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Meio século

Em 50 anos, Revista Literária da UFMG publicou 11,5 mil poemas e 2,3 mil contos

Diversos nomes mportantes das letras no Brasil estrearam em suas páginas, que hoje estão disponíveis na internet

Pablo Pires Fernandes
- Foto: Fernanda Goulart/RL/Divulgação
Descontando alguns poucos empreendimentos editoriais com objetivo mercadológico, todos os projetos de publicação literária no Brasil são fruto de desejo e necessidade de expressão. Geralmente, surgem a partir de inquietude ou “porra-louquice”, ou as duas coisas. Mas é assim, historicamente, que surgem os frutos de melhor qualidade.

Entre os muitos brotos do tipo, um caso exemplar é a Revista Literária (RL) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que completou seu cinquentenário em 2016 e, hoje, celebra a data com o lançamento de uma antologia comemorativa, bate-papo e sarau na Faculdade de Letras da UFMG, às 17h30.

A história da revista tem seus altos e baixos, como a maioria das iniciativas do gênero. No entanto, é fato que sua existência deixou marcas fundamentais para a vida literária da universidade, da cidade de Belo Horizonte, e alcançou dimensão nacional e internacional.

“O começo é notável porque foi uma iniciativa de dois alunos de graduação”, relata Luís Alberto Brandão, organizador da presente edição, que reúne 50 textos, entre poesias, contos e peças literárias editadas ao longo do último meio século pela revista.

Como geralmente brotam publicações dessa ordem, a ideia nasceu da inquietude do estudante de filosofia Luis Vilela e do aluno de jornalismo Luis Gonzaga Vieira. Ganharam como aliado Plínio Carneiro (1966-1982), assessor de imprensa da universidade, que viria a comandar a RL por 17 anos.

Destemidamente, os rapazes foram ao gabinete do então reitor Aluísio Pimenta (1923-2016). A magnificência não apenas comprou a ideia com entusiasmo, como sugeriu que à publicação fosse vinculado um concurso literário e viabilizou financeiramente a iniciativa.

CONTESTAÇÃO Brandão destaca que o país vivia uma ditadura militar e a efervescente produção literária servia como via de contestação política e resistência ao status quo. “A ideia era que a revista não fosse só de difusão, mas um estímulo à escrita e à literatura. Havia prêmios em dinheiro e o concurso era voltado para todos os alunos da universidade.”

De 1966 a 1982, a RL foi publicada regularmente, com edição anual, concurso e premiação. Brandão explica que esse período representa a primeira fase, que teve Carneiro como coordenador. Diante da morte de Carneiro, a já experiente Ana Maria de Almeida assumiu as rédeas do projeto com o professor e escritor Ronald Claver (1983-1996) e, posteriormente, com a essencial colaboração de Carlos Alberto Marcos dos Reis. Em 1996, a revista deixou de ser publicada, mas teve um suspiro único em 2002, quando a inquietude de alguns alunos da Faculdade de Letras (Fale) resgatou o projeto e publicou o número 27.

De lá pra cá, as publicações da Fale foram sendo digitalizadas e disponibilizadas na internet
. Como coordenador da Câmara de Pesquisa, Brandão se deparou com a riqueza do acervo da RL e propôs uma edição para pontuar a data e divulgar o acervo, um retrato literário que expressa, de diferentes formas, a vida no país. Além disso, ele ressalta a importância de a revista estabelecer o diálogo entre a universidade e a cidade.

Para dar coerência ao extenso material, o conselho curador selecionou 50 textos e os apresenta nesta coletânea com o princípio de diálogo. A ordem não é cronológica ou dividida em categorias. Os curadores optaram por propor “conversas” entre textos de diferentes épocas, gêneros e linguagens. Fernanda Goulart, professora da Escola de Belas-Artes (EBA), fez cuidadoso e belo projeto gráfico, fazendo justa homenagem à colaboração de professores e alunos da EBA que, por décadas, ilustraram a revista.

Os autores dos mais de 14 mil textos publicados (11,5 mil poemas, 2,3 mil contos) foram uns tantos inquietos que se aventuraram a escrever e, felizmente, havia uma porta aberta que lhes incentivava. Desse acervo, disponível na internet, foram escolhidas 50 obras.

Ao longo desses anos, há assinaturas que se tornariam notórias alguns anos depois de publicar, pela primeira vez, na RL. A lista é enorme. No entanto, há tantos outros que, por circunstâncias da vida, se voltaram para suas próprias afinidades e deixaram a literatura de lado. É certo, porém, que nenhum deles saiu incólume depois de receber prêmio e publicação na RL.

Além do estímulo à escrita e do registro de literaturas produzidas no país, a Revista Literária da UFMG foi capaz de materializar desejos e capturar a inquietude da juventude brasileira ao longo de sua publicação. E isso é um grande mérito.