Combate ao preconceito é o foco da 15ª Festa Literária Internacional de Paraty

Flip ampliou a participação de escritores negros; polarização do embate político também entrou na pauta. Relato de professora negra arrancou lágrimas da plateia e de Lázaro Ramos; veja o vídeo

Márcia Maria Cruz
Professora Diva Guimarães contou sua história como neta de escravos e emocionou Lázaro Ramos (E) e a plateia - Foto: IBERê Perisse/flip festa literária
O terceiro dia da 15ª Festa Literária Internacional de Paraty foi marcado por protestos. Pela manhã, o ator e escritor Lázaro Ramos e a jornalista portuguesa Joana Gorjão Henriques debateram sobre como Brasil e Portugal lidam com o racismo. A plateia que lotou a tenda montada às margens do Rio pediu a saída do presidente Michel Temer e também entoou críticas ao governador do Rio, Luiz Fernando Pezão. Na tarde dedicada ao escritor Lima Barreto, a pesquisadora Beatriz Resende e o escritor Luiz Antonio Simas mostraram como é atual a obra do escritor, jornalista e cronista carioca.


Nesta edição da festa, cuja curadoria aumentou a participação de escritores negros (30% do total) e de mulheres (50%), Lázaro Ramos convocou todos para participar do debate sobre o racismo, não apenas os negros. Lázaro afirmou que a acusação de vitimismo às pessoas que denunciam o racismo é reincidência da agressão. “Dói quando dizem que é mimi. Sou homem e me esforço para criar empatia com o que as mulheres dizem”.

Ele criticou o processo de silenciamento do outro de quem se discorda. Defendeu a conversa como caminho para superar a polarização no Brasil.

Com o livro Na minha pele entre os mais vendidos no Brasil, à frente com Taís Araújo da série Mister Brau e vindo de temporada de sucesso de O topo da montanha, Lázaro é uma das estrelas da festa, levando centenas de pessoas às mesas que participou.

Ao ser perguntado sobre como vê o combate ao racismo no Brasil, Lázaro não identifica avanços. “Vejo iniciativas dos coletivos, da sociedade civil, estudantes propondo novas narrativas, afirmação estética dos jovens, mas, na agenda política, não vejo. Na política não tem nada inovador”, disse reforçando que não se identifica com nenhuma iniciativa partidária.

Ao ler capítulo inédito que não entrou no livro, Lázaro destacou o quanto palavras como “petralha” e “coxinha” são limitadoras e interditam o diálogo necessário para que o Brasil saia da crise pela qual passa – o ator-escritor afirmou que não se trata de uma crise política ou econômica, mas de uma crise civilizatória. “Será que a nossa sina é que a barbárie sempre vença?”, perguntou, depois de citar casos como a morte de Cláudia Sílvia Ferreira, em 2014, arrastada por 350 metros por um carro de polícia e dos cinco jovens assassinados depois que o carro onde estavam ter sido metralhado pela polícia no Rio.

PORTUGUESES IMIGRANTES

Autora de Racismo em português – lado esquecido do colonialismo, a jornalista Joana Gorjão afirmou que não há qualquer iniciativa de Portugal no sentido de pensar políticas de reparação em decorrência dos males trazidos pela escravidão imposta pelo país até o fim do século 19 no Brasil – o último país no mundo a extinguir a escravidão. O livro foi feito a partir de cinco reportagens em que Joana investiga o racismo como prática e herança nas antigas colônias africanas de Portugal. “Temos uma geração inteira de portugueses que cresceram como imigrantes e continuam sendo considerados assim por Portugal.”

Os impactos dessa interpretação de que Portugal é um país eminentemente branco é a inexistência de dados sobre a população negra que vive no país para que sejam implementadas políticas públicas. A jornalista questiona a não existência em Portugal de museu que trata da escravidão e também de ações afirmativas.

DEPOIMENTO EMOCIONANTE


Quando a palavra foi concedida à plateia, a professora Diva Guimarães, de 77 anos, emocionou o ator Lázaro Ramos, a jornalista portuguesa Joana Gorjão Henriques e a plateia. “Dona Diva, a senhora quer nos matar?” disse Lázaro, em tom de brincadeira, depois do relato. Lázaro reforçou que o combate ao racismo deve ser tema de interesse de pessoas de todas as etnias.  O ator reconheceu que é uma exceção no Brasil, elencando caminhos para enfrentar situações de desigualdade causadas pelo racismo: uma família estruturada e acesso a educação.

Com os cabelos brancos trançados, Diva mal conseguiu controlar o choro para contar que saiu do interior do Paraná para estudar. Como neta de escravos, enfrentou situações causadas pela sua cor de pele. “Sou do Sul do Paraná, lá do interior. Sou uma brasileira que sobreviveu porque tive uma mãe que fez de tudo, passou por todas as humilhações, para que nós estudássemos”, disse.

Assista:

 

Lima Barreto, a voz do subúrbio
Como nos dias de hoje, em que Lázaro se coloca como voz pública contra o racismo, o mesmo fez Lima Barreto no início do século 20, quando atuou como cronista dos jornais da então capital do Brasil. Na tarde, na mesa Subúrbios, Beatriz Resende e Luiz Antonio Simas demonstraram que os escritos de Lima Barreto  jogam luz sobre a situação atual do Rio de Janeiro, que passa por uma das maiores crises econômicas e de segurança de todos os tempos.

Beatriz e Luiz Antonio destacaram que, na obra de Barreto, o subúrbio aparece como o espaço da desatenção, como local esquecido pela municipalidade.

“Lima Barreto estava em trânsito permanente entre o subúrbio e o Centro,”pontuou Beatriz, mas como nenhum outro escritor trouxe o subúrbio para a literatura na ambientação de contos e romances e na construção dos personagens. Luiz Antonio lançou Coisas Nossas, da editora José Olympio.

Luiz Antonio Simas destacou que, entre 1910 e 1920, os governantes desejavam transformar o Rio, então capital federal, em cartão-postal, o que fez com parte mais pobre da população subisse para os morros e a classe média baixa se deslocasse para os subúrbios. Ele destaca que é importante, no entanto, compreender que os subúrbios são muitos. “Um processo de modernização violenta e excludente. Como defensor da cidade, Lima ia para os jornais falar”, afirmou. Os autores destacaram como Barreto contribuiu para a constituição do gênero. A crônica era usada por ele para descortinar a cidade” completou. (MMC)

 

 

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