrick Hertzog/AFP - 10/6/14
Com Passeio por Havana, o artista francês Daniel Buren deixou uma marca indelével em Cuba: suas famosas listras brancas e pretas adornam, há dois anos, portas da antiga cidade e a estação de trens do Bairro Casa Blanca, com vista para a Baía de Havana.

O indiano Nikhil Chopra deixou os cubanos boquiabertos com a performance que realizou na Plaza de Armas, coração da Havana colonial. Durante 60 horas ininterruptas, o artista permaneceu trancado em uma jaula metálica, pintando tudo que via e estabelecendo “novas relações” com o público.

Cubanos chegaram a Veneza


“Temos dupla missão: por um lado, queremos trazer para cá projetos e artistas internacionais renomados. Por outro, a ideia é ajudar no desenvolvimento dos artistas cubanos dentro e fora da ilha”, explica Luisa Ausenda, responsável pelo Arte Continua.

Com o apoio do projeto, os cubanos Reynier Leyva Novo e José Eduardo Yaque puderam expor trabalhos na Bienal de Veneza.

“É um projeto positivo”, afirma o diretor do Museu de Belas-Artes e da Bienal de Havana, Jorge Fernández. “Eles trazem artistas, mas, principalmente, trabalham com a comunidade, com as crianças. E não estão aqui para vender quadros, é isso que se deve reforçar”, conclui. (Alexandre Grosbois/AFP).