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Depois de 45 anos no mercado de BH, livraria Van Damme vai fechar as portas

Livreiro à moda antiga, proprietário lia três obras por semana para saber dar melhor indicação a seus clientes

Márcia Maria Cruz
Johan Van Damme, de 78 anos, veio da Bélgica para o Brasil ainda criança e garante ter lido 4,2 mil livros - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

Na segunda-feira que se seguiu ao Natal, Johan Van Damme, de 78 anos, atendia prontamente os leitores que chegavam à livraria que recebe seu nome, localizada na Rua Guajajaras, 505, no Centro de Belo Horizonte. Trajando camisa de mangas compridas dobradas até o punho, bem composta com calça social cinza, o livreiro apontava nas prateleiras os companheiros de uma vida inteira de trabalho: os livros. Ele afirma ter lido 4,2 mil livros, dos quais 500 indicou aos clientes, garantido leituras prazerosas.

A dedicação de Van Damme no pós-festa natalina seria por si só cena representativa para quem ama os livros. Ficou ainda mais emblemática por ser a última segunda-feira em que uma das livrarias mais antigas da cidade abriu as portas. Como anunciado pela família, depois de 45 anos no mercado editorial mineiro, a Livraria Van Damme fechará no próximo sábado. “É uma aventura diária viajar através dos autores de livros”, diz Van Damme sobre as cinco décadas dispensadas ao universo das palavras.

No ano de tantas perdas para a literatura – morte de Umberto Eco, Dario Fo, Ferreira Gullar, Imre Kertesz –, não é menos desolador ver chegar ao fim o ciclo de mais uma livraria na cidade. Atento aos lançamentos e conhecedor de vários clássicos, o livreiro conquistou a admiração pelas indicações à moda antiga. “Quem gosta, tem um lugar de aventura no livro.
Eu, que gosto, tinha prazer em passar para frente o que li”, diz Van Damme, ao mostrar uma das estantes, onde colocava os títulos que sugere aos inciantes.

Dos milhares de livros que leu, fez questão de compartilhar a experiência de um deles: Tuareg, da editora L&PM. O livro que mais indicou também foi o que mais vendeu: 10 mil exemplares. Exigente, de cada 100 lidos, apenas dois iam para a estante de suas indicações. Nascido em Elst, na Bélgica, veio para o Brasil ainda menino, com 10 anos, onde construiu família e tocou o negócio. Leitor contumaz – não lia menos de três livros por semana –,  começou “a mexer com livros há 51 anos”, como relata o filho.

A família explica que a decisão de encerrar as atividades se deve à necessidade de Van Damme ter mais tempo para si, uma vez que dedicava pelo menos 10 horas por dia à livraria. Tempo que ficava de pé, sempre pronto para atender quem chegasse. “Meu pai completou 78 anos. As pernas já davam sinais de cansaço. Chega uma hora em que tem que parar”, afirma o filho, Johan Van Damme Júnior, de 48.

A decisão de fechar as portas foi aventada há um ano. Além do cansaço do livreiro, outra motivação foi o fato de o mercado editorial não estar em um bom momento. Em março de 2015, a Mineiriana fechou as portas. Um ano depois, em fevereiro, foi a vez de a Livraria Status encerrar as atividades depois de 40 anos. “As livrarias perderam muita força.
Muitas delas, antigas e tradicionais, fecharam. Com a internet, Kindle, o livro vem perdendo um pouco de força. A Van Damme leu este cenário”, pontua o filho, que ficava na administração do negócio.

Van Damme Júnior não tem ideia de quantos livros foram vendidos desde que a livraria abriu as portas, em 6 de maio de 1971. “Ao fechar, temos que olhar de forma profissional. Se nos deixar levar pela emoção, não fecharemos nunca.” Se os livros são filhos dos autores, seguindo a analogia, as livrarias são o berçário onde as obras ficam até ganhar o mundo pelas mãos dos leitores. Fechar uma livraria não é uma tarefa fácil. O que fazer com os exemplares? A decisão de Van Damme pai foi doar parte do estoque. “Ele teve a ideia de enviar para presídios. Um amigo vai assumir o restante que sobrar. Fará um site para vender pela internet, mas sem o nome Van Damme.
Meu pai quis preservar a marca e o nome”, diz o filho, que trabalha com o pai há um quarto de século, desde 17 de fevereiro de 1992.

Na semana que antecipou o Natal, a procura foi grande. Para os amigos que Van Damme cultivou, ao longo de décadas, foi o momento para que pudessem se despedir do espaço. O imóvel já foi vendido. “Este dezembro, se não foi o melhor, foi um dos melhores da história da livraria. Muitas pessoas vieram para falar uma palavra de apoio. Ele recebeu muito carinho das pessoas.” O filho, que tem planos pessoais, decidiu não tocar o negócio de uma vida do pai. “A melhor lembrança que levo é do meu pai, que dedicou a vida inteira ao que ele amava. Fico feliz em tê-lo ajudado neste sonho”, conclui..