Somam-se a essas presenças, pessoas que não se importaram de ficar horas na fila para comprar um livro e que permaneceram mais um tempão de pé para ter o autógrafo dos autores que ali estavam, como o da ruandense Scholastique Mukasonga, autora de A mulher de pés descalços (Editora Nós), o segundo mais vendido no ranking da 15ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
É difícil caminhar pelas ruas de pedra do Centro Histórico da cidade que se tornou capital da palavra entre 26 e 30 de julho, mas essa parece ser a maior dificuldade naquele lugar para quem ama literatura. Na cidade, pensa-se literatura, respira-se literatura. Durante o evento, o Estado de Minas conversou com escritores e editores sobre como a literatura pode avançar no front em que a atenção das pessoas é disputada com as redes sociais.
Na Praça da Matriz, os livros estavam ao alcance das crianças com a mesma facilidade que os churros e sorvetes. Pelas ruas, poetas diziam seus versos, escritores revelavam os livros de cabeceira, lendo trechos que os inspiram. Uma fotografia de Paraty, naqules dias, daria certamente a impressão de que a literatura ocupa espaço vital na vida dos brasileiros. Na última pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro, no entanto, 44% dos brasileiros não abriram nem um livro em 2015.
Entrevista com o poeta Edimilson de Almeida Pereira
A literatura ainda é vista como artigo de luxo num país com tantos problemas na educação pública.
Um dos nomes da programação oficial que se despontou foi o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e poeta Edimilson de Almeida Pereira (leia entrevista). A inclusão de outros perfis de escrita foi discutida na mesa Arqueologia de um autor. Edimilson buscou debater o que é considerado cânone, propondo a ampliação de suas margens ou delimitações. Para ele, esse movimento requer discussões nos fóruns privilegiados, nas universidades, encontros técnicos da área de literatura, bem como o envolvimento de editoras.
Os autores lembram que para mudar o cenário e para que a literatura chegue a um número maior de pessoas é preciso percorrer longo caminho. A professora da UFJF e poeta Prisca Agustoni, autora de O mundo começa na cabeça (Editora Paulinas), participou da mesa Ler o mundo, em que foram tratados aspectos referentes à inserção de novos leitores, um hábito que começa na infância. “A escola continua sendo o lugar central. As famílias precisam entender e dar confiança ao trabalho dos professores na sala de aula”, defende. Outro passo necessário, na visão de Prisca, é aproximar quem escreve de quem lê. “De um lado, perder a áurea que o escritor é uma pessoa intocável. De outro, facilitar o trânsito e manuseio de livros nas escolas. As bibliotecas muitas vezes são fechadas.
Diversidade necessária
A 15ª edição da Flip foi mais enxuta, com orçamento de R$ 5, 8 milhões – R$ 1 milhão a menos do que a última edição. Se a programação oficial diminuiu, a paralela, a Off Flip, cresceu sensivelmente, com oferta de dezenas de atividades em casas e outros epaços. “Foi a Flip mais aberta, mais plural e mais democrática. Falam que está menor porque tiveram que cortar algumas coisas, mas eu vejo o contrário”, afirma o cronista Xico Sá, que participou de debate na Casa Libre. “Os arredores, fora do núcleo oficial da Flip, estão maiores do que nunca.”
Xico aponta o aspecto solene atribuído à literatura como uma das principais causas do distanciamento dos leitores. “A literatura no Brasil esteve muito ligada aos salões e ambientes acadêmicos. Essa diversidade motiva as pessoas a fazer literatura em qualquer lugar, de qualquer jeito, de qualquer cor, na periferia, no Centro, branco, preto, amarelo, azul. Essa é a grande história: tirar a solenidade.” Para o cronista, que lançou A pátria em sandálias da humildade (Editora Realejo), para a literatura ampliar seu alcance é preciso incluir autores de diferentes perfis. “Não adianta a gente ficar reproduzindo a mesma literatura branca, homofóbica e hétera se não tem as outras literaturas. A gente tem que ter todas.”
Quando a literatura não se torna porosa, impede a aproximação de diversos leitores.
Pela primeira vez, foi realizado na programação paralela o Slam das Minas, formato em que poetas participam de batalhas. Uma das expoentes dessa cena, Mel Lisboa vê com bons olhos a realização da festa literária, mas aponta que a programação oficial não contempla jovens abaixo de 30 anos. Dez meninas participaram do slam promovido pela Casa da Porta Amarela. Mel também participou de debate sobre a produção feminina na literatura. Na mesa, esteve ao lado de Jarid Arraes, autora de Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis, e Estela Rosa. “Fico um pouco aflita quando observo que o público que frequenta a festa, há 10 anos, são pessoas que passam dos 40, 50 anos. E o público de jovens que estão conhecendo a Flip? Não há preocupação de atrair a nova geração”, observa Mel.
Ganhadora do Prêmio Kindle de Literatura 2017, promovido pela Amazon e pela Nova Fronteira, com o livro Machamba, a escritora Gisele Mirabai defende que uma das formas de tornar a literatura mais próxima do público pode ser na junção de novos perfis de escritores e ao mesmo tempo novas plataformas. Foi o que ela falou na mesa de autopublicação promovida pela Amazon, na Casa Santa Rita de Cássia. Autora de quatro outros livros, Gisele publicou Machamba na plataforma on-line antes de a versão impressa ser editada pela Nova Fronteira. “É uma forma de democratização do livro. No Kindle, os leitores podem ter acesso aos clássicos que já são de domínio público e a literatura contemporânea também está mais acessível”, afirma. Antes de decidir participar do Prêmio Kindle, Gisele apresentou o livro para duas editoras.
BIBLIOTECAS
O secretário de estado da Cultura, Angelo Oswaldo, que acompanhou a apresentação dos autores mineiros e os que vivem em Minas, disse que é uma política do estado abrir as bibliotecas. “Por mais que estejamos em plena era tecnológica, nós continuamos na sociedade do conhecimento. Não podemos abrir mão do livro. É um objeto que temos que tocar, acariciar, ter nas mãos para ter vontade de ler. Uma experiência que passa pelo tato”, afirmou. De acordo com o secretário, uma das políticas para ampliar o número de leitores é fomentar a multiplicação de bibliotecas. “Temos hoje 800 bibliotecas públicas municipais, e 853 municípios. Faltam apenas 53. Temos programa de criação de novas bibliotecas. Oferecemos núcleo básico, com estantes, computador, cerca 1,5 mil livros para a criação de novas bibliotecas e isso tem dado certo. Cidades que já têm sua biblioteca pública estão criando sua biblioteca nos distritos ou em bairros.”.