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'Minha luta é contra a corrupção', diz Gabeira. Leia entrevista

Há anos circulando pelos rincões do país, jornalista lança nesta segunda (24) o livro 'Democracia tropical', com crônicas e textos sobre o Brasil contemporâneo

Mariana Peixoto

- Foto: Marcus Veras/Divulgação

Aos 76 anos, Fernando Gabeira vive em vários Brasis. No Rio de Janeiro, cidade onde o juiz-forano mora desde 1963 (e para onde retornou após a volta do exílio, em 1979), ele só passa as segundas e terças-feiras. Os outros cinco dias da semana ele passa em campo, em algum rincão do país.

 

Acompanhado apenas de um auxiliar de som, realiza sozinho as reportagens do programa que há quatro anos leva seu nome, na GloboNews. É na estrada que ele escreve as crônicas que publica semanalmente nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo. E foi também durante as viagens que ele deu início ao que chama “cadernos de um aprendiz”. São textos em que reflete sobre a jovem democracia brasileira.

 

Democracia tropical – Cadernos de um aprendiz (Sextante), livro que chega nesta segunda (24) às livrarias, faz dois caminhos. Reúne as crônicas publicadas na imprensa em 2016 antes, durante e após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Essas são entremeadas com os textos que refletem sobre os rumos do país nas últimas três décadas

. É um caminho que Gabeira percorre reconhecendo os descaminhos do Brasil e, principalmente, da esquerda.

 

Escritor, jornalista, ex-deputado federal, ex-militante da luta armada, um dos fundadores do Partido Verde, é hoje um dos mais conhecidos críticos da gestão petista, partido que abandonou em 2003. Entre esquerda e direita, prefere se colocar hoje como uma pessoa que “luta contra a corrupção”. Muitas das pautas de seu programa buscam mostrar um olhar bem pessoal sobre a questão.

 

Conversou com o Estado de Minas na última semana, de Rondônia, onde fazia reportagem sobre a Usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Porto Velho. “Aquela em que a Odebrecht comprou todo mundo. Governador, deputados, polícia e até os índios.”

 

Na apresentação de Democracia tropical o senhor fala sobre a dificuldade de escrever um livro que não tem um ponto final. Como o senhor vê os acontecimentos no Brasil desde que entregou a obra à editora?
O livro trata de uma crise que está se desenvolvendo. Se eu tivesse que esperá-la, teria que aguardar até 2018. E, mesmo assim, não estaria seguro de que ela poderia acabar

. Entreguei os originais em janeiro. De uma certa maneira, tenho um nível relativamente alto de informações. Então, tenho um nível alto de previsão também, o que me permitiu avançar no tempo. No artigo Para lá do fim do mundo (publicado originalmente em novembro, em O Globo), tento estabelecer o que vai ocorrer depois das delações da Odebrecht, que estavam previstas para março. Por mais que se soubesse do que poderia acontecer, as delações sempre surpreendem, pois aparecem coisas e pessoas que se supunha não pudessem aparecer. Então, previ algo mais abstrato. Bati na tese de que a história não começa do zero, que o sistema político entraria em colapso, que teremos que examinar, entre mortos e feriados, aqueles que, mesmo com escoriações e fraturas expostas, poderiam sobreviver ao processo.

No texto Esperança difusa o senhor fala sobre a queda do Muro de Berlim, comentando que se ele tivesse caído “nas cabeças tropicais” a situação poderia ter sido outra. Acredita que o “Muro de Berlim” está caindo agora na América Latina?
Quando estava na Alemanha e o muro havia caído, os camelôs vendiam as pedras dele. A procura foi tão grande que eles começaram a falsificá-las. O que está caindo agora aqui é um muro falsificado, inclusive num contexto de continente. O que se tentou na Venezuela com o rótulo de socialismo do século 21 foi um socialismo que chegou através das eleições, em vez da luta armada. O Executivo foi colonizando os outros poderes, começando pelo Parlamento. Ou seja, foi um modelo de socialismo falsificado.

Fazendo um pouco de futurologia, o que acha que pode ocorrer até as eleições de 2018?
Estou trabalhando com uma possibilidade negativa, que é o avanço dos populismos. Como o populismo de esquerda fracassou muito recentemente, acho que ele terá menos capacidade de seduzir, pois está na memória do povo. Já o populismo de direita é jovem. Com o sucesso de Trump nos EUA, é muito possível que ele tenha uma grande repercussão aqui. Mas não a ponto de conquistar o poder. Acho que terá um crescimento político razoável. Quanto à esquerda, normalmente o cenário que trabalhamos é de um confronto de esquerda e direita. Na esquerda, existem variáveis não resolvidas, por exemplo, se o Lula vai se aguentar como candidato. A esquerda está tendo uma dificuldade em reconhecer seus erros e fazer uma autocrítica. É muito possível que uma sucessão de fatos negativos acabe massacrando a esquerda, pois o Lula ainda é uma incógnita.

No livro, o senhor também fala que jogou fora algumas certezas que tinha sobre o marxismo. Que certezas tem hoje?
Não é que eu tenha certeza, mas tenho convicção de que o processo político brasileiro continuará a ser democrático. Na minha cabeça está descartada qualquer solução não democrática, seja violenta ou não. Acho que nós passamos por um período em que houve grande cisão entre o que querem as pessoas e o sistema político-partidário. Acho que o Brasil deve apresentar, nos próximos anos, uma reaproximação do sistema político-partidário de acordo com as aspirações da sociedade.

Durante o exílio, o senhor viveu em alguns países, como o Chile e a Suécia. Deixaria o Brasil agora?
Não. Outro dia até pensei nisto, pois tenho visto um movimento, em setores da classe média, de deixar o Brasil. Tem muita gente em Portugal, jovens no Canadá... Eu passei muitos anos fora e minha forma de viver no Brasil hoje é pular de um lugar para o outro dentro dele. Nos últimos quatro anos, nunca estou no mesmo lugar.

Num país dividido, sem muitas nuances, como o senhor se coloca hoje?
Colocaram-me à esquerda durante algum tempo. Há alguns anos, a própria esquerda estranha minha posição, acha que me aproximei da direita. Não me aproximei da direita como pensam. À medida que você vai ficando velho, as coisas vão simplificando. Minha luta principal no Brasil é a luta contra a corrupção. Estou disposto a trabalhar com pessoas que lutem contra a corrupção. Com uma ressalva: não trabalho com aqueles que acreditam numa saída autoritária. Só que a esquerda brasileira definiu a corrupção como um não tema, uma não pauta. É muito complicado para ela hoje trabalhar isto. A impossibilidade de haver um entendimento com ela está nesta luta contra a corrupção.