Os grafiteiros serão remunerados com cachês entre R$ 1 mil e R$ 2,5 mil pelo trabalho, de acordo com o tamanho do painel. A seleção será feita por meio de análise de portfólio conduzida por uma comissão mista, formada por técnicos de artes visuais e grafiteiros. O projeto prevê ainda a realização de um concurso entre os murais elaborados. A obra vencedora vai decorar a antessala do prefeito, e seus autores receberão um prêmio que pode chegar a R$ 50 mil.
Segundo o presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Leônidas de Oliveira, serão oferecidos aos participantes os insumos necessários ao trabalho (como tinta) e também equipamentos. “Algumas áreas previstas no edital são altas, compreendem viadutos, por exemplo. Grafitar áreas assim exige equipamentos de segurança, como andaimes, capacetes e coletes, entre outros”, observa.
De acordo com Oliveira, o projeto será 100% financiado com patrocínio. O valor total dos recursos alocados ou o nome do patrocinador não foram revelados
ELOGIOS Para Negro F., políticas públicas que abordam o grafite de forma profissional são importantes. Ele é um dos artistas participantes do projeto Telas Urbanas, que lançou edital, em 2015 e 2016, para selecionar 83 grafiteiros para embelezar a Avenida Antônio Carlos. Na avaliação de Negro F., a prefeitura de BH avança com o projeto Profeta Gentileza, mas deve ir além dos grandes corredores e se estender às áreas periféricas.
O grafiteiro leva seu trabalho a lugares fora dos circuitos tradicionais, por meio do projeto Amor ao Alto Vera Cruz, no bairro homônimo da Zona Leste da capital. O propósito da empreitada é criar quatro painéis que se tornem pontos de visitação na região. O primeiro já foi pintado na Praça Flamengo, com imagens de mulheres como dona Valdete, liderança comunitária e integrante do grupo cultural Meninas de Sinhá, morta em janeiro de 2014. “Foi assertiva a proposta de não limpar, como em São Paulo, mas de colorir a cidade e trazer os artistas para dialogar”, analisa Negro F.
A artista visual Priscila Amoni compartilha o ponto de vista. Um de seus desejos, porém, é que o Profeta Gentileza não coloque em oposição as diferentes formas de expressão urbana que, além do grafite, incluem a pichação, por exemplo. Ambos, na avaliação dela, têm inegável origem comum. Priscila argumenta ainda que o poder público deve ter cuidado para não restringir o grafiteiro a lugares determinados. “A arte de rua não é enclausurável
Com murais na Rua Niquelina, no Bairro Santa Efigênia; no Aglomerado da Serra; na Região da Pampulha, além de Rio de Janeiro e São Paulo, ela avalia que a capital paulista, a despeito das polêmicas ações recentes das autoridades, é mais aberta às diferentes formas de expressão urbanas do que BH. “Aqui, as pessoas estão começando a receber melhor. É um movimento da periferia para o centro”, diz.
LEI E DIÁLOGO Enquanto há grafiteiros certos de que Belo Horizonte começa a absorver os ares modernos da capital paulista, BH também tem inspirado São Paulo nessa seara. No caso, para o endurecimento. A chamada “guerra do spray” reacendida pelo governo de João Doria pode ganhar, em breve, uma legislação inspirada na Política Municipal Antipichação da capital mineira. Por meio de três leis, o código prevê multas pesadas a pichadores, identificação de compradores de tintas em spray e outras severas punições.
O presidente da FMC diz que, do ponto de vista legal, nada muda na cidade com o lançamento do projeto Profeta Gentileza, embora reconheça que tanto o grafite como a pichação são formas de expressão urbana. “A distinção entre grafite e pichação, muitas vezes, realmente é muito frágil. Mas a prefeitura não pretende mexer na legislação, que é taxativa: a Justiça determinou que a pichação é ilegal. Já o grafite é uma modalidade bastante reconhecida. Há telas de grafite, por exemplo, no acervo do Museu Histórico Abílio Barreto. Vejo muito o grafite como uma expressão de arte urbana semelhante aos azulejos de Portugal”, analisa.
Leônidas de Oliveira frisa, contudo, que a ideia da atual gestão é abrir o debate sobre expressões urbanas aos adeptos de todas as tribos, incluindo o pixo. “Há cerca de 15 dias, montamos um fórum municipal do hip-hop. Os grafiteiros participantes estão dentro das discussões do projeto Profeta Gentileza. Pretendemos ainda realizar reuniões públicas para discutir não só o grafite, como o pixo, por que não?”
DISCÓRDIA O ex-pichador João Marcelo Capelão, conhecido como João Goma, acredita que a abertura do município para dialogar com o pixo pode trazer benefícios a todas as partes envolvidas e seria uma forma mais eficiente de combater a pichação. “Vejo a pichação como o grito dos excluídos. Então, acho que as autoridades, em primeiro lugar, devem procurar saber por que a pessoa picha. Se for por fama, vale encaminhar para uma aula de grafite. Já se for por adrenalina, pode funcionar dar a ela a oportunidade de praticar um esporte radical. Isso canalizaria a energia dos jovens envolvidos para atividades legais”, pondera.
Mas se “gentileza gera gentileza” – como costumava dizer o “profeta” que inspirou a iniciativa da PBH, famoso por deixar delicadas mensagens em viadutos cariocas –, o debate em torno das diferentes expressões urbanas gera, sobretudo, conflito. Pesquisadores da área, como Ludmila Zago, são críticos à iniciativa de Kalil. Para a coordenadora do programa de pesquisa Cidade e Alteridade, da Faculdade de Direito da UFMG, a prefeitura erra em separar grafite de pichação e em querer determinar onde o sujeito irá se manifestar. “O poder público dar uma lata de spray e escolher onde vai ser o grafite não tem nada a ver com a cultura de rua”, afirma.
SAIBA MAIS - legislação municipal
A Lei Municipal 6.995, de 22 de novembro de 1995, “proíbe a pichação no âmbito do município”. Em dezembro de 2010, a Lei Municipal 10.059 instituiu a Política Municipal Antipichação com o objetivo de “conter a poluição visual provocada pela pichação no município” e criar estratégias para combatê-la.
Para tal, busca reforçar a fiscalização na venda de recipientes de spray, já normatizada desde 1993, e realizar campanhas de conscientização e educação, mencionando o dever de “inserir socialmente as pessoas envolvidas com pichação”. A lei também se refere à promoção de “práticas artísticas que, como o grafite ou a pintura mural, possam contribuir para a qualidade visual do ambiente urbano e desestimular a prática da pichação”.
Em junho de 2016, a Lei Municipal 10.931 institui política contra a prática de pichação. Em síntese, reforça a lei de 1995 no que diz respeito à comercialização de sprays. A principal mudança dispõe que o cadastro do estabelecimento que comercializa tinta em spray não deve manter por pelo menos três anos as informações sobre os compradores em seu banco de dados. Também em 2016, a Lei Municipal 10.059 sofreu modificação, estabelecendo a utilização de tintas especiais na pintura de viadutos e monumentos, que facilitem a remoção da tinta spray. O prefeito Marcio Lacerda vetou a lei, mas a Câmara derrubou o veto.