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Cresce a demanda por oficinas e cursos de técnicas de criação e redação literária

Autores ressalvam que partilhar experiência é positivo, mas o fundamental é ler

Márcia Maria Cruz
Alcea Romano, autora de Poesia do viver, busca disciplina e referências nos encontros com escritores - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
No país em que pouco se lê, muita gente deseja ser escritor. Pelo menos é o que demonstra a procura pelas oficinas de literatura promovido pela Academia Mineira de Letras (AML) e outras instituições dedicadas à escrita criativa, como a Escola da Escrita. “A leitura está para o escritor assim como a água está para o nadador. Não tem como o escritor fugir da leitura”, diz Luís Giffoni, autor de A árvore dos ossos, que ministrou oficina na AML em julho do ano passado. Mas, pelo que demonstra a última pesquisa do Instituto Pró-Livro sobre leitura, o Brasil não está bem na foto: apenas 56% dos brasileiros são leitores, com média de 2,54 livros lidos inteiros por ano.

Na contramão dos desinteressados pelas letras, o professor e magistrado Fernando Armando Ribeiro é leitor contumaz de poesia desde os 7 anos por influência do pai. O gosto o levou a participar da oficina Escrita e prosa, ministrada pelo professor Assis Brasil na AML, para que pudesse aprimorar sua técnica. Parte do que aprendeu pode ser conferido no livro Colheita, que ele lançará no próximo dia 16, pela Editora Letramento. “Jorge Luis Borges dizia que a leitura é etapa mais rica do que a própria escrita. Escrever se torna uma necessidade depois que se lê muito”, afirma Fernando. Ele prefere se definir como “amante da escrita”. “Como não me dedico profissionalmente à escrita, prefiro não me definir como escritor.”
O romancista e professor Luís Giffoni afirma que aulas mostram as fases e os desafios do ofício - Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press
RETÓRICA Um termômetro do interesse das pessoas pela escrita pode ser a oficina ministrada por Luís Giffoni
. Foram ofertadas 15 vagas, mas o número de interessados foi muito maior: 120 pessoas, o que exigiu um processo de seleção. Para este mês, a AML oferece as oficinas Escrita criativa, com Barjute Bachá, e Preceitos da retórica para a produção literária, com Ivan Capdeville. A fundadora da Escola de Escrita, Julie Fank, está na capital ministrando oficina desde ontem no espaço Mordô, em Santa Tereza. Giffoni, porém, alerta que cursos não farão ninguém escritor, embora ajude a construir o caminho para quem tem esse sonho. “A oficina mostra como é o ofício. Ser escritor não é como seguir uma receita de bolo. A pessoa pode ser boa na técnica de escrita, mas não vai ser boa ficcionista necessariamente.”

Para ser escritor, é preciso ter formação básica de leitura, gosto e talento para a escrita, na avaliação de Giffoni. E mais: o trabalho requer escrever, reescrever e escrever novamente. “Tem muita gente que quer escrever sem gostar de ler. É uma bobagem
. A pessoa vai chover no molhado ou não conseguirá dar bom desenvolvimento ao texto. Temos, no mundo, cerca de 40 milhões de livros. As chances de um neófito escrever algo genial é a mesma de um macaco diante da tela escrever um Hamlet.” Como atalho para um trabalho que poderia ser feito solitariamente por quem almeja se tornar um autor, as oficinas mostram as fases da escrita e os desafios. “O escritor passa sua experiência para o oficineiro”, diz, lembrando que há diferentes fases no processo: iniciar, desenvolver o texto, comparar com outros textos e avaliar, com muito senso crítico, se o que foi criado é realmente bom.

REFERÊNCIAS Autora do livro Poesia de viver, pela Editora All Print, Alcea Romano, de 65 anos, participa de todas as oficinas literárias que pode. “Quero me consolidar como escritora e as oficinas me dão mais referências. Quero me tornar mais disciplinada.” Com poemas escritos desde a adolescência, em 2011, ela resolveu organizá-los e escrever novos. Encontrou anotações antigas, muitas delas feitas à mão e outras datilografadas. Ela planeja a escrita do próximo livro em que deve mesclar crônicas e poesias.

Com o mesmo desejo de aperfeiçoar a técnica, o advogado Renato Perim, de 38 anos, tem a escrita como fonte de prazer. No momento, mantém um blog pessoal (renatoperim.blogspot.com.br), mas não descarta, no futuro, encarar o desafio de concluir um livro. “Ser escritor requer não só dedicação para exercer o ofício, como também uma bagagem de conhecimento. É preciso saber as tendências literárias. É impossível para quem tem pouca cultura se tornar escritor. Ser leitor facilita bem a vida do escritor”, diz.

A Escola Criativa foi fundada em Curitiba, em 2014, e Julie vem, com frequência, a BH ministrar oficinas. Ela conta que a ideia surgiu há sete anos, a partir de aulas de português e redação que ministrava. “Quando percebi que a técnica literária era uma possibilidade metodológica de criação, comecei a levar exercícios que procurassem trazer à tona a marca autoral dos alunos e levar isso para empresas também.” Uma das primeiras turmas era formada por jornalistas, que, inicialmente, demandavam aulas sobre regras gramaticais, mas com o passar do tempo passaram a discutir técnicas literárias.

TRÊS PERGUNTAS PARA...
Julie Fank
Escritora, artista visual e diretora-fundadora da Escola de Escrita

Quais são os requisitos para alguém se tornar escritor e o que pode ser ensinado nos cursos e oficinas?
Fiz minha formação formal toda em literatura, graduação em letras, mestrado em literatura comparada e, atualmente, doutorado em escrita criativa, mas não foi isso que me tornou escritora. Apesar disso, eu não escreveria como escrevo hoje se não tivesse passado por isso e por oficinas literárias. Uma faculdade de letras forma professores e, talvez, críticos literários. Uma faculdade de jornalismo ou de publicidade obriga as pessoas a escreverem diariamente, mesmo sem técnica ou consciência do processo como um todo. Vejo a escrita criativa, seja nos cursos livres ou nos cursos de pós-graduação, como uma terceira margem: a prática aliada à investigação de como o texto para em pé, muito além da técnica literária. Se você não estudou linguística textual, não é capaz de ensinar texto. É isso o que aponto como maior calo na formação de qualquer pessoa que escreva, independentemente de ser escritor ou não. Do lado oposto, tem o ouvido, não falo de inspiração. Se um escritor não tem ouvido, ele não tem nada. É da rua que vêm as histórias, as vozes e a sonoridade do texto que vai ser escrito. E tudo isso pode ser ensinado.

As pessoas que fazem as oficinas literárias desejam ser escritoras?
Nem todas. Algumas estão lá para fazer amigos, outras pelo processo catártico da escrita, porque estão passando por um luto ou situações complicadas na vida, outras ainda passam pela oficina porque querem usar estratégias de escrita para o mercado de comunicação. De todas essas, há uma parcela muito pequena que quer se tornar melhor leitor. E, por último, há quem quer ser escritor, quem quer trabalhar com literatura mesmo.

Quais as dificuldades para o escritor entrar no mercado editorial?
A dificuldade tem a ver com a arte de maneira geral. Ninguém está disposto a pagar por uma hora/aula de literatura o mesmo que desembolsa por uma hora/aula de um curso ferramental, de idioma ou de como funciona um software, assim como as pessoas não estão dispostas a pagar por um livro ou por uma peça de teatro. A literatura nunca vai ter o mesmo valor tangível que a estante bonita que serve de apoio aos livros que você nunca leu – ou leu, mas porque era obrigado. Trabalhar com isso é passar o chapéu e mostrar sua arte na rua, correndo o risco de ser atropelado – ou preso. Para o mercado editorial, quando o assunto é literatura, ficção ou poesia, que seja, o mercado não está disposto a investir em escritores novos, sem garantia de retorno. E no mercado de crise em que vivemos, o formato livro não é mais o produto final da literatura. É um pouco romântico pensar que publicar um primeiro livro seja a porta de entrada para o mercado editorial. Há toda uma inserção no circuito literário que perpassa outras questões.