Por Fabrício Carpinejar
Arrumar um final de semana entre o horário da janta e a hora de deitar.
Roncar para a criança não dormir no quarto dos pais.
Emocionar-se com o filho imitando os seus gestos.
Ocupar a memória inteira do celular com vídeos caseiros.
Voltar ao cinema mudo durante o sexo com a mulher.
Viajar e ler letreiros em voz alta.
Reaprender a rezar ao explicar o que é Deus.
Não fugir da pergunta por não encontrar a resposta.
Ser a resposta de qualquer pergunta.
Ceder a janela do avião.
Colecionar figurinhas com a desculpa de que são para o filho.
Vingar a infância e fazê-lo pular a roleta do ônibus.
Não ter mais troco, muito menos moedas.
Jogar videogame até tarde.
Acompanhar o avanço do peso do filho ao carregá-lo no colo.
Acompanhar o avanço da idade ao carregá-lo no colo.
Não ter preguiça para acordar cedo.
Ser a sua escada por dentro da casa.
Cheirar seus cabelos nos travesseiros.
Exagerar numa mentira para ser descoberto.
Criar segredos só para mostrar que eles são diferentes do resto das palavras: acontecem sussurrados nos ouvidos.
Colocar foto do filho como proteção de tela.
Espalhar porta-retratos pelo escritório.
Escutar dos outros: “O filho é a sua cara”. Não disfarçar o orgulho.
Esconder-se em lugar visível.
Esperá-lo dormir para beijar as suas bochechas sem resistência.
Ganhar a ternura das mulheres ao passear sozinho com a criança.
Comer verdura (esconder a careta) e dar o exemplo.
Acalmar os pesadelos com "passou, passou".
Perder o nojo depois de trocar as fraldas.
Inventar o jogo do contra diante da teimosia: falar não quando sim, sim quando não.
Contar histórias sem pé nem cabeça porque não consegue terminar.
Olhar para trás quando o deixa na escola.
Olhar para a frente quando o impulsiona na bicicleta.
Perceber que os casacos são também mãos, pois o filho vive puxando as mangas para pedir presentes.
Dizer que é a última colher sabendo que faltam muitas.
Recolher os brinquedos pela sala e brincar mais um pouquinho.
Improvisar cabana ao arrumar os lençóis.
Transformar a agenda num diário com as descobertas da criança.
Trocar palavrões por siglas.
Substituir o marcador de página pelos papeizinhos com "eu te amo".
Recuperar a fé e a esperança no próprio silêncio.
Aprender a conversar por sinais quando está ao telefone.
Melhorar a letra para dar o exemplo.
Corrigir a formação ao ajudá-lo nos deveres da escola.
Passar a autoria dos presentes ao Papai Noel e coelho da Páscoa.
Virar desenhos coloridos.
Ficar com vontade de telefonar para o pai no meio da noite porque finalmente entendeu o que é ser pai.\
Fabrício Carpinejar é poeta e cronista, pai de Vicente e Mariana