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Grafite em BH: o que os artistas pensam sobre o projeto Profeta Gentileza?

Prefeito Alexandre Kalil anunciou, para março deste ano, concurso entre grafiteiros de todo o país para realizar painéis em Belo Horizonte

Cecília Emiliana Márcia Maria Cruz
Painel na Rua Niquelina, no Santa Efigênia, onde moradores disponibilizaram os muros das casas aos artistas - Foto: Fotos: Beto Novaes/EM/D.A Press
Como nos tempos em que foi cartola, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, permanece hábil “surfista” de polêmicas. Diante das acaloradas discussões em torno da decisão do prefeito de São Paulo, João Doria, de cobrir grafites espalhados pela cidade com tinta cinza, Kalil tratou logo de aderir ao debate. À sua maneira. No início deste mês, o prefeito de BH anunciou, via Twitter, o projeto Profeta Gentileza, para incentivar o grafite na capital mineira. Com lançamento previsto para março, a iniciativa prevê um edital para selecionar entre 50 e 80 grafiteiros de todo o Brasil para preencher 42 espaços espalhados por BH.


Os grafiteiros serão remunerados com cachês entre R$ 1 mil e R$ 2,5 mil pelo trabalho, de acordo com o tamanho do painel. A seleção será feita por meio de análise de portfólio conduzida por uma comissão mista, formada por técnicos de artes visuais e grafiteiros. O projeto prevê ainda a realização de um concurso entre os murais elaborados. A obra vencedora vai decorar a antessala do prefeito, e seus autores receberão um prêmio que pode chegar a R$ 50 mil.

Segundo o presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Leônidas de Oliveira, serão oferecidos aos participantes os insumos necessários ao trabalho (como tinta) e também equipamentos. “Algumas áreas previstas no edital são altas, compreendem viadutos, por exemplo. Grafitar áreas assim exige equipamentos de segurança, como andaimes, capacetes e coletes, entre outros”, observa.

De acordo com Oliveira, o projeto será 100% financiado com patrocínio. O valor total dos recursos alocados ou o nome do patrocinador não foram revelados

. “O prefeito Kalil conseguiu o patrocínio, mas o montante total de recursos ainda está em negociação”, afirma.

ELOGIOS Para Negro F., políticas públicas que abordam o grafite de forma profissional são importantes. Ele é um dos artistas participantes do projeto Telas Urbanas, que lançou edital, em 2015 e 2016, para selecionar 83 grafiteiros para embelezar a Avenida Antônio Carlos. Na avaliação de Negro F., a prefeitura de BH avança com o projeto Profeta Gentileza, mas deve ir além dos grandes corredores e se estender às áreas periféricas.

O grafiteiro leva seu trabalho a lugares fora dos circuitos tradicionais, por meio do projeto Amor ao Alto Vera Cruz, no bairro homônimo da Zona Leste da capital. O propósito da empreitada é criar quatro painéis que se tornem pontos de visitação na região. O primeiro já foi pintado na Praça Flamengo, com imagens de mulheres como dona Valdete, liderança comunitária e integrante do grupo cultural Meninas de Sinhá, morta em janeiro de 2014. “Foi assertiva a proposta de não limpar, como em São Paulo, mas de colorir a cidade e trazer os artistas para dialogar”, analisa Negro F.

A artista visual Priscila Amoni compartilha o ponto de vista. Um de seus desejos, porém, é que o Profeta Gentileza não coloque em oposição as diferentes formas de expressão urbana que, além do grafite, incluem a pichação, por exemplo. Ambos, na avaliação dela, têm inegável origem comum. Priscila argumenta ainda que o poder público deve ter cuidado para não restringir o grafiteiro a lugares determinados. “A arte de rua não é enclausurável
. Criar um ‘grafitódromo’ é contraditório com a própria essência da arte de rua”, afirma.

Com murais na Rua Niquelina, no Bairro Santa Efigênia; no Aglomerado da Serra; na Região da Pampulha, além de Rio de Janeiro e São Paulo, ela avalia que a capital paulista, a despeito das polêmicas ações recentes das autoridades, é mais aberta às diferentes formas de expressão urbanas do que BH. “Aqui, as pessoas estão começando a receber melhor. É um movimento da periferia para o centro”, diz.

LEI E DIÁLOGO Enquanto há grafiteiros certos de que Belo Horizonte começa a absorver os ares modernos da capital paulista, BH também tem inspirado São Paulo nessa seara. No caso, para o endurecimento. A chamada “guerra do spray” reacendida pelo governo de João Doria pode ganhar, em breve, uma legislação inspirada na Política Municipal Antipichação da capital mineira. Por meio de três leis, o código prevê multas pesadas a pichadores, identificação de compradores de tintas em spray e outras severas punições.

O presidente da FMC diz que, do ponto de vista legal, nada muda na cidade com o lançamento do projeto Profeta Gentileza, embora reconheça que tanto o grafite como a pichação são formas de expressão urbana. “A distinção entre grafite e pichação, muitas vezes, realmente é muito frágil. Mas a prefeitura não pretende mexer na legislação, que é taxativa: a Justiça determinou que a pichação é ilegal. Já o grafite é uma modalidade bastante reconhecida. Há telas de grafite, por exemplo, no acervo do Museu Histórico Abílio Barreto. Vejo muito o grafite como uma expressão de arte urbana semelhante aos azulejos de Portugal”, analisa.

Leônidas de Oliveira frisa, contudo, que a ideia da atual gestão é abrir o debate sobre expressões urbanas aos adeptos de todas as tribos, incluindo o pixo. “Há cerca de 15 dias, montamos um fórum municipal do hip-hop. Os grafiteiros participantes estão dentro das discussões do projeto Profeta Gentileza. Pretendemos ainda realizar reuniões públicas para discutir não só o grafite, como o pixo, por que não?”

DISCÓRDIA O ex-pichador João Marcelo Capelão, conhecido como João Goma, acredita que a abertura do município para dialogar com o pixo pode trazer benefícios a todas as partes envolvidas e seria uma forma mais eficiente de combater a pichação. “Vejo a pichação como o grito dos excluídos. Então, acho que as autoridades, em primeiro lugar, devem procurar saber por que a pessoa picha. Se for por fama, vale encaminhar para uma aula de grafite. Já se for por adrenalina, pode funcionar dar a ela a oportunidade de praticar um esporte radical. Isso canalizaria a energia dos jovens envolvidos para atividades legais”, pondera.

Mas se “gentileza gera gentileza” – como costumava dizer o “profeta” que inspirou a iniciativa da PBH, famoso por deixar delicadas mensagens em viadutos cariocas –, o debate em torno das diferentes expressões urbanas gera, sobretudo, conflito. Pesquisadores da área, como Ludmila Zago, são críticos à iniciativa de Kalil. Para a coordenadora do programa de pesquisa Cidade e Alteridade, da Faculdade de Direito da UFMG, a prefeitura erra em separar grafite de pichação e em querer determinar onde o sujeito irá se manifestar. “O poder público dar uma lata de spray e escolher onde vai ser o grafite não tem nada a ver com a cultura de rua”, afirma.

 


SAIBA MAIS - legislação municipal


A Lei Municipal 6.995, de 22 de novembro de 1995, “proíbe a pichação no âmbito do município”. Em dezembro de 2010, a Lei Municipal 10.059 instituiu a Política Municipal Antipichação com o objetivo de “conter a poluição visual provocada pela pichação no município” e criar estratégias para combatê-la.

Para tal, busca reforçar a fiscalização na venda de recipientes de spray, já normatizada desde 1993, e realizar campanhas de conscientização e educação, mencionando o dever de “inserir socialmente as pessoas envolvidas com pichação”. A lei também se refere à promoção de “práticas artísticas que, como o grafite ou a pintura mural, possam contribuir para a qualidade visual do ambiente urbano e desestimular a prática da pichação”.

Em junho de 2016, a Lei Municipal 10.931 institui política contra a prática de pichação. Em síntese, reforça a lei de 1995 no que diz respeito à comercialização de sprays. A principal mudança dispõe que o cadastro do estabelecimento que comercializa tinta em spray não deve manter por pelo menos três anos as informações sobre os compradores em seu banco de dados. Também em 2016, a Lei Municipal 10.059 sofreu modificação, estabelecendo a utilização de tintas especiais na pintura de viadutos e monumentos, que facilitem a remoção da tinta spray. O prefeito Marcio Lacerda vetou a lei, mas a Câmara derrubou o veto.