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Com versos despretensiosos, sobrinha-bisneta de Sabino faz sucesso nas redes sociais

Aos 19 anos, Clarice Sabino defende que a escrita deve dialogar com o público e se relacionar com o cotidiano

Márcia Maria Cruz
Sobrinha-neta de Fernando Sabino, a jovem de 19 anos tem mais de 45 mil seguidores na página Nada disso é para você, no Facebook - Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

Fernando Sabino (1923-2004) encantou-se com Clarice Lispector (1920-1977) com quem trocou inúmeras cartas entre os anos 1946 e 1969. Mais de duas décadas de correspondência tiveram início dois anos depois de Sabino ter lido o primeiro romance da então estreante escritora, Perto do coração selvagem, para fazer uma resenha. É notório que as missivas, enviadas por ele do Rio de Janeiro e Nova York (EUA) e por ela de Berna (Suíça) e Washington (EUA), foram reunidas no livro Cartas perto do coração, da Editora Record. No entanto, pouca gente sabe que outro fruto desse encontro literário é o nome de batismo de Clarice Sabino, de 19 anos.

Sobrinha-bisneta do escritor mineiro, a jovem desponta nas redes sociais com poemas autorais, muitos deles no formato de haikais. A jovem criou o Nada disso é para você, que, no Facebook, conta mais de 45 mil seguidores, e também está no Instagram e Youtube. “Gosto muito da Clarice Lispector. Meu nome é por causa dela. O Cartas perto do coração era o livro favorito de minha avó, Cacilda Ferreira.
Minha avó dizia que Sabino já era sobrenome, então sugeriu Clarice para meu nome”, revela. Se a influência da literatura está marcada na herança sanguínea e também no registro de batismo, Clarice brinca que não teria mesmo como fugir da escrita como possibilidade de dar sentido à vida. Desde a infância, quando lia os livros do tio-avô, percebeu que escrever era necessidade.



O pai de Clarice é mineiro, Ricardo Schayer Sabino, de 37 anos, e a mãe carioca, Cinthia Ferreira Sabino, de 34. Por essa razão, o casal e a filha moraram 10 anos em Belo Horizonte. Foi na capital mineira que uma de suas amigas identificou o talento para a escrita, aconselhando-a publicar os poemas. “Minha amiga Alice Braga me dizia que o mundo precisava ler o que eu escrevia. Comecei com o Instagram”, conta.

Rapidamente ela ganhou seguidores, o que fez com que fosse entrevistada pelo jornal O Vale, de São José dos Campos, cidade onde a família vive atualmente. O passo seguinte foi criar a página no Facebook, fazendo o número de admiradores ampliar. Do Facebook para o Youtube foi um pulo. Como as ideias chegam sem avisar, a jovem recorreu à tecnologia para se expressar. Gravava os poemas antes de passá-los para o papel e percebeu que poderia dizer os poemas também em vídeo.“Escrever para mim é muito natural. Sempre estive envolvida com teatro, cinema, com as artes. Gosto muito de ler”, revela.



Foram os versos de Paulo Leminski (1944-1989) que despertaram em Clarice o gosto pela poesia.
“Meu processo criativo é uma loucura, bem caótico. As ideias vêm e tenho que passar para o papel se não tenho um piripaque”, conta. Apesar de amar a escrita, ela diz que não gosta de ser denominada poeta nem pensa numa carreira como escritora. “É uma responsabilidade”, diz. Clarice reconhece que escreve, praticamente, todos os dias, mas, apesar disso, resolveu iniciar o curso de odontologia.

Devaneios


A jovem conta com a ajuda da mãe para fazer a curadoria do que pode ir para as redes ou não. “Escrevo devaneios. Então, minha mãe filtra o que ela considera que todo mundo entenderá”, brinca. Apesar de não querer o rótulo de poeta, Clarice carrega o principal traço para se dedicar ao ofício: amar e saber o peso das palavras. “Gosto de brincar com as palavras.” Dona de um estilo elegante e ritmado, a jovem acredita que os versos precisam ser claros para alcançar as pessoas. “A poesia não é para ser de um grupo seleto, tem que ser universal”, defende.

Com consciência de que a língua evolui, a jovem aponta a necessidade de os versos dialogarem com o contemporâneo.
Admite, por exemplo, que não gosta de quem, nos dias de hoje, recorre ao estilo parnasiano, fazendo uso de erudição que distancia as pessoas. “Um amigo escreve poemas no estilo parnasiano. Brinco que vou quebrar um vaso chinês na cabeça dele para que possa aprender a escrever. É uma escrita forçada, não é natural para mim. A arte tem que fazer sentir e, para isso, é preciso chegar e ser compreensível tanto para o morador de rua como para o presidente da República.” Também advoga que prefere uma escrita livre. “Não gosto de soneto, tem muitas regras. Isso limita muito, me incomoda”, afirma.

Projeto divulga obra de Fernando Sabino


Os amantes da obra de Fernando Sabino (1923-2004) têm dificuldade de encontrar alguns títulos do mineiro nas livrarias, a exemplo de Faca de dois gumes. De acordo com Bernardo Sabino, filho do escritor, para dar visibilidade à obra do pai ele criou o projeto Encontro Marcado com Fernando Sabino. Em 10 anos, a iniciativa chegou a 70 cidades, envolvendo cerca de 800 mil alunos da rede pública.

Em 2017, será comemorado o aniversário de 60 anos do livro O encontro marcado. Será realizada exposição cenográfica no Circuito Cultural da Praça da Liberdade, em BH, cuja abertura está prevista para 10 de agosto.

“Vai ser um mês de atividades. Montaremos também programação especial com oficinas e apresentações culturais”, informou.

Durante quatro meses, as escolas desenvolvem pesquisas e propõem oficinas artísticas aos jovens. “Por meio da obra de meu pai, eles fazem trabalhos de teatro, música e dança”, informa Bernardo. Ao final, a cidade recebe exposição itinerante sobre a vida e a obra de Fernando Sabino.

Também são selecionados os melhores trabalhos dos alunos para integrar a exposição. Os estudantes podem assistir a 10 filmes dirigidos pelo autor sobre outros escritores, além de cinco longas-metragens e 12 curtas de ficção adaptados. “Criamos o Instituto Fernando Sabino para agilizar e facilitar o processo produtivo dessas ações institucionais”, explica Bernardo..