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Fundação Clóvis Salgado abre nesta sexta (12) as exposições 'Pintura - ou a fotografia como violência' e 'MãePreta'

Mostras propõem nova interpretação para imagens já construídas

Pedro Antunes/Estadão Conteúdo Márcia Maria Cruz

O edital da Ocupação de Artes Visuais da Fundação Clóvis Salgado selecionou três trabalhos que ressignificam a imagem das mães negras no período da escravidão, de mestiços no Norte do Brasil retratados pelos jornais e uma epopeia nas Américas.

Os trabalhos Pintura – ou a fotografia como violência, de Éder Oliveira, e MãePreta, de Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa, e PanAméricadsueño, de Ricardo Burgarelli, podem ser vistos até 13 de agosto, no Palácio das Artes.
Obra de Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa com intervenção em foto de Marc Ferrez que integra a exposição MãePreta - Foto: FCS/DIVULGAÇÃO
O artista visual Ricardo Burgarelli produziu a instalação PanAméricadsueño tendo como ponto de partida o livro PanAmérica, de José Agrippino. “É uma epopeia, uma guerra revolucionária entre o capitalismo e o socialismo, contada por um narrador mutante, que, a cada momento, está num lugar, regendo uma ação”, descreve. Burgarelli ressalta que a obra se estrutura a partir dos conceitos de atravessamento e encruzilhada.

 

“O autor usa muito o pronome ‘eu’, então colo um ‘x’ entre o ‘e’ e o ‘u’. Corto esse ‘eu’”, diz. O artista ainda dialoga com a obra sonora Exu 7 encruzilhadas. O uso do termo sueño se dá pelo fato de que, em espanhol, a palavra significa tanto sono como sonho.

“É relativo tanto a ideia de dormir, alienar-se, não perceber o que está ao redor, como pode se referir a algo além, utópico.” Para a instalação, Burgarelli criou 20 desenhos, 20 serigrafias e 300 xerografias.

A pesquisa de Éder Oliveira teve início em 2004, quando ele se interessou pela imagem de pessoas comuns publicadas nos jornais. “Queria identificar o homem amazônico a partir de uma estética própria. Interessava-me saber como ele é mostrado e em qual espaço. Percebi que apareciam no noticiário policial. Eram homens mestiços, jovens, sem camisa, que eram obrigados a posar para as fotos. Meu trabalho é uma forma crítica de olhar para essas imagens que não têm tanta ética”, diz.

O passo seguinte foi ressignificar os retratos quase sempre associados a crimes e atos de violência. “Não considero a história dessas pessoas e evito colocar detalhes que as identifiquem ou que façam qualquer menção ao fato criminal. Interesso-me pela imagem que é marginalizada de um coletivo”, afirma. Para pintar os retratos, Oliveira usa as técnicas de óleo sobre tela e aquarela. O artista, que também é muralista, nasceu em Timboteua (PA), mudou-se para Belém, em 2001, onde costuma retratar homens e mulheres amazonenses nos muros. Nas pinturas, trabalha a variação de tons de determinadas cores. “Crio uma forma de trabalhar que é quase monocromática. Tem retratos com variações em vermelho, em azul”, diz ele, que é daltônico.

MODOS DE VER

Em MãePreta, as pesquisadoras e artistas Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa revisitam arquivos do período da escravidão.
O trabalho foi feito a partir de uma provocação surgida no Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, no Rio de Janeiro. Na Gamboa, próxima à região portuária, o instituto abriga sítio arqueológico onde eram sepultados negros trazidos para serem escravizados nos séculos 18 e 19. As séries das artistas convocam os espectadores a acionar novos modos de olhar; revelar; falar e escutar; navegar; reportar e lembrar. Em cada um desses modos, as artistas propõem intervenções sobre imagens da escravidão que se tornaram canônicas.

Toda a ação tem o propósito de mostrar que, mesmo tendo sido escravizadas, as mulheres negras foram protagonistas de seu tempo. As artistas intervêm no mapa-múndi para mostrar a relação entre a América do Sul e a África e ressignificam uma imagem de Marc Ferrez. Elas também trazem para a exposição uma série nova em que trabalham com anúncios de venda e aluguel de amas de leite, mostrando como algo tão cruel era banalizado na época.

Há ainda um mural com 16 heroínas negras que vão desde Anastácia a Sueli Carneiro. “Mostramos numa pequena biografia de cada uma delas a luta de resistência dessas mulheres negras.” Na série Vênus da Gamboa, a dupla intervém em foto de August Stahl encomendada por Louis Agassiz, um dos principais defensores do racismo científico no século 19. Em referência à obra Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli, a imagem de Stahl recebe conchas para mostrar outros aspectos sobre essas mulheres escravizadas. “As conchas têm ligação com a questão da ancestralidade, principalmente em relação às mães d’água, Oxum e Iemanjá”, diz Patrícia.

Exposições do Edital de Ocupação de Artes Visuais 2017 da Fundação Clóvis Salgado
Pintura – ou a fotografia como violência, de Éder Oliveira (Galeria Genesco Murta); MãePreta, de Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa (Galeria Arlinda Corrêa Lima); PanAméricadsueño, de Ricardo Burgarelli (Galeria Mari’Stella Tristão). Até 13 de agosto, no Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537).
Entrada franca.

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