CCBB abre "O corpo e a casa", exposição do austríaco Erwin Wurm que transforma pessoas e objetos do cotidiano em arte

Mostra, que fica em cartaz até setembro, faz uma crítica à sociedade de consumo

Pedro Antunes/Estadão Conteúdo Mariana Peixoto

O que é escultura? É essa a grande pergunta por trás da exposição O corpo é a casa, do austríaco Erwin Wurm, que será aberta hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

O artista de 63 anos responde a esse questionamento de várias maneiras.

 

A fachada do Centro Cultural Banco do Brasil foi ocupada por móveis em para evidenciar que, desprovido de sua função original, qualquer objeto pode ser tomado como arte - Foto: BETO NOVAES/EM/D.A. PRESS
A fachada do próprio prédio do CCBB é, atualmente, uma escultura. Desde a última semana, quando mobiliário – mesa, cadeira, sofá, cama – foi colocado, suspenso, na fachada prédio de estilo eclético, ele se transformou em uma escultura.

 


E também um Porsche, uma casa, salsichas, mictório. “Qualquer objeto, no momento em que ele perde sua função, tem potencial para ser uma escultura”, explica Marcello Dantas, curador da mostra.

Wurm, que pela primeira vez ganha uma grande exposição no Brasil (a mostra já passou pelos CCBBs de Brasília e São Paulo), é essencialmente um escultor. Sob o olhar do artista, ativo desde os anos 1980, absolutamente qualquer coisa pode ser uma escultura.

Além de coisas, seres humanos. Uma grande seção da exposição é dedicada às chamadas One-minute sculptures (Esculturas de um minuto), em que os visitantes seguem as instruções dos artistas e se tornam, por não mais do que um minuto, uma obra de arte.

“Para Wurm, nós tomamos decisões esculturais o dia inteiro. É um processo aditivo, como o da argila, em que ela vai se somando numa obra, ou subtrativo, como quando se escava uma pedra. São atos que fazemos com nossos corpos.

O artista leva essa discussão para o próprio cotidiano”, acrescenta Dantas.

Para o curador, a mostra O corpo é a casa é uma exposição “de camadas”. A mais superficial, que está aos olhos de todos, tem uma pegada lúdica. É observar não só os móveis suspensos na fachada, como a Casa gorda, instalação de duas toneladas exibida no pátio do CCBB, em que o público pode entrar. Ao lado, um Porsche vermelho chamado Conversível gordo, não permite a entrada de passageiros devido à sua “gordura”. Ou seja: referência de estilo e velocidade, o carro esportivo perde sua função, e torna-se uma obra de arte.

A segunda camada da exposição, de acordo com Dantas, demanda mais referências. E traz mais acidez. Uma das maiores referências de Wurm é Marcel Duchamp (1887-1968), criador do conceito de ready made, que nada mais é do que pegar um elemento da vida cotidiana e levá-lo para o campo das artes.

Adorno como Oliver Hardy em The Bohemian girl - Foto: BETO NOVAES/EM/D.A. PRESS
Obra seminal de Duchamp, Fonte (1917), na verdade um urinol invertido que o artista apresentou usando o codinome R. Mutt, ganha uma releitura assinada por Wurm. O artista austríaco criou um mictório com as formas da calça do Sr. Mutt, que também dá nome à escultura.

Ainda sobre os objetos que compõem uma residência, o artista apresenta uma série de móveis chamados esculturas performáticas. “Ele gera moldes e, com a massa ainda úmida, começa a esculpi-los. Depois soca, bate, amassa, chuta, num ato meio Pollock. Só depois ele funde o material.

A escultura se torna então quase que a fotografia de uma ação, e não mais um objeto estético”, explica Dantas. Desta série podem ser vistos armário, bufê, relógio etc.

A comida é outro alvo do artista. Dois símbolos da culinária austríaca, a salsicha e o picles, aparecem na mostra como esculturas. Mas nada mais deve gerar tanto interesse do público quanto as Esculturas de um minuto, espalhadas ao longo da exposição. Tablados brancos recebem cada espectador que, um a um, tem o potencial de se tornar uma obra de arte. Basta seguir as instruções.

Em Confessionário, duas pessoas podem se deitar num tablado e se encontrar dentro de uma casinha de cachorro. Em Organização do amor, também para duas pessoas, embalagens de produtos de limpeza devem ser equilibradas entre dois corpos. Já para ser feito individualmente está a escultura Sente ereto, segure a respiração e pense em Spinoza, que é basicamente fazer o que o título demanda em cima de um tapete – para não iniciados: Baruch Spinoza (1632-1677) foi um filósofo holandês considerado um dos pais da filosofia moderna.

“Andy Warhol falou que no futuro todos seriam famosos por 15 minutos. Erwin Wurm fala que as todas pessoas serão esculturas por um minuto. O mais emblemático das Esculturas de um minuto é que elas foram pensadas há mais de 20 anos.
Ou seja, elas antecedem a era das câmeras digitais, das redes sociais. Naquela época, Wurm já pensava que a tendência do espectador seria a de se tornar protagonista. Ele quer ser a obra”, acrescenta Dantas.

Bem-humorado, crítico e acessível, a despeito das leituras que sua obra permite, Wurm é, como não poderia deixar de ser, uma figura de destaque na cultura pop. Uma série de vídeos – alguns deles incômodos – estão na exposição do CCBB. Mas um deles, que foi acessado milhões de vezes nas redes sociais, mostra a facilidade do diálogo da obra do austríaco.
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Can’t stop, clipe da 2003 da banda americana Red Hot Chilli Peppers, em destaque na exposição, mostra o vocalista Anthony Kieds, o baixista Flea e outros integrantes do grupo interagindo com as esculturas de um minuto do artista. “Wurm é um artista que não faz concessões, mas que tampouco é pedante. Ele coloca questões da sociedade de consumo, nos perguntando que papel a arte tem na nossa vida”, conclui Dantas.

ERWIN WURM – O CORPO É A CASA
Visitação aberta ao público, no Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400). De quarta a segunda, das 9h às 21h. Até 18 de setembro. Entrada franca.

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