Regras, mas nem tanto

Glória Kalil lança livro 'Chic profissional' e autografa obra em livraria de BH

Livro mostra as transformações no ambiente, nas relações de trabalho e dá dicas para ninguém passar por saia justa

Márcia Maria Cruz
Se tem uma pessoa conectada com inovações de maneira elegante é a jornalista Glória Kalil, que acaba de lançar o livro Chic profissional – circulando e trabalhando num mundo conectado (Companhia das Letras) no qual traça panorama do mercado de trabalho globalizado.
“Dos campos do comportamento, o que verificamos mais inovações é o campo do trabalho. Tudo muito conturbado, nos últimos 10 anos, com profissões novas, produtos que jamais imaginaríamos existir, empreendedores com idades surpreendentes. Temos donos de empresa com 18 anos. Muitos deles bem-sucedidos.” Ela esteve em Belo Horizonte, na terça-feira, na Livraria Leitura, do Pátio Savassi, na Região Centro-sul.

Diante de tantas mudanças – que vão desde reforço nas identidades, passando pela chegada de tecnologias no cotidiano, até diferentes arranjos profissionais –, Glória entrevistou 92 pessoas dos setores de recursos humanos, donos de empresas, estudantes, estrangeiros que vivem no Brasil, brasileiros que trabalham no exterior. “Moda é apenas um capítulo. Falo de como se posicionar no mundo do trabalho”, afirma. Famosa pelas dicas de moda, dessa vez Glória traz informações de como elaborar um currículo bem-feito ou se portar numa entrevista de emprego, bem como não cometer gafes num mercado de trabalho hiperconectado.

Glória parte da constatação que o mundo profissional evoluiu, com formatos como o home office ou coworking, mas não suplantou o tradicionalismo.
Nesses dois cenários (inovador e tradicional) que coexistem, será exigido que as pessoas estejam mais antenadas. “O mundo tradicional continua com acréscimo de novidades. Estamos em plena revolução sem saber ao certo onde vai dar. Que cara terá esse novo mundo.” Nessas novas configurações, as pessoas ultrapassam fronteiras, seja geograficamente ou por meio da internet, que nos conecta com culturas tão distintas.

Os costumes mudam na direção de maior informalidade, percebida tanto no vestuário no mercado de trabalho, como também na forma com a qual as empresas são administradas. Cada vez mais é exigida a valorização das individualidades – há um movimento pelo respeito à diversidade, que passa por ampliar os direitos com base em gênero, etnia, orientação sexual, dentre outros aspectos que definem os sujeitos. Glória chama a atenção para as mudanças que as empresas precisam fazer em relação à aceitação de tatuagem. Não há espaço para proibir os profissionais de usá-las. “Todo mundo é tatuado. As empresas têm que se adaptar a esse fato. É a identificação de uma geração.” Uma revolução também ocorreu na comunicação, mas nem sempre as pessoas sabem lidar. A jornalista apresenta questões que cercam as interações no celular, Whatsapp e redes sociais, que, muitas vezes, deixam as pessoas de saias justas.

Não vale seguir aquelas regras antigas de dress code. “Sem regras é mais difícil”, pondera. Mas, calma.
No livro, Glória dá uma mãozinha a quem não sabe diferenciar traje esporte, esporte fino, passeio completo e traje a rigor. Com liberdade, as pessoas precisam arcar com as escolhas. O risco é de você não se adequar à empresa em que pretende atuar. “Com a internet e tantas possibilidades, como o Instagram, tudo ficou mais transparente tanto para o empregador como para o candidato para que vejam se é o que realmente querem. Com tantos recursos, o candidato pode conhecer a empresa por dentro, saber como as pessoas que trabalham lá se vestem.” Glória acredita que conhecer bem a empresa para qual se candidata a uma vaga pode evitar frustrações. Vale a pena o candidato se perguntar se quer mesmo adaptar o guarda-roupa para trabalhar naquela empresa. “Pode se perguntar se vai mesmo querer passar tanto tempo daquele jeito.”

Uma dos aspectos inovadores do livro, que Glória faz questão de ressaltar, é não se render ao masculino nas concordâncias textuais, embora seja o que determine a norma-padrão. “O português nos oculta embaixo do masculino. Em todo o livro, marco “o” e “a”. Falo leitores e leitoras.
Algum leitor pode considerar o recurso irritante e cansativo. Irritante é ser tratado dessa forma. É uma novidade o livro todo ser escrito dessa maneira.” A estratégia é apresentada logo no início numa carta ao leitor. “Nós mulheres, ficamos embaixo da designação masculina. Por isso, fiz questão de adotar essa linguagem que demarca os gêneros.”

HISTÓRIAS ENGRAÇADAS Durante a investigação, Glória se divertiu com casos inesperados no mercado de trabalho. Ela conta, por exemplo, a história de funcionário do Teatro Municipal de São Paulo, um jovem que coordenava equipe responsável pela recepção às pessoas. Numa reunião com a diretoria, ele trouxe questionamento inusitado e recebeu resposta surpreendente. “Perguntou se poderia ir de salto alto. Os chefes indagaram se ele costumava usar salto à noite. O jovem disse que sim e o diretor autorizou. No livro, conto a história e coloco nome, função tudo sobre os personagens”, relata.

Outro caso divertido envolve o diretor de teatro e TV Guel Arraes. Em todas as ocasiões, Guel calça sandálias nordestinas. Questionado por Glória, revelou que, até mesmo numa situação hipotética de vencer o Oscar, não abriria mão do calçado brasileiro para ir à celebração. Os dois casos ocorreram na área das artes, que costuma ser mais aberta a inovações. No entanto, em sua investigação, Glória identificou que flexibilidade tem ocorrido em todos os campos profissionais. “Muitas empresas têm cotas para a diversidade. Há inclusive avaliações para saber se as equipes contam com mulheres, negros e homossexuais”, diz em referência aos esforços que corporações têm feito para não empregar apenas homens brancos. A informação de que a empresa preza a diversidade ajuda a compor a imagem de uma instituição moderna, conectada com os novos tempos.

CHIC PROFISSIONAL. CIRCULANDO
E TRABALHANDO NO MUNDO
CONECTADO

•  De Glória Kalil
•  Companhia das Letras
•  224 páginas
•  R$ 32

Trechos

“Ao longo deste livro você vai encontrar uma porção de parênteses e barras indicando variação de gênero em artigos, pronomes, adjetivos e substantivos. Na língua portuguesa, assim como em outras línguas neolatinas, é muito natural colocar o gênero feminino sob a designação masculina. Como minha língua é minha pátria, vejo-me automaticamente oculta na minha cidadania pela designação masculina”

“O que é um dress code? É o modo como se espera que as(os) convidadas(os) para um evento se vistam. É um código que, com pequenas variações, é reconhecido e aceito no mundo inteiro, tanto em convites profissionais como sociais. Longe de ser uma obrigação chata, careta e antiquada, o dress code é de grande ajuda, já que informa o tom do evento, evitando a sem gracíssima gafe de chegar com o look errado.”
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