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Juntos e Misturados

Conheça os espaços de encontro e exposição dos trabalhos coletivos de Belo Horizonte

A cada dia, artistas, designers, músicos e cozinheiros se unem em torno de projetos e locais híbridos para produzir coletivamente, rompendo fronteiras profissionais

Márcia Maria Cruz
Bárbara Andrade, Luciana Gallo e Mariza Machado, proprietárias da Amadoria: exposições, cursos e apresentações de jazz no quintal - Foto: Fotos: Beto Novaes/EM/D.A Press

Belo Horizonte não é mais a mesma que abrigou Guimarães Rosa na década de 1930, que acolheu o Clube da Esquina na década de 1970, viu o surgimento do Grupo Corpo em 1975, o Galpão em 1982, e o Skank nos anos 1990. Nos anos 2000, aos poucos, sem alarde, a cidade ganha o jeitão das novas gerações. Por trás dessa revolução silenciosa, mas potente, estão algumas palavras-chave, como economia criativa, compartilhamento e colaboração.

Fora dos ateliês, cada vez mais, eles entendem as artes como campos híbridos sem fronteiras e têm visão própria de fazer e consumir arte. No século 21, eles se organizam em rede, querem, como nunca, colocar o bloco na rua e ocupar os espaços da cidade, têm preocupação com o patrimônio histórico, são adeptos do financiamento coletivo, organizam feiras, consomem apenas o que sabem de onde vem, quem fez e como.

Os realizadores – músicos, atores, designers e cozinheiros, entre outros artistas – fazem por si, buscam se fortalecer por meio da organização e criam jeitos criativos de produzir e mostrar sua produção. Para acompanhar esse movimento, a cidade ganhou espaços de encontro e exposição dos trabalhos: Casa Leopoldina, no Bairro Santo Antônio e Casa Guaja e Perestroika, no Funcionários, as três na Região Centro-Sul; e Amadoria, no Bairro Santa Tereza, na Região Leste.

Os artistas apontam que a pioneira foi a Benfeitoria, no Floresta, na Região Leste. Na Rua Sapucaí, que se desponta como corredor cultural com ascensão da Região do Baixo Centro, a Benfeitoria é um espaço para projetos culturais que questiona a ideia de curadoria. Como a Benfeitoria, os espaços são híbridos, funcionam em alguns casos como coworking, escolas de cursos livres e também lugares onde se pode tomar café ou chá da tarde. Outros são pontos de encontro para a cerveja do happy hour e até abrem para festas mais ousadas. Em meio a tudo isso, sempre é possível ver exposições, fotografias, produtos de moda, apresentação de bandas independentes.



Conexão Quem vai até a Amadoria pode ver os trabalhos do fotógrafo Lucas Halel ou as ilustrações de Lucas Álves. “Quando a gente fala de movimento artístico, só faz sentido se a gente fizer junto
. O fazer artístico, além de criativo, é um processo colaborativo”, afirma Luciana Gallo, uma das fundadoras da Amadoria. Empresa de economia criativa, a Amadoria cria, planeja e realiza experiências de arte e conexão com foco em três pilares: arte, autoconhecimento e bem-estar. “O espaço tanto abriga o coworking como abre o quintal para apresentações culturais. Toda última quinta-feira do mês realizam o Quintal do Jazz. Um dos convidados é o músico Gil Costa. “Como experiências de arte e conexão, temos nossos happy hours, intervenções artísticas, oficinas de pintura, exposições de arte e fotografia, apresentações de filmes e documentários no nosso cine quintal”, afirma Luciana.

Renata Andrade e Paola Carvalho são sócias da Casa Leopoldina, espaço multiuso no Bairro Santo Antonio - Foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS
Caçula dos espaços, aberto em dezembro, a Casa Leopoldina acolhe a exposição de artistas. “O movimento maker ganhou força na cidade. Muita gente quer viver daquilo que gosta de fazer”, diz a fundadora da casa e empresária, Paola Carvalho. Ela lembra que muitos realizadores ganharam visibilidade na internet, onde apresentam seus trabalhos. No entanto, com a abertura desses espaços na cidade, Paola identifica movimento inverso
. “Neste segundo movimento, makers que têm trabalhos consolidados na internet procuram pontos físicos para ter o contato com o público”, acredita ela, que é sócia da nutricionista e cozinheira Renata Andrade.

Quem vai ao espaço pode degustar pratos criados por Renata e cafés gourmets, enquanto aprecia trabalhos como os da artista plástica Jade Liz. No momento, ela expõe a mostra Essentia, composta por cinco fotos que mostram a relação orgânica entre corpos humanos e as plantas. Na sala de artes plásticas podem ser vistos o Fachada frontal, projeto de José Marcos Vieira que valoriza construções antigas por meio de imagens feitas no Autocad, e os trabalhos do artista Ho-chich-min e do fotógrafo Ivan Araújo, que também traz fachadas de residências da cidade. Na sala BH Cool, são apresentadas obras de diversos artistas, como Sillas Maciel, Beto Urrick e Pedro Haruf.

Outra experiência é o Alfaiataria, espaço criado pela galeria Quarto Amado, Perestroika e Guaja que se instalou num casarão no Funcionários, de abril a junho de 2015. Quinzenalmente, eram realizadas vernissages para apresentação de artistas. Também eram realizadas feiras de produtos orgânicos, shows da bandas independentes e desfiles de moda. “Com o fazer compartilhado a gente ganha em inovação e criatividade. É uma resposta inteligente ao espírito do nosso tempo, o que para Belo Horizonte é incrível”, diz Nina Trevisan Guimarães, diretora de wherever (uma brincadeira para falar da atuação multidisciplinar) da Perestroika.

Com foco em formação livre, a Perestroika pretende realizar, este ano, o curso de expressão de rua por meio da dança em parceria com o Centro Cultural Lá da Favelinha, organização independente localizada no Cafezal, comunidade da Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Cada uma das casas tem um propósito, uma identidade, e se assemelha apenas nessa maneira criativa de gerenciar o negócio, na ideia de colocar as pessoas em contato e derrubar fronteiras.

Flerte Na maioria dos casos, esses espaços flertam com a gastronomia, moda e design. Percebendo esse potencial criativo, foi criado em 2014 a Beagá Cool. “Buscamos a valorização dos negócios locais”, diz Sérgio Souto sobre a iniciativa. A rede surgiu com o propósito de ressignificar o termo cool, que em inglês, numa tradução livre, quer dizer ‘legal’ ou ‘descolado’. “Para BH, cool é sigla de ‘criativo, original, ousado e local’”, pontua. A rede conta com 43 empresas do ramo da economia criativa, encampando artes, moda, gastronomia e outras atividades. “São projetos que olham para o local e valorizam a cidade”, diz.

Uma coisa que se pode afirmar com certeza é que os projetos não cabem em caixinhas. “Esse movimento nasce com a ocupação do espaço público em Belo Horizonte”, diz, em referência à Praia da Estação e ao carnaval. Sérgio ressalta que não há uma relação formal entre Beagá Cool e esses movimentos, mas acredita que essas iniciativas de ocupação do espaço público tornaram propício o surgimento de coletivos, propostas das mais diversas artes que saíram das caixinhas. Nesse sentido, o Beagá Cool ajuda no processo de profissionalização dessas empresas e negócios. Outro exemplo que cita dessa efervescência é o Toda Deseo, coletivo de artistas que realizam o Campeonato Interdrag de Gaymada, uma intervenção cênico-performática – o segundo trabalho do coletivo.


EM MOVIMENTO

- Foto: Carol Abreu (foto), percussionista da banda Djalma Não Entende de Política, tomava café com amiga na Casa Leopoldina, no Bairro Santa Tereza, na tarde da última quarta-feira. Era a primeira vez que estava na Casa, aonde foi buscar a “recompensa” de um financiamento coletivo com o qual colaborou: a impressão do livro Casa e chão – arquitetura e histórias de Belo Horizonte, de Ivan Araujo, Paola Carvalho e Raíssa Pena. A banda que Carol integra também recorreu ao financiamento coletivo para a produção do último disco, Apesar da crise. Carol lembra que a banda aposta, cada vez mais, nessa forma de fazer e nos novos formatos para apresentação do trabalho. “Coletivamente, conseguimos sobreviver melhor. A opção é tocar em contextos em sintonia com a ideia de um fazer coletivo”, afirma. Ela lembra a importância da existência desses espaços para o trabalho da banda, que lançou o financiamento coletivo em evento na Benfeitoria.