Um livro e uma coleção em quadrinhos trazem biografias de figuras fora do convencional

O primeiro retrata mulheres extraordinárias em forma de fábula e o segundo, anti-heróis

Rebeca Oliveira

- Foto: Editora V & R/Reprodução

Era uma vez uma garota que queria se casar com um príncipe e, com ele, viver feliz para sempre. O verbo, flexionado no passado, faz todo sentido. Às meninas da nova geração tem sido oferecidas leituras que vão além do velho enredo de que, para serem bem-sucedidas, as mulheres precisam do suporte de um homem. Reforça esse novo filão o livro ilustrado Histórias de ninar para garotas rebeldes, escrito pelas americanas Elena Favilli e Francesca Cavallo, cofundadoras da Editora Timbuktu Labs. A obra traça um perfil de 100 mulheres que marcaram a história e descobriram o mundo sob diferentes perspectivas. E que, pela ousadia, fizeram dele um lugar mais aprazível.

A ideia é usar o formato de fábulas, comum nas histórias encantadas, mas aplicá-lo à biografia de grandes mulheres, contemporâneas ou não. No balaio, entram a pintora Frida Kahlo, as rainhas Cleópatra e Elizabeth I, a escritora J. K.
Rowling, a ativista Malala Yousafzai, a cantora e compositora Nina Simone, a tenista Serena Williams e as  brasileiras Maya Gabeira, surfista, e Cora Coralina, poetisa e confeiteira. Cada perfil-fábula traz uma bela ilustração, realizada por artistas mulheres. O conjunto, de grande variedade estilística, é acompanhado de uma edição luxuosa de capa dura.

Astronautas, chefs, engenheiras. Mulheres podem ser o que quiserem. Inclusive tirar conceitos da gaveta mesmo sem a ajuda de grandes empresas. As autoras conseguiram verba para criar o projeto por meio de financiamento coletivo. Pediram R$ 120 mil e ganharam quase R$ 2 milhões. “Foi insano. Tínhamos muitas expectativas de que o projeto seria bem-sucedido, mas não nesse nível”, contou Favilli ao jornal britânico The Guardian.

Um dos pontos de partida foi um minucioso estudo da Universidade Estadual da Flórida. A pesquisa constatou que, de 6 mil livros infantis publicados entre as décadas de 1990 e 2000, apenas 7% tinham protagonistas mulheres. O pior é que, quando apareciam, era comum elas serem estereotipadas. “Livros são uma peça importante na nossa cultura e os livros infantis são especialmente importantes porque o que as crianças leem na infância assume um grande impacto quando elas viram adultas”, contou Elena ao tablóide DailyMail.

SEM GÊNERO Apesar de o título sugerir uma leitura voltada a meninas, as autoras querem que a obra encontre ressonância em garotas e garotos. É essa, também, a ideia de Anti-heróis: Eduardo Galeano para meninos e meninas.
A obra pertence à mesma editora argentina que lançou a coleção Antiprincesas, na qual Frida Kahlo e Clarice Lispector tiveram a vida retratada em história em quadrinhos. Revoluções, amor livre, homossexualidade e morte são temáticas presentes dos livros, que inclui também a compositora e ativista chilena Violeta Parra e a revolucionária Juana Azurduy.

Em espanhol, o primeiro anti-herói eleito foi o escritor argentino Julio Cortázar. Em português, a editora brasileira Sur, responsável pela tradução, optou por começar com Eduardo Galeano, um nome mais popular em terras tupiniquins. Em vez de princesas e heróis, pessoas reais aparecem como uma alternativa à tradicional literatura infantil. “Elas simplesmente ignoram os aspectos socioculturais e introduzem idealizações de gênero desde muito cedo na cabeça das crianças”, critica Lucas Ferreira, da Editora Sur.
Imagem da série Anti-heróis mostra o escritor Eduardo Galeano, a compositora Violeta Parra, a escritora Clarice Lispector, o escritor Julio Cartázar, a artista Frida Kahlo e a revolucionária Juana Azurduy - Foto: Editora Sur/Divulgação
“A infância é a fase mais aberta a transformações. Esses conceitos são tão maleáveis nas crianças que a maior dificuldade de aprendizado está nos adultos, que se reeducam perto dessas crianças”, defende Ferreira. “Mostrar a uma criança que ela tem o poder de mudar o próprio mundo e o dever de mudar o mundo ao seu redor é uma das maiores contribuições da coleção”, acredita.

De acordo com Ferreira, o trabalho desenvolvido é um grãozinho de areia que abre o debate com todos e todas em cada geração. “Tentamos somar, a partir da literatura, à batalha que gera questionamentos sobre a infância, sobre os modelos estabelecidos e pensar quais são as coisas que realmente acontecem em nossa vida: estamos alegres, tristes, ficamos doentes, amamos, odiamos, lutamos, choramos, envelhecemos”, complementa.

 

HISTÓRIAS DE NINAR PARA GAROTAS REBELDES
De Elena Favilli e Francesca Cavallo.
Tradução de Carla Bitelli, Flávia Yacubian & Zé Oliboni
VR Editoras
220 páginas
R$ 99,90

ANTI-HERÓIS: EDUARDO GALEANO PARA MENINOS E MENINAS
De Nadia Fink e Pitu Saá
Sur
26 páginas
R$ 25

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