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Top plus size Flúvia Lacerda diz que não liga para celulite e estria

Descoberta por uma olheira quando andava de ônibus em Nova York, ela alcançou o sucesso como modelo depois de ter trabalhado como babá e faxineira

Márcia Maria Cruz

A modelo Flúvia Lacerda - Foto: Instagram/Reprodução

No alto de seu 1,72m, com 110cm de busto, 83cm de cintura e 133cm de quadril, Flúvia Lacerda é a prova de que beleza não tem nada a ver com o tamanho do manequim. Modelo plus size, aos 36 anos, além de brilhar no universo da moda, está na fase final de escrita de um livro, previsto para ser lançado em abril pela Companhia das Letras. Na publicação, mais do que contar a trajetória de menina pobre em Boa Vista, Roraima, que se tornou modelo de sucesso em Nova York, nos Estados Unidos, de onde foi revelada para o mundo da moda, ela pretende falar sobre autoestima, aceitação e quebra de padrões.

“Não é uma biografia. Aceitei o convite da editora em meados de 2016, porque recebo muitas mensagens das meninas falando sobre autoestima”, afirma. A top brinca que é mais difícil escolher o título da publicação do que posar para as sessões de foto.

Embora cada nove entre 10 meninas sonhem em ser modelo, esse não era o desejo que Flúvia acalentava na infância. Nascida no Rio de Janeiro, mudou-se ainda criança para o Norte do país. De família com poucas posses, desejava tornar-se tradutora na ONU para poder viajar pelo mundo. “Sempre sonhei com a oportunidade de estudar outros idiomas. Por ironia, a minha carreira como modelo, que tomou conta de tudo, é o que me permite isso.”

Mas o mundo da moda nem sequer era algo cogitado por ela antes de 2003. Mudou-se para os Estados Unidos para morar com a tia e tinha uma vida típica de uma imigrante latina. Aproveitava a oportunidade de estar em outro país para aprimorar o inglês, mas tinha que se submeter a trabalhos menos valorizados. “Trabalhei em restaurante, como faxineira e babá.” Tudo mudou quando a beleza da jovem chamou a atenção de uma “olheira”

. “Quando estava no ônibus, fui abordada pela editora de uma revista de moda. Achei estranho, mas peguei o cartão com os contatos. Não fazia ideia da existência desse mercado plus size”, recorda-se.

A carreira decolou e, em 2011, foi convidada a assinar a coluna Mulheres que amamos da revista Playboy. “Desde então, começou uma paquera para que pudesse posar. Topei quando a revista mudou o direcionamento, adotando uma linha mais artística.” Em dezembro, ela estampou a primeira capa plus size em 40 anos da publicação no Brasil. “Quando a revista saiu, estava voando da África do Sul para Dubai. Não sabia que seria naquele dia. Quando desembarquei, meu celular explodiu de mensagens nas redes sociais. A capa viralizou. Foi bem divertido
. A maioria dos comentários era positiva.” Ela se recorda de que, na época, muitas mulheres lhe confidenciaram que, pela primeira vez, tinham comprado a revista mais famosa de nus femininos.

Flúvia não quer levantar bandeiras, embora tenha convicção de que não nasceu para ficar presa às caixinhas dos padrões. “Tem a ver com minha natureza, que é 90% questionadora. Nunca consegui compreender a relação que as pessoas fazem entre vida produtiva e aparência física. Não levanto bandeira para gordos, digo que as pessoas devem apreciar o que são, na forma que são. Nunca olhei para o espelho e vi problema.”

O padrão de beleza ancorado na magreza tem por trás, na opinião do top model a indústria da dieta que quer lucrar. “Fatura muito dinheiro com a imposição desses padrões.” Ela pondera que as mães podem ter papel decisivo para mudar as cobranças. “São formadas gerações e mais gerações que nunca questionam. Nunca fui assim”, diz. Nascida em 31 de julho, a modelo, regida pelo signo de Leão, não acredita que as características zodiacais – de autoestima e vaidade – tenham qualquer impacto sobre o fato de ter se tornado uma das tops mais badaladas em seu segmento. A mulher que se tornou ela atribui à influência da mãe, Matilde Lacerda, de 62. “Ela foi mãe solteira. É uma mulher muito batalhadora. De espírito aventureiro. Ela se mudou do Rio para Roraima, onde me criou e a dois irmãos.

Com visibilidade internacional, Flúvia tem rotina que se divide entre sessões de foto, viagens e participação em semanas de moda. Em janeiro, de passagem pelo Brasil para divulgar a revista Playboy, ela retorna aos Estados Unidos e, na sequência, segue para Copenhague, na Dinamarca, e Londres, na Inglaterra, onde tem compromissos de trabalho.

Para ela, a supervalorização da aparência em detrimento de outras habilidades que as mulheres têm é um problema. Mas na direção contrária, Flúvia acredita que há uma revolução feminista em curso nas redes sociais. “As mulheres passam a assistir à vida uma da outra. É um efeito dominó de libertação. Ela vê uma que se aceita e decide que irá se amar do jeito que é.”

Ela acompanhou tudo pela internet no dia seguinte à posse de Donald Trump, quando milhões de pessoas saíram às ruas na Marcha das Mulheres em Washington. Por compromissos profissionais, estava em São Paulo. Flúvia procura dar toda a atenção às mensagens que recebe nas redes sociais. Em sua avaliação, tornou-se espaço para que as mulheres possam apresentar suas questões. “No começo, acharam que era uma febre, mas não é. É incrível assistir e participar desse acontecimento no mundo. É uma forma de nos libertar de tudo que escravizou nossa cabeça.”

Ao atuar como modelo, torna-se espelho para muitas meninas, mas Flúvia procura desmistificar a própria imagem. “Não deixo de ir à praia porque tenho estria ou celulite. Adoro apertar o botão do foda-se.” Aposta na possibilidade de abrir portas para outras garotas e, para tanto, sabe que tem que demonstrar que a modelo é uma mulher como qualquer outra. “Faço fotos sem maquiagem, muitas sem retoque.” Flúvia tem compreensão de que a beleza não é o único componente para sucesso na carreira de modelo. “É um conjunto de coisas: fotogenia, ter casca grossa, porque, sendo gorda ou magra, há muita pressão no mundo da moda. Ter senso de negócio. É uma carreira muito difícil.”

Quando questionada se se considera feminista, Flúvia diz que simpatiza com a luta pela igualdade das mulheres, mas não se identifica com discursos raivosos e rancorosos. “Em parte me identifico com o feminismo. Mas o rancor e a raiva não são a minha praia. As mulheres podem ser o que quiserem. Não fico em cima de palanque gritando empoderamento.”