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Fluxo contínuo

Niura Belavinha lança hoje, em BH, livro que registra os 25 anos de sua trajetória

Carreira da artista é dedicada à pesquisa e à reflexão sobre a arte, com trabalhos em constante expansão

Márcia Maria Cruz
Fotos: Editora Cobogó/Reprodução do livro - Foto: Fotografia de Articulado espelho móvel Pampulha 2 (2005-2010), a partir de performance em BH
Quando tinha 13 anos, Niura Bellavinha foi fisgada pela fala de Amilcar de Castro numa aula de bi-tri. Aluna de um curso livre de arte na Escola Guignard, a menina estava na porta da sala onde o artista lecionava sobre a bi e a tridimensão. Ao ver a jovem curiosa, o artista a convidou para entrar, num gesto de reconhecimento da artista por vir. A trajetória de 25 anos dessa menina, hoje com 54 anos, é reconstituída no livro que leva seu nome, Niura Bellavinha, do crítico, curador e historiador da arte Paulo Herkenhoff. A obra será lançada hoje, em Belo Horizonte, na Quixote Livraria e Café. A menina não parou. Fez artes na Escola Guignard e se enveredou pela filosofia com as orientações de Sônia Viegas. Morou em Londres, Paris e Nova York, pintou, concebeu performances e filmes, tornando-se um dos nomes mais importantes das artes plásticas contemporâneas no Brasil.

A ideia de produzir o livro partiu de Herkenhoff e coincidiu com o interesse do colecionador Salim Mattar.
“É muito importante, uma ferramenta de trabalho”, diz a artista. Dos trabalhos sobre o Barroco mineiro ao média-metragem NháNhá, o livro apresenta de forma detalhada o trabalho de Niura, possibilitando a imersão necessária para quem acompanha a trajetória da artista mineira e para quem deseja fazer, pela primeira vez, uma incursão no universo criado por ela. Com trabalhos que passeiam por diferentes linguagens, Niura lembra que a pintura sempre é a base da qual ela parte.

“Paulo vinha escrevendo sobre o meu trabalho. Muito cuidadoso, ele cria cadernos para os artistas. Tinha cinco cadernos só com os meus trabalhos.” Para produzir o livro, além da pesquisa em andamento, Herkenhoff acompanhou a artista no ateliê e teve várias conversas. “Eram conversas muito boas, que sempre acrescentavam algo”, recorda Niura.

Ao olhar para a trajetória apresentada no livro, a artista pontua que é possível perceber como trabalhos de diferentes épocas ecoam um no outro. Um das obras apresentadas na publicação, Projeto aurora nasceu do fascínio da artista com a cor das casas de descendentes quilombolas  em um distrito de Diamantina. As casas eram de taipa. “No ateliê, a taipa é filtrada com água destilada e misturada com aglutinante, resultando em inúmeros potes”, descreve o curador sobre a técnica usada pela artista.

Esse trabalho traz uma coincidência muito significativa para Niura. Ela foi convidada para apresentá-lo numa exposição individual no Paço Imperial, no Rio de Janeiro. A artista foi surpreendida quando descobriu que o trabalho, que dialoga com a comunidade quilombola, seria exposto na sala onde foi assinada a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. “Abro esse trabalho com rodapé com as marcas dos pés dos artesãos do Vale do Jequitinhonha.”

Outra obra apresentada no livro é Meteoros, em que Niura pinta usando pó de meteoritos. Ligada à ideia de vida e morte, a obra é a forma que a artista encontrou para manter a presença do irmão.
Quando criança, a mãe a presenteou com uma caixa com vidro com um desenho de uma mão apontando para o cometa. A mão era do irmão, que faleceu uma semana depois, aos 5 anos de idade.

A obra que encerra o livro é o média-metragem NháNhá, de 2014, que nasceu de maneira inesperada. Numa viagem de férias a Minas Gerais, ela viu uma casa no alto do morro descascada e se encantou. “Não estava buscando nada. A casa me encontrou. Parecia uma visão.” Em seus trabalhos, Niura segue à risca a máxima de que vida e arte são uma coisa só. Por isso, se afeta com aspectos singelos do dia a dia e os transforma em arte. Depois dessa bem-sucedida experiência com o audiovisual, ela tem planos de realizar um longa-metragem.

O média-metragem mostra a casa no topo de um morro de terra, tomada por uma poeira vermelha. “NháNhá é a dimensão terrenal das entranhas de um lugar que não precisa de um acidente cósmico para se devastar, bastando o homem em sua voracidade para acelerar o Antropoceno, a era geológica e climática decorrente da intervenção humana sobre o equilíbrio de seu planeta”, escreve Herkenhoff.

Em função de NháNhá, foi convidada para fazer algo tendo como ponto de partida a tragédia no município de Mariana, quando, em 5 de novembro do ano passado, uma barragem se rompeu e uma onda de lama levou morte e devastação para o distrito de Bento Rodrigues, riscado do mapa, e outras localidades ao longo do Rio Doce. A artista foi até a localidade e colaborou no que pôde, mas não transformou o que viu em trabalho.
“Não quero ganhar nada na minha vida sem que eu possa dar em troca algo à altura”, diz. Niura questiona trabalhos que expõem a miséria ou as dores alheias. “É muito fácil chegar na casa de alguém muito rico que tem no quadro da parede a imagem de alguém faminto em algum lugar do mundo”, critica. Embora seja afetada por questões do dia a dia, ela não quer usar a miséria ou outras tragédias como “truque”. Prefere dialogar com as questões do seu tempo, sem explorá-las para seu próprio fim. O livro deixa claro esse princípio.


LANÇAMENTO

Hoje, das 11h às 15h, na Quixote Livraria e Café (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, (31) 3227-3077).


NIURA BELLAVINHA

. De Paulo Herkenhoff
. Editora Cobogó
. 280 páginas
. R$ 132.