As fotografias e o poema foram criados por 20 mulheres internas da Associação de Proteção ao Condenado (Apac) de Rio Piracicaba, em Minas Gerais. Nas palavras delas: “Diariamente, presídios, penitenciárias e delegacias são cenários de agressões físicas e psicológicas. Aqui, cenas vividas por algumas de nós”. As palavras e as imagens são um contundente testemunho sobre a realidade carcerária no país. No início do ano, a população, atônita, assistiu a rebeliões e chacinas. Superlotação e fugas expuseram a crise do sistema prisional brasileiro.
Além de ser comumente negligenciada e violentada, a população carcerária tem que lidar com seus próprios traumas pessoais. No momento em que essa ferida era exposta nos noticiários em horário nobre, esse grupo de 20 mulheres abraçava o projeto da revista A Estrela, criado pela Nitro Editorial e coordenado pela jornalista Natália Martino e o fotógrafo Leo Drumond.
A terceira edição da revista é a primeira totalmente elaborada por mulheres, que participaram de aulas e discussões para colocar em prática a publicação de 32 páginas. Nela, estão registradas as impressões das próprias detentas sobre a realidade prisional: histórias de abandono, agressões, torturas, coragem, resignação e, sobretudo, um testemunho da força dessas mulheres.
O novo número de A Estrela, que será lançada nesta sexta (10), na sede da Apac de Rio Piracicaba.Confira trechos:
Sementes de ódio
Corredor de celas.
Revista, procedimento.
70 presas.
Agentes masculinos e femininos.
A ordem é tirar a roupa e agachar.
Não, não tiro.
Spray de pimenta. Cassetete.
Não tiro.
Algemas. Segue pro pátio.
Sol escaldante.
Comida? Não.
Água? Não.
Spray de pimenta? Sim.
Chega a noite, cela de castigo.
Roupas arrancadas.
Pés e mãos algemados para trás.
Colchão retirado.
Fome, sede, dores.
Ódio.
*
Interrogatório.
A delegada loira, bonita.
Saltos altíssimos.
“Onde eles estão?”
Sem resposta.
“Pendurem!”, ordena.
O corpo suspenso pelas algemas. Nu.
Na cabeça, uma sacola.
Os pés tentando tocar o chão.
Banho de água gelada
Raiva, humilhação.
Ódio.
*
Socos nas costas.
Palavras de humilhação.
Empurrões, puxões nos cabelos.
Ódio.
Comida? Estragada.
Água? Suja.
Visita? Humilhada.
Nome? Virou número.
Espaço? Não tem.
Ódio.
Poema de Sarah Jordana Andrade com a colaboração de Amanda Gualberto e Jhenifer Graciele Silva. As imagens foram realizadas em conjunto por Angellys Carla Pavione, Débora Camila de Andrade, Franciele, Aparecida Moreira, Marileia Periera da Cruz, Sara Amorim, Sarah Jordana Andrade e Shirlene de Fátima Soares.