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Eder Santos abre exposição que é um comentário ao Brasil atual

Com instalações e gravuras, mostra 'Estado de sítio' ocupa a Grande Galeria do Palácio das Artes; curadoria é de Solange Farkas

Walter Sebastião
Eder Santos/divulgação - Foto: Eder Santos/divulgação
“Estou fazendo uma exposição que fala do momento que estamos vivendo. Voltamos a um estado de exceção. O que estamos vendo, nesta quarta (23), no Brasil, é um desrespeito total à democracia”, afirma Eder Santos, de 56 anos. O artista multimídia alinha como exemplos desde a deposição da presidente Dilma Roussef até o fim de programas sociais e culturais, passando por ataques aos direitos civis e o estímulo à intolerância religiosa. Toda essa situação está estampada com todas as letras no título da exposição que pode ser vista a partir de hoje, na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes: Estado de sítio. Estão na mostra cinco instalações: Cascade, Todos os santos, A casa dos sinais flutuantes, Distorções contidas e Cinema (este em parceria com Leandro Aragão).

Eder Santos considera a mostra um manifesto de repúdio ao contexto que levou o Brasil a tempos piores do que os da ditadura militar. “Pelo menos os militares não proibiram o ensino de arte e cultura nas escolas”, observa. “Chegamos a um ponto que nem precisamos mais de militares para dar um golpe”, lamenta.
O cineasta acredita ser positiva a oposição artística ao governo Temer. “Há muitos nesta luta, inclusive eu”, avisa. O titulo da mostra vem de um trabalho de 2006, projetado para a Bienal de Havana, mas que não foi aprovado. Ele suspeita que  a reprovação ocorreu por trabalhar com o nu masculino. “Se fosse um nu feminino, seria mais facil aprovar”, observa.

“Meu trabalho sempre teve um sentido político”, explica Santos. “Obras com o imaginário religioso, por exemplo, ganham sentido mais político em tempos de crescimento da bancada fundamentalista, perseguição aos cultos afro-brasileiros e aos homossexuais”, argumenta. “O sincretismo religioso brasileiro carrega a hipótese da mistura de ideias e do respeito recíproco, o que, hoje, está completamente ameaçado”, lamenta. Santos reconhece que a religiosidade é tema recorrente em seu trabalho. “Vem do nosso barroco, do que existe nele de conexão entre o religioso e o profano”, observa, contando que a exuberância dos templos do século 18 o encanta desde menino.

Outro tema recorrente na obra de Eder Santos são as múltiplas evocações às cidades do interior e às vivências das populações interioranas. “Nem sei se Belo Horizonte deixou de ser cidade do interior. Em 20 minutos, saindo da capital, estamos numa fazenda”, observa, indicando que o tema está presente na instalação Cinema. “Acho ótimo tal vizinhança da natureza, não tenho paciência para cidade grande”, justifica.

Eder Santos volta a expor em Belo Hoizonte depois de nove anos. “Fazer exposição é bom, mas só de vez em quando.
Dá muito trabalho”, comenta. A fachada do Palácio das Artes pichada é um gesto de solidariedade do artista com os pichadores que estão presos.

PIONEIRISMO


Eder Santos já foi apontado como o artista que inventou a videoarte brasileira. Ele olha com desconfiança para a referência. Até reconhece a singularidade da produção de Belo Horizonte, mas prefere creditar as inovações a um grupo que reuniu vários artistas a partir da metade dos anos 1980. “A diferença em relação ao que se fazia em outras partes do Brasil foi que começamos a trabalhar o vídeo como arte. Fazíamos experimentação estética em tempos que outros tinham como referência maior a criação de uma televisão independente”, analisa.

Formado em belas-artes e comunicação visual pela  Universidade Federal de Minas Gerais, começou a carreira em 1983, realizando vídeos sobre obras e processos criativos de outros artistas. Seu trabalho tornou-se gradativamente mais autoral, com interferências sobre as imagens, as narrativas e o ritmo delas. Se no início o uso de ruídos tensionava a linguagem videográfica tradicional, aos poucos transforma-se em experimentos com projeções sobre as mais diversas superfícies.

Na exposição, obras que trazem comentários sobre personagens ou contextos convivem com outras, mais recentes, voltadas para temas como a memória, o tempo, a sexualidade etc. Eder Santos sugere que essas questões, assim como os distintos estados psíquicos, deixam marcas, físicas, sobre as imagens e as superfícies. Ao mesmo tempo, o artista tem se dedicado à construção de aparelhos videográficos, de enorme potência lúdica, postas a serviço da criação de imagens irônicas ou dramáticas, cujos motes têm sido afinidades e desencontros entre realidade e ilusão, entre o que se ouve (ou se lê) e o que se vê na tela.

Ao longo do tempo, Santos tem se dedicado à criação de uma visualidade que transita entre o bidimensional e o tridimensional, porosa aos mais diversos temas, desde o encanto com a imagem em movimento em si até reticências, ácidas e muito críticas, ao uso dela.
Eder Santos já realizou exposições individuais na Arco de Madrid, (Espanha, 2009), no Centro Cultural Banco do Brasil (RJ, 2010), entre outras. Seus vídeos integram acervos de instituições como o Museum of Modern Art (Nova York) e o Centre Georges Pompidou (Paris).

ESTADO DE SÍTIO


Instalações e gravuras de Eder Santos, curadoria Solange Farkas. Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard do Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. De terça a sábado, das 9h30 às 21h; domingo, das 16h às 21h. Até 22 de janeiro. Entrada franca..