Essa Belo Horizonte inusitada – com uma luz que é só dela – está aí para todo mundo ver. Mas é preciso procurá-la. O próprio fotógrafo só a descobriu quando passou a cruzar a cidade de bicicleta, entre fevereiro e setembro de 2016. Foi por acaso: Sylvio despencou de uma jabuticabeira, arrebentou o pé e ficou meses no hospital, sob ameaça de septicemia. Para recuperar a perna atrofiada, recomendaram-lhe andar de bike.
O artista pedalou até o alto da Serra do Curral, flagrou o capim-gordura à contraluz. Perseguiu raios de sol nos finais de madrugada. Ficou de “tocaia” às seis da manhã, no Parque Municipal, para flagrar o esplendor da cascatinha. Com calma, pôde reparar no diálogo entre céu, vidros e prédios – jogos de luzes e sombras que parecem se multiplicar. Textos do jovem compositor Bernardo Maranhão acompanham as imagens. Um deles resume bem a jornada do fotógrafo. Diz assim: “O selim é meu divã”.
“De bike, sou o dono de BH”, afirma Sylvio Coutinho, de 58 anos, autor de vários livros e um dos fotógrafos mais atuantes do estado. Suas jornadas ciclísticas costumavam começar às 5h, prosseguiam até por volta das 11h, eram retomadas à tarde e varavam a noite. Foram muitas descobertas, que não se limitaram a luz, ângulos, enquadramentos e imagens. O fotógrafo se apaixonou por sua gente.
SOLIDARIEDADE No Centro, uma rede solidária é formada por idosos que acordam cedinho para ir à padaria, encanta-se Sylvio. São eles que alimentam os sem-teto que perambulam por ali e depois das 6h se abrigam no Parque Municipal, para poder dormir ao sol. “Descobri os aromas de BH, o cheiro do morador de rua. Perdi o preconceito, eles são meus companheiros”, diz.
Sair da “caixinha” – seja do estúdio, seja do carro, seja de casa – foi transformador.
De acordo com ele, falta construir poucos metros para ligar trechos interrompidos da ciclovia entre as ruas Fernandes Tourinho e Professor Morais; Rio de Janeiro e Padre Belchior; a região do Colégio Arnaldo e Avenida Carandaí/Parque Municipal/Avenida Andradas. O fotógrafo se tornou íntimo de buracos, de passeios arrebentados e demais entraves que dificultam a locomoção de cadeirantes e cegos.
Em seu livro, Sylvio nos entrega seus tesouros, como o pilotis do Edifício JK, cujas colunas revelam surpresas sobre o gênio de Niemeyer. O jogo de reflexos na igrejinha de São Francisco, na Pampulha, faz nuvens descerem à Terra. Detalhes de antigas construções de BH dialogam com intervenções do artista Marcelo Xavier, curador do projeto. É uma bela homenagem aos 120 anos da primeira capital projetada do Brasil.
Quem quiser viajar por essa cidade supreendente poderá fazê-lo de amanhã a 30 de julho, na Casa Fiat, onde estará em cartaz a exposição Sylvio Coutinho mostra Belo Horizonte. Além das fotos do livro, há gravuras, vídeos, maquetes e réplicas em 3D de monumentos históricos. Ações especiais contemplarão portadores de deficiências.
PRÊMIO Uma das salas exibirá as imagens do livro que o artista produziu em parceria com o Estado de Minas quando a capital completou 100 anos.
A programação da mostra inclui oficinas de fotografia experimental, atividades comandadas por Sylvio em parceria com a artista plástica Yara Tupynambá e projetos educativos, além de ateliê de arquitetura de papel inspirado nas construções da cidade.
BH 120
>> Sylvio Coutinho (fotos)
>> Bernardo Maranhão (textos)
>> Prodigital
>> R$ 200
SYLVIO COUTINHO MOSTRA BH
Fotografia. Casa Fiat de Cultura, Praça da Liberdade, 10, Funcionários. De amanhã a 30 de julho. O espaço funciona de terça a sexta-feira, das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. Entrada franca. Informações:
(31) 3289-8900 e www.casafiatcultura.com.br.
O livro BH 120 será lançado hoje, às 19h, durante a abertura da exposição..