Há leitores que não conseguem descrever o prazer da leitura de Dom Casmurro, Memórias póstumas de Brás Cubas, Esaú e Jacó ou O alienista. São clássicos da literatura brasileira, mas muita gente teme se aproximar do universo de Machado de Assis (1839-1908), seja pela dificuldade de enfrentar a linguagem do século 19 ou pelo desafio de decifrar narrativas que dialogam com o leitor, trazendo digressões e colocando-o diante de questões difíceis, como a clássica “Capitu traiu Bentinho?”.
Para mostrar o quanto vale a pena caminhar pela obra machadiana, o escritor, professor e ensaísta Silviano Santiago participa do projeto Letra em cena – Como ler... Machado de Assis, que será realizado hoje no Centro Cultural Minas Tênis Clube, em BH. Trechos de livros do autor, um dos mais importantes da língua portuguesa, serão lidos pelo ator Rodolfo Vaz.
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“A memória é muito fantasiosa. No auge da maturidade, o velho casmurro traça a vida toda. Escobar era o amigo presente. Aí, a flecha do ciúme inverte tudo: vem a ira, a raiva e o deboche”, diz Vaz.
Curador do projeto Letra em cena, o jornalista e escritor José Eduardo Gonçalves destaca o caráter universal da obra de Machado de Assis. “Ele foi um observador ferino da vida social e urbana do Rio de Janeiro e do Brasil na virada do século 19 para o 20”, diz.
Nascido no morro, filho de mãe branca e pai mestiço, Machado se tornou um intelectual respeitado em sua época.
O Letra em cena surgiu como proposta de aproximar o público da literatura clássica brasileira. “Pensamos em uma forma de apresentar autores e obras clássicas de modo que as pessoas saiam motivadas a lê-los”, explica Gonçalves. Em seu segundo ano, o projeto dobrou o número de eventos: de quatro na primeira edição para oito.
“Convidamos um especialista para abrir a porta do universo do autor”, resume José Eduardo Gonçalves.
TRÊS PERGUNTAS PARA....SILVIANO SANTIAGO
Escritor, professor e ensaísta
1 - O senhor pretende apresentar o panorama da obra de Machado de Assis ou vai se concentrar em um livro em especial?
O ideal é que se aborde um tema conhecido do grande público, trazendo alguma colaboração que possa ser dada. A partir das abordagens clássicas, tentar algo que seja novo. Vou trabalhar a relação amorosa em Machado de Assis. Não em um único romance. Tenho dados concretos. No ano de sua morte, Machado pediu a uma amiga da esposa, Carolina, que queimasse cartas, tudo que ela havia deixado. Machado deixou esse mistério.
2 - O senhor vai abordar a relação entre Bentinho e Capitu?
Meu interesse é pelas relações de amor e casamento na obra de maneira sistêmica. Temos em Machado a figura da viúva, da mulher que amou uma vez. Tudo se complica se o segundo marido, pretendente, for ciumento. Esse é um dos interesses. Você pode ler sobre a relação de Capitu e Bentinho querendo saber se ela traiu ou não. Não é isso o que me interessa. Quero ver o sistema. Interesso-me pela forma de escrever, a questão da retórica. Por que escrever na primeira pessoa? Madame Bovary (lançado por Gustave Flaubert em 1857) é escrito na terceira pessoa.
3 - O senhor lançou o romance Machado (Companhia das Letras), em que narra os últimos anos de vida do escritor...
Os últimos cinco anos de vida de Machado trazem um problema que me interessa: olhar para determinado momento de vida de um autor que tem um caráter exemplar. Momento quando várias situações que percorreram a vida do indivíduo estouram. Você cria uma leitura particular de alguns momentos de valor simbólico, alegórico, para conhecer a vida. O romance é para isso: fazer uma grande revelação. Um momento apocalíptico que me interessa e não a proposta de costurar a história pouco a pouco, desde o nascimento. Falo da epilepsia. É com a idade que toda doença estoura.Temos poucos estudos sobre a questão da doença naquela época. Hoje as pessoas revelam, mas é difícil ter acesso ao prontuário médico no século 19. Tenho acesso a cartas e documentos de caráter pessoal. Ele se tratou com Miguel Couto, médico que também cuidou de Carolina (mulher de Machado) até a morte.
LETRA EM CENA COMO LER...
Tema: Machado de Assis. Palestrante: Silviano Santiago. Leitura de texto: Rodolfo Vaz. Hoje, às 19h. Café do Centro Cultural Minas Tênis Clube–, Rua da Bahia, 2.244, Lourdes. Inscrições gratuitas no site Sympla