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Livro introduz universo das artes plásticas para as crianças

A obra traz o registro de obras de dezenas de artistas brasileiros ao lado de sugestões de brincadeiras para recriá-las com variações ou reproduzi-las integralmente

Walter Sebastião
Obra de Guignard está entre as escolhidas pelas autoras para inspirar brincadeiras infantis - Foto: FOTOS: COBOGÓ/REPRODUÇÃO

Mais do que revelar, o nome Arte brasileira para crianças (Editora Cobogó) esconde o que talvez seja um dos volumes mais divertidos sobre o assunto já publicados no Brasil. Traz brincadeiras inspiradas nas obras de uma centena de artistas. Estão no livro as tranças de Tunga, os parangolés de Hélio Oiticica, os bordados de Arthur Bispo do Rosário. O volume inspira as crianças a fazer algo a partir dos métodos empregados pelos autores.

Com ênfase no lúdico, o livro acentua a diversidade de manifestações e expressões artísticas e a exuberância criativa da arte nacional. A generosa e plural seleção dos artistas – pelo afeto que carrega – acaba reunindo autores que, de fato, mexeram e mexem para valer com a imaginação do espectador.

O livro, como explica a coautora Isabel Diegues (ao lado de Márcia Fortes, Mini Kerti e Priscila Lopes), levou três anos para ser feito, entre sua idealização e a publicação. “O livro é uma aproximação com a arte brincando, não para formar artistas”, afirma Diegues, contando que também se evitou o pedagogismo. O ponto de partida foi a escolha das obras e, a partir delas, as autoras passaram a inventar as brincadeiras de olho no público bem jovem. “O desafio foi criar pequenas proposições, bem simples, que poderiam deflagrar interação com a obra”, explica.
A tarefa acabou envolvendo as próprias artistas e, algumas vezes, até suas famílias. Na equipe de autoras, quase todas têm filhos e convivem com crianças, além de ter muitas ligações com as artes visuais.

Fazer o livro rendeu muitas histórias. Maria Camargo, filha do escultor Sérgio Camargo, apresentou às autoras a escultura O caracol, que o pai fez para as filhas. Interessadas no tema do autorretrato, as autoras se lembraram de pequenas e delicadas esculturas de Efraim Almeida em que, no geral, ele está nu. Por prudência, perguntaram ao artista se ele tinha uma imagem com roupa. E ganharam uma aquarela como pediram. Motivo de muito riso, entre as autoras, recorda Isabel, foi ficar imaginando a cara de adultos ao ler, no livro, sugestão de ir ao ferro-velho, meter-se num local entulhado e empoeirado, acompanhado de uma criança, para catar sucata, material necessário à criação de obra inspirada em construções de Emanuel Nassar.

TESTE

Ao testarem as atividades, no parque Lage, no Rio de Janeiro, fez sucesso com a criançada a recriação de Desvio para o vermelho, instalação de Cildo Meirelles a partir de reunião de objetos na cor vermelha. Apareceu de tudo, conta Isabel. De copinho de danoninho até pimentões. Um garoto viu na ocasião oportunidade de se livrar de sapatilha vermelha que ele ganhou, achava horrível, mas, como explicou, ia ficar bem incorporada à obra. Igualmente divertido, acrescenta, foi a reconstituição de performance de Paulo Bruscky em que ele anda pela rua com um cartaz no pescoço onde se lê a frase: “O que é e para que serve a arte?”. A meninada repetiu o gesto com cartazes que traziam perguntas como: “Por que o Sol é quente?” “Quantas pessoas gostam de macarrão?” e outras afins, segundo conta a autora.

“Nossa vontade, ao fazer o livro, era criar um painel amplo sobre a arte brasileira e não só sobre a produção contemporânea. Então, artistas importantes, que têm obras emblemáticas e icônicas, estão no livro”, explica Diegues.
Guignard aparece seguido de sugestão de desenhar uma natureza-morta com frutas e legumes. Volpi com proposta de inventar uma obra com bandeirinhas. O livro mostra como fazer escultura de Amílcar de Castro em papelão. E até como construir máquina colorida, com mecanismo de relógios e pilhas, inspirada nas engenhocas de Abraham Palatinik, artista famoso por, pioneiramente, dar movimento real à imagem. Para criar essa peça é preciso autorização de adultos, aconselha um divertido aviso no alto da página.


No que se refere aos textos sobre os artistas, a aposta também foi na simplicidade. Em vez de contextualização histórica, “que as crianças não iam entender”, as autoras preferiram breve descrição sobre o modo como o artista trabalha. A velha pergunta “Isto é arte?”, conta Isabel Diegues, ganhou resposta aberta e que evita dogmas e teorização. “Isso é arte e aquilo também”, provoca, sem antagonizar modos tradicionais e experimentais. “O que vemos, diante da profusão de materiais usados pelos artistas, é a arte se apropriando de coisas mundanas com despudor que soa excêntrico no primeiro momento, mas depois se torna comum”, observa, colocando na origem do processo o ato de Marcel Duchamp (1887-1968) de deslocar objetos do cotidiano para o museu. O livro traz também glossário sobre termos ligados às artes visuais.

OFICINAS

Em alguns lugares, o lançamento de Arte brasileira para crianças foi acompanhado de oficinas.
“Na primeira delas, até fiquei apavorada com a concentração de mais de 40 crianças. Mas foi emocionante ver todos fazendo autorretratos”, recorda Isabel Diegues. A arte, em especial a contemporânea, e a diversidade de materiais que os artistas usam, como observa a autora, têm também uma dimensão lúdica. “Não é por acaso que Inhotim parece a Disneylândia, terra da fantasia que convida à imersão”, opina. A Editora Cobogó, que publica o volume, foi criada em 2008 por Isabel Diegues, Márcia Fortes e Ricardo Sardenberg (esse, hoje, não mais na empresa). Até agora, o selo se dedica somente às artes.

A linha infantil da Cobogó já tem em catálogo A gueixa e o panda, de Fernanda Takai, No estranho mundo de Jack, de Tim Burton, e Melchior o mais melhor, escrito por Vick Muniz e ilustrado por Adriana Calcanhoto. Para 2017, está previsto um livro sobre a artista mineira Sônia Gomes.

Três perguntas para...

Isabel Diegues
editora

Como avalia a produção para crianças sobre artes visuais?

Temos muitos livros que mostram estilos e temas, apresentando apenas um modo de fazer as coisas. Ou então biográficos. O que pode ser redutor. Gostaria de ver obras que não reduzissem as práticas artísticas, livros mais abrangentes, que estimulem aproximação com a arte, mas como possibilidade de pensamento, abertura de universo, descoberta de invenções e criações. Arte brasileira para crianças é um livro de brincadeiras que não obriga a criança a ver e gostar de arte. O risco da obrigação é a criança, quando adulta, odiar arte.

Qual é o perfil da Cobogó?

A Cobogó nasceu da constatação de que existia uma lacuna no setor de artes. As pessoas veem a cultura e as artes como algo secundário. Não é. É identidade, formulação de pensamento, entendimento da sociedade e do ser humano. Então, fazemos um trabalho de resistência, educação pela pedra, inventando um espaço de interesse pelo que fazemos. A dor de cabeça são os custos da publicação. O Brasil é um país enorme, com população grande, mas número de leitores muito pequeno, e o preço da publicação é alto. O prazer da atividade editorial é mergulhar na realização do projeto e em todo o processo que ele instaura – de questionamento, lapidações e potencialização de ideias.

Comente por favor a coleção dedicada ao teatro.

São livros de bolso, vendidos em livrarias, mas também em portas de teatro, incentivando as pessoas a ter o hábito de ler o texto a que assistiram. Quando vamos ao teatro, sentamos, as luzes se apagam e temos experiência de imersão, efêmera, que se transfere para a nossa memória. Acredito que ter o texto na mão oferece todos os ingredientes que ajudam a reativar ideias, sensações e sentimentos que experimentamos e gostaríamos de guardar.


Arte brasileira para crianças

. De Isabel Diegues, Márcia Fortes, Mini Kerti e Priscila Lopes
. Editora: Cobogó
. Preço sugerido: R$ 85.