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Jornalista Matheus Leitão lança em BH o livro 'Em nome dos pais'

No livro, o autor reconstitui a prisão de seus pais pela ditadura militar e persegue as próprias origens; ele participa do 'Sempre um papo' nesta quarta, 07

Mariana Peixoto

Matheus Leitão conta que o processo de escrita lhe causou muita angústia. - Foto: Sérgio Lima/Divulgação


Localizado na Praia de Piratininga, em Vila Velha, o 38º Batalhão de Infantaria do Exército tem uma posição estratégica. Fica na entrada da Baía de Vitória, em meio a uma das últimas concentrações de mata atlântica do Espírito Santo. Acima dele, no alto de um penhasco, está o Convento da Penha, santuário religioso erguido no século 16.

No complexo do batalhão – no sítio histórico da Prainha, onde, em 1535, foi iniciada a colonização da Capitania do Espírito Santo –, está o Forte São Francisco Xavier da Barra. Em 2010, a edificação do século 17 foi aberta como centro cultural. Desde então, tem servido como cenário de festas de casamento e formatura.

O jornalista brasiliense Matheus Leitão, de 40 anos, tentou entrar no local várias vezes. Todos os pedidos foram negados pelo Exército brasileiro, inclusive três recursos, via Lei de Acesso à Informação. Só conseguiu se ver dentro do batalhão por acidente. Pegou carona de um convidado que ia para uma festa de formatura.

Quando estava lá dentro, ligou para a mãe.
''Sai daí. Esses militares vão descobrir que você taí. Melhor você ir embora'', ela disse.

A mãe de Matheus é a jornalista mineira Míriam Leitão, que, em 3 de dezembro de 1972, foi presa e torturada no 38º Batalhão junto ao companheiro, o também jornalista capixaba Marcelo Netto. O casal era militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ela ficou três meses presa. Ele, um pouco mais de um ano (nove meses numa solitária), entre o Espírito Santo e o Rio de Janeiro.

No livro Em nome dos pais, Matheus investiga e reconstitui detalhes sobre a prisão dos pais durante a ditadura militar. Descobriu a identidade dos torturadores do pai; esteve frente a frente com o antigo companheiro de Míriam (Amélia na clandestinidade) e Marcelo (Mateus), que delatou não só os dois, como pelo menos 20 pessoas.

Nesta quarta-feira, 07, o autor vem a Belo Horizonte lançar o livro e conversar com o público no Sempre um Papo. O encontro será às 19h30, no auditório da Cemig.

JIBOIA

Em agosto de 2014, Míriam Leitão relatou, pela primeira vez, as torturas sofridas no período. O depoimento foi publicado no site do Observatório da Imprensa. Na época, estava no início da gravidez de seu primeiro filho, o jornalista Vladimir Netto, autor do best-seller Lava Jato – O juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil (2016).

 

Ao jornalista Luiz Cláudio Cunha, Míriam relatou os abusos. Além de chutes e socos, um golpe lhe abriu a cabeça, ela ficou nua na frente de uma dezena de soldados e teve que suportar horas trancafiada na companhia de uma jiboia.

Quando a jornalista fez seu relato, Matheus estava com a pesquisa avançada. Os pais nunca falaram facilmente sobre o período. Ele tinha 12 anos quando ouviu do pai, de maneira bem superficial, os primeiros relatos sobre sua militância durante a ditadura.

Lembra-se das três palavras – perseguição, prisão e porão – que lhe chamaram a atenção. ''À época, eu nem sabia direito o que significavam.''

 

Projeto que retomou algumas vezes ao longo de 10 anos, o livro só começou a tomar corpo a partir de 2012, depois que Matheus passou uma temporada de estudos na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Ali, descobriu o conceito de self journalism, ''em que o envolvimento pessoal (do repórter) é a grande chave para que ele funcione'', conta Matheus.


DESCULPAS
 

Entremeando passado e presente, Em nome dos pais, escrito em primeira pessoa, reconstitui os eventos ocorridos há 45 anos e mostra a jornada do autor em buscas de respostas que explicam sua própria vida. Matheus comenta que a investigação lhe causou muita angústia (durante o processo ele teve o acompanhamento de uma terapeuta).


''Houve períodos em que quis desistir. Por exemplo, quando descobri que um dos torturadores dos meus pais (capitão Guilherme, o militar Pedro Guilherme Ramos) estava morto. Não queria levar aquilo para a família dele. Ao mesmo tempo, eu não poderia publicar o livro sem falar com alguém da família.''

 

Com os pais, o tema também ''nunca teve respostas fáceis''. ''Eles acompanharam tudo até o final. Mas houve momentos, quando eu já estava escrevendo o livro, que um deles vinha me contar algo novo. Eu ficava sem saber como iria acrescentar.

Ou seja, com eles também fui descobrindo aos poucos.''

 

Na apresentação do livro, Matheus cita a filósofa alemã Hannah Arendt. ''Queria entender a violência do autoritarismo para 'chegar a uma conciliação com a realidade'. A realidade na qual aquelas coisas – tortura, prisão arbitrária – foram possíveis. O livro parte de uma história familiar e tenta retratar o que foi viver na ditadura em 1972 e 1973. Agora, é muito difícil chegar a essa conciliação pela postura dos militares ainda hoje. A reação deles sobre a tortura... teve militar que riu”, comenta o autor, que se pretende ser “um elo no tempo para que a história não se perca''.


E mesmo com a história de sua família recuperada, Matheus aguarda um pedido de desculpas. ''As novas gerações não têm, de fato, o entendimento do que foi viver numa ditadura no Brasil. Debaixo de uma Lei de Segurança Nacional, na prática poderia caber tudo. Não havia mandados de prisão, habeas corpus. A história dos meus pais é menor, eles sobreviveram, mas foram profundamente marcados. Só que há mais de 400 desaparecidos políticos, de corpos nunca entregues às famílias. É uma história de dor que permanece e o Brasil resolveu não falar sobre isso. O Exército ainda não fez seu pedido de desculpas. Estou aguardando o pedido, e cada família vai ver se vai aceitar ou não.''

 


Trecho

Matheus Leitão encontra Foedes dos Santos, o delator de seus pais

– E se o senhor encontrasse hoje a minha mãe, o meu pai, o Jorge Luiz de Souza, o Lincoln Cordeiro Oest... Haveria um pedido de desculpas pela entrega do nome deles?
– Pedido de desculpas é pouco, eu pediria perdão mesmo. Eu tenho realmente muita tristeza de ter entregado esses companheiros. É aquilo que te disse: eu me afastei da organização porque, mesmo que eu conseguisse ficar de pé no (PCdoB) e fosse perdoado, eu tenho certeza de que não aguentaria passar pelo que passei sem ter feito o que fiz. Não nasci pra isso. Se soubesse antes que isso poderia acontecer exatamente desse jeito, não teria nem militado. A gente pensava que ia aguentar, mas na hora do pau lá, meu filho, não depende só de você querer aguentar, não, depende de você ter estrutura.
– O senhor não tinha?
– Não tinha essa estrutura.


- Foto:

EM NOME DOS PAIS
•  De Matheus Leitão
•  Intrínseca
•  448 páginas
•  R$ 49,90 (livro)
•  R$ 24,90 (e-book)

SEMPRE UM PAPO
Lançamento do livro Em nome dos pais, de Matheus Leitão e bate-papo com o autor. Amanhã, às 19h30, no auditório da Cemig (Rua Alvarenga Peixoto, 1.200, Santo Agostinho). Informações: (31) 3261-1501) Entrada franca.

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