Eder Santos considera a mostra um manifesto de repúdio ao contexto que levou o Brasil a tempos piores do que os da ditadura militar. “Pelo menos os militares não proibiram o ensino de arte e cultura nas escolas”, observa. “Chegamos a um ponto que nem precisamos mais de militares para dar um golpe”, lamenta.
“Meu trabalho sempre teve um sentido político”, explica Santos. “Obras com o imaginário religioso, por exemplo, ganham sentido mais político em tempos de crescimento da bancada fundamentalista, perseguição aos cultos afro-brasileiros e aos homossexuais”, argumenta. “O sincretismo religioso brasileiro carrega a hipótese da mistura de ideias e do respeito recíproco, o que, hoje, está completamente ameaçado”, lamenta. Santos reconhece que a religiosidade é tema recorrente em seu trabalho. “Vem do nosso barroco, do que existe nele de conexão entre o religioso e o profano”, observa, contando que a exuberância dos templos do século 18 o encanta desde menino.
Outro tema recorrente na obra de Eder Santos são as múltiplas evocações às cidades do interior e às vivências das populações interioranas. “Nem sei se Belo Horizonte deixou de ser cidade do interior. Em 20 minutos, saindo da capital, estamos numa fazenda”, observa, indicando que o tema está presente na instalação Cinema. “Acho ótimo tal vizinhança da natureza, não tenho paciência para cidade grande”, justifica.
Eder Santos volta a expor em Belo Hoizonte depois de nove anos. “Fazer exposição é bom, mas só de vez em quando.
PIONEIRISMO
Eder Santos já foi apontado como o artista que inventou a videoarte brasileira. Ele olha com desconfiança para a referência. Até reconhece a singularidade da produção de Belo Horizonte, mas prefere creditar as inovações a um grupo que reuniu vários artistas a partir da metade dos anos 1980. “A diferença em relação ao que se fazia em outras partes do Brasil foi que começamos a trabalhar o vídeo como arte. Fazíamos experimentação estética em tempos que outros tinham como referência maior a criação de uma televisão independente”, analisa.
Formado em belas-artes e comunicação visual pela Universidade Federal de Minas Gerais, começou a carreira em 1983, realizando vídeos sobre obras e processos criativos de outros artistas. Seu trabalho tornou-se gradativamente mais autoral, com interferências sobre as imagens, as narrativas e o ritmo delas. Se no início o uso de ruídos tensionava a linguagem videográfica tradicional, aos poucos transforma-se em experimentos com projeções sobre as mais diversas superfícies.
Na exposição, obras que trazem comentários sobre personagens ou contextos convivem com outras, mais recentes, voltadas para temas como a memória, o tempo, a sexualidade etc. Eder Santos sugere que essas questões, assim como os distintos estados psíquicos, deixam marcas, físicas, sobre as imagens e as superfícies. Ao mesmo tempo, o artista tem se dedicado à construção de aparelhos videográficos, de enorme potência lúdica, postas a serviço da criação de imagens irônicas ou dramáticas, cujos motes têm sido afinidades e desencontros entre realidade e ilusão, entre o que se ouve (ou se lê) e o que se vê na tela.
Ao longo do tempo, Santos tem se dedicado à criação de uma visualidade que transita entre o bidimensional e o tridimensional, porosa aos mais diversos temas, desde o encanto com a imagem em movimento em si até reticências, ácidas e muito críticas, ao uso dela.
ESTADO DE SÍTIO
Instalações e gravuras de Eder Santos, curadoria Solange Farkas. Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. De terça a sábado, das 9h30 às 21h; domingo, das 16h às 21h. Até 22 de janeiro. Entrada franca..