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Biografia do 'ás do texto em 3 linhas' radiografa high society do Rio

Joaquim Ferreira dos Santos lança 'Enquanto houver champanhe, há esperança - Uma biografia de Zózimo Barrozo do Amaral', que já quase esgotou primeira edição

Helvécio Carlos

Ao narrar a trajetória do ás do texto de três linhas, Joaquim Ferreira dos Santos faz também um apanhado da história do jornalismo entre os anos 1960 e 1997 e revela a cena carioca
O colunismo social não é o mesmo dos anos de ouro do high society carioca

. Muita coisa mudou. A começar pela própria sociedade que se transformou. A turma que frequentava os salões mais badalados do grand monde faliu, morreu ou simplesmente desapareceu do mapa por se cansar daquela vida mundana. Zózimo não me deixa mentir e Joaquim Ferreira dos Santos coloca todos os pingos nos is no delicioso livro Enquanto houver champanhe, há esperança – Uma biografia de Zózimo Barrozo do Amaral.

Santos, que foi colega de Redação de Zózimo nos tempos do Jornal do Brasil, faz uma pesquisa rigorosa, resultando em uma radiografia não só do colunismo social como de boa parte do jornalismo brasileiro, assim também como do Rio de Janeiro e da sociedade.

 

Zózimo, considerado o jornalista com o melhor texto em três linhas – medida de suas notas sempre certeiras, cheias de informação,  humor e ironia – teve uma vida animada. Não só por conta do ofício, mas pelas situações que viveu. Por causa de notas que publicou, chegou a ser preso duas vezes nos tempos da ditadura. Casou-se duas vezes com – Márcia Kuperman e Dorita Moraes. Teve apenas um filho, Fernando, fruto de seu primeiro casamento. Mas, para além das notáveis colunas, Zózimo comeu o pão que o diabo amassou por causa de seu vício em álcool.

Quando já cansado dos compromissos de um colunista social, pensou em tirar seu time de campo e se dedicar a escrever livros. Não teve tempo

. Vítima de câncer, morreu em novembro de 1997. Na despedida do jornal da família Marinho, no final da década de 1960, saiu-se com frase célebre: “Está na hora de as pessoas saberem quem é Zózimo Barroso do Amaral”. Trinta anos depois, Santos registra em livro o imenso talento do jornalista.


Abaixo, aspectos de destaque do livro.

 

Alô! Carmen!?

Uma das personagens mais emblemáticas da alta sociedade carioca, Carmem Mayrink Veiga tem destaque no livro, mas as entrevistas com a viúva de Tony Mayrink Veiga foram feitas por telefone, a pedido da própria entrevistada. De cama, ela preferiu que o jornalista não a visse naquele estado. Como Santos já havia entrevistado pessoalmente Carmen para o livro Feliz 1958 – O ano que não deveria terminar, mesmo sendo por telefone, o papo rendeu. Na primeira vez, Santos viu a coleção que Carmen guarda com as colunas de Zózimo. “Tudo arrumadinho em álbuns. Carmen também renderia um livro”, diz.

Em números

Entre o convite da Intínseca para escrever a biografia de Zózimo até o livro chegar às bancas foram mais de quatro anos. Três e meio para o trabalho de pesquisa mais oito meses entre a entrega dos originais e a ida do material para a gráfica. Os 13 mil exemplares da primeira edição estão no fim

. “Já estamos preparando uma segunda edição. Aqui no Rio (Enquanto houver champanhe, há esperança) só está perdendo para a biografia da Rita Lee (Rita Lee - Uma autobiografia), um livro muito interessante”, diz Santos, que entrevistou dezenas de pessoas, leu centenas de colunas de Zózimo, Ibrahim (Sued) e (Jacinto de) Thormes, um número razoável de livros e assistiu a alguns filmes sobre colunismo.

No escurinhodo cinema

Em um dos capítulos, Joaquim Ferreira dos Santos cita dois filmes que mostram o lado negro do jornalismo: A embriaguez do sucesso (1957) – poucas vezes o cinema foi tão fundo no submundo do jornalismo, especialmente no segmentos das colunas sociais – e A montanha dos sete abutres (1951).

Ao mestre, com carinho
- Uma coletânea das frases famosas do colunista:

Apesar de escrever com tanta propriedade sobre Zózimo, Santos diz que, nos tempos de Jornal do Brasil, quando o biografado foi seu editor no Caderno B, não chegaram a ser amigos. “Apenas colegas de trabalho. Zózimo era muito afável, educado, sedutor, boa praça, mas de outra turma. Vinha da classe média alta do Rio de Janeiro, mas sem tirar onda.”

Quem pensa em dinheiro não ganha dinheiro>>>>> Hoje quase não há mais famílias, só pessoas jurídicas>>>>> Novo-rico me incomoda muito, mas novíssimo-riquíssimo me incomoda muitíssimo mais ainda>>>>> O Nordeste bota turista pelo ladrão. O Rio bota ladrão para turista.>>>>>  Viver bem é você ter um tipo de pretensão do tamanho do seu bolso — mesmo com o risco de ficar a um passo da inadimplência.>>>>>  O problema de Brasília é o tráfico de influência. O do Rio é a influência do tráfico>>>>> Depois de uma certa idade, o homem da cintura para cima é poesia; da cintura para baixo, prosa >>>>> Brega é brega e não há nada a fazer. Chique é chique e não há nada a fazer.>>>>>  E o comunismo, hein? Foi-se.>>>>> Epitáfio de um hipocondríaco: “Eu não disse?”

TRÊS PERGUNTAS PARA

JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS

Como foi sua convivência com Zózimo?

Em 1983 fui para o Caderno B do Jornal do Brasil, que era editado por ele. Para ganhar um dinheiro extra, além de assinar a coluna, ele era responsável pelo caderno. Era um moleque, sacana, torcedor do Flamengo. Mas nunca pensei em escrever uma biografia dele. O convite veio do Jorge (Oakim), dono da Intrínseca, no momento em que estava saindo de O Globo, depois de 10 anos de coluna social – de notas – no mesmo espaço em que Zózimo escreveu. Achei uma boa ideia e quis aproveitar minha experiência para contar a história de Zózimo. Foi um trabalho de três anos e meio. Como sou repórter e há 45 estou apurando histórias no Rio de Janeiro, de alguma maneira esse trabalho já estava dentro de mim. Mesmo assim, foi um trabalho muito grande para focar na vida de Zózimo, na alta sociedade, que não era a minha experiência. Abri um leque. Fiz um livro contando a história do colunismo social no Brasil.

 

O que aconteceu com o glamour das colunas sociais?
Aos poucos foi morrendo. As pessoas perderam dinheiro. Algumas famílias daquela época, como os Marcondes Ferraz, estão sendo presas pela operação Lava-Jato. Esse glamour das grifes, dos salões foi se perdendo, e Zózimo parou de publicar. Percebeu também que (o colunismo) foi ficando de certo mau gosto, já que o Rio de Janeiro é uma cidade com diferenças sociais tão grandes. Por outro lado, também as pessoas e suas riquezas ficaram visadas pela bandidagem ou pela própria Receita Federal. Foi diminuindo o interesse.

Quando Zózimo saiu, foi substituído pela Hildegard Angel e, depois, por mim. Quando o jornal me contratou, era para fazer algo que não tivesse nada a ver com Hildegard Angel. Era um repórter de cidade. Misturei tudo: comportamento, notinhas, bastidor com gente de rua. No Rio, até gente de rua fica virando celebridade. Fui botando tudo. Era minha experiência de repórter e uma forma de dizer que acabou a coluna social. As pessoas inventaram outras maneiras de ser glamourosas. As celebridades entram no lugar dessas figuras e passam a ser os príncipes desses novos tempos. O padrão a ser invejado mudou. Hoje há mais possibilidades de se ter glamour. As colunas sociais foram substituídas pelas colunas de celebridade. Aí o nível baixou muito, com a valorização da vulgaridade,
da fofoca.
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Concorda com a ideia de Elisinha Moreira Salles de que o luxo do século 21 seria o anonimato?

Ela estava certa. As pessoas inteligentes que querem viver a vida fogem de paparazi, desse exibicionismo. O bacana é você ter sua grana, sua vida particular, seu sucesso, mas ter agenda longe dessa roda viva estressante. Mas o sucesso ainda é estar na mídia, estar cercado de muita gente. Acho que isso é a parte podre da fama. Elisinha estava certa. O bacana é você viver em seu canto, com seus prazeres longe dessas multidões idiotas do século 21.

 

Enquanto houver champanhe, há esperança - Uma biografia de Zózimo Barrozo do Amaral  
672 páginas
Autor: Joaquim Ferreira dos Santos
Editora: Intrínseca
Preço sugerido: R$ 69,90 (e-book R$ 34,90)