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Gregório Duvivier lança 'Caviar é uma ova' em BH

Autor quer demolir certezas para incentivar a reflexão em novo livro, coletânea que reúne crônicas publicadas desde 2014

Márcia Maria Cruz
'Tento não escrever para os haters nem para os lovers. Tento pensar no leitor que ainda não formou a opinião', afirma Gregório - Foto: Sempre um Papo/Divulgação
Aos 30 anos, Gregório Duvivier tem voz e ressonância no debate público no Brasil. Tudo o que ele escreve se alastra como fogo na pólvora. Do canal Porta dos fundos, que surgiu de forma independente no YouTube com um humor que questiona da religião à política, ele se tornou colunista do jornal Folha de S. Paulo, publicando crônicas semanalmente.


Convidado para as comemorações dos 30 anos do projeto Sempre um papo, Gregório virá nessa quinta-feira, 24, a Belo Horizonte lançar Caviar é uma ova (Tinta da China), coletânea de crônicas publicadas entre 2014 e meados deste ano, período em que o Brasil passou por reviravoltas políticas dignas dos roteiros da série norte-americana House of cards. “Tem crônicas que tratam ainda do primeiro mandato da Dilma. É bom ver que são muito críticas ao governo dela. Depois passaram a criticar o que o governo sofreu, mas, no início, tinha espaço para você ser crítico sem estar necessariamente apoiando o processo de deposição dela”, afirmou.

Tataraneto de Augusto de Lima (1859-1934), governador de Minas e poeta simbolista que dá nome a uma das principais avenidas de Belo Horizonte, Duvivier diz que o papo é uma ciência e Minas é a sede da “papologia”. “A pessoa não nasce sabendo.

O mineiro tem essa tradição, é uma tecnologia social. Veja como Otto Lara Resende tem o know-how da conversa”, afirma. Por telefone, contou como lida com os haters na web, avaliou seu lugar de privilégio na fala por ser homem, branco, heterossexual e do Sudeste. Para ele, o Brasil passou por uma ruptura institucional e não haverá restabelecimento democrático a curto prazo.

GREGÓRIO por GREGÓRIO


Ele é pop

“Tento não escrever para os haters nem para os lovers. Tento pensar no leitor que ainda não formou a opinião, a maioria das pessoas. Procuro trazer para perto aquelas pessoas que se interessam pelo assunto política, que são muitas. Muitas pessoas não se interessam, acham chato, horrível, mas na verdade não entendem. É mesmo muito complicado. Não faz nenhum sentido mesmo, principalmente no Brasil. A tarefa nunca é explicar – esta não é a função do cronista –, mas dar um pouco da minha impressão, da minha confusão. Uma das funções do cronista é confundir onde está tudo muito certo, onde as pessoas têm muitas certezas. É fazer as perguntas certas.”

Foge dos textões

“Tento sempre fugir do textão, já tem tantos no Facebook dando opinião... Tento sair desse formato opinativo.

Busco recursos literários para fazer isso. Então, escrevo uma carta em nome de Jesus para um pastor. Acho que o Rio está caminhando para virar um califado ultrarreligioso. Melhor do que dizer isso com todas as letras é tentar criar uma realidade distópica daqui a 30 anos, na qual o Rio já virou esse califado. A literatura serve para isso. Em vez de explicar, ela já encena. Em vez de supor, ela dá a ver. Usa a hipérbole, a metáfora, a metonímia. Para falar com aqueles que estão correndo do assunto, tento usar recursos literários em vez de recursos argumentativos e opinativos.”

Não gosta de riso fácil
“Tento muito não fazer aquele humor que reforça estereótipos. Para fazer graça, é fundamental não repetir o que está sendo dito por aí.
Se está todo mundo fazendo piada do meme da semana, se está todo mundo rindo da mesma coisa, cabe à gente não fazer isso. A ideia é fazer vídeos que sejam novos e continuem engraçados. Fomos ver vídeos antigos do Porta (dos Fundos), e a gente acredita que vão continuar engraçados. Os vídeos não param de ser vistos. Temos vídeos de quatro anos atrás que não param de crescer. Tem vídeo com 20 milhões de espectadores – o Na lata e o Sobre a mesa, por exemplo.”

Admite ser privilegiado
“(Minha formação mais à esquerda) tem muito a ver com empatia. Tem a ver com olhar para a dor do outro e entender que existem certas coisas que nunca senti. Perceber-se privilegiado é o primeiro passo. O que você faz com isso é outro assunto. Minha posição de escrita é muito confortável: sou homem, branco, heterossexual, morador do Sudeste. Com um bocado de possibilidades de opressão. Sou atravessado por essas possibilidades. Não ser opressor é uma tentativa diária, de recusar esse papel que a sociedade me deu.”

Luta para evitar a barbárie

“Tive a sorte de ser cercado de pessoas esclarecidas, que nunca permitiriam o machismo, o racismo, o elitismo. Não teria a menor condição de ser qualquer uma dessas coisas. Porém, não julgo as pessoas que são assim. Tive a sorte de ter uma família e amigos que nunca me permitiram liberar esses instintos. É muito importante termos com o outro a paciência que tiveram com a gente. O pensamento mais progressista, no geral, não é instintivo. O instinto é a barbárie.”

Apoia as minorias por causa do irmão
“Não sei se (pensar sobre questões relativas às minorias) é um processo de desconstrução, porque sempre é a construção de alguma coisa. Clarice (Falcão, atriz e cantora, ex-namorada) foi fundamental, meus amigos do teatro, de modo geral, também. Foi uma construção empática de vários encontros na vida. Quando você tem um irmão (João, com síndrome de Apert) com uma síndrome raríssima, uma deficiência, é muito difícil não ser empático. Isso faz entender que a sociedade não é completamente justa e meritocrática, que algumas pessoas precisam, sim, de uma reparação do Estado. Se nasceram iguais, com as mesmas oportunidades, você pode acreditar em meritocracia. Mas as oportunidades são completamente diferentes.”

Não crê em mudança do Brasil a curto prazo

“O país passou por um processo muito radical de ruptura, acredito. Isso é muito grave para um país – e muito simbólico, inclusive mundialmente. Esse processo ficou muito mal para o Brasil. Uma presidente é deposta sem crime, assumiu um presidente cheio de crime e inelegível. A posse de um presidente inelegível, com certeza, vai ficar para a história como ruptura democrática. A ruptura não vem sozinha. No entanto, as ocupações são maravilhosas, milagrosas. Vão na contramão do que estamos vivendo no país. Que essas rupturas sirvam para a gente acordar e ocupar as ruas.”

CAVIAR É UMA OVA
De Gregório Duvivier
Companhia das Letras
168 páginas
R$ 34,90
Lançamento amanhã, 24/11, às 19h30, durante o projeto Sempre um Papo. Auditório da Cemig, Avenida Barbacena, 1.200, Santo Agostinho. Entrada franca (por ordem de chegada).

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