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Pedro Motta traz 'Estado da natureza' para Casa da Fotografia de Minas

O fotógrafo apresenta 70 trabalhos em que registra paisagens alteradas pela ação do homem, numa narrativa sobre 'a força humana contra a força da natureza', segundo define

Walter Sebastião
Naufrágio calado #4 é um dos trabalhos expostos na individual do fotógrafo na CâmeraSete, que terá abertura nesta quinta para convidados - Foto: PEDRO MOTTA/DIVULGAÇÃO

Pedro Motta, mineiro de Belo Horizonte, de 39 anos, é um dos mais respeitados fotógrafos brasileiros, com um currículo de exposições realizadas no Brasil e no exterior. Ha cinco anos ele decidiu viver em São João del-Rei (MG). Foi lá que produziu a maioria das 70 obras que apresenta a partir de sexta, na exposição Estado da natureza, na CâmaraSete. Trata-se da maior mostra individual do autor, que exibe as séries Flora Negra, Sumidouro, Falência #2, Naufrágio calado, Paisagem transposta, além de um objeto, A vida privada de las plantas. A presença dessa última obra na mostra sinaliz a que, depois de experimentar com fotos construídas e intervenções sobre a imagem, Pedro Motta toma o caminho artístico em direção ao objeto.

A troca da capital pelo interior como local de residência deixou-o mais distante do circuito de arte, diz o fotógrafo. “O que é um pouco angustiante. Direcionei o isolamento para a minha pesquisa”, conta. Se aspectos mais urbanos ganhavam espaço nas obras realizadas em Belo Horizonte, o olhar agora se volta para terrenos destruídos pela ação humana, a interpelação das noções de progresso e ordem, a criação de imagens fantásticas que aludem à ocupação das Américas.
Isso se traduz em imagens de barcos em regiões desérticas, terrenos (explorados por mineradoras) desmanchando-se e a evocação de personagens de Aguirre, a cólera dos deuses (1972) e Fitzcarraldo (1982), ambos filmes do alemão Werner Herzog.


O fotógrafo vê em sua própria obra muitos motivos enredados. Entre eles estão os ciclo da vida, a meditação sobre o percurso humano, a tensão entre forças distintas. As fotos de Motta consistem em imagens que articulam narrativas, tempos, conflitos, escalas, dramas, na busca de um resultado que intrigue quem as vê. Por isso mesmo, Pedro Motta evita, por exemplo, subscrever a visão de vaginas em erosões dos terrenos. “Cada um vê o que quer. Essa aproximação da imagem com o íntimo do espectador é a espoleta que dispara a relação com a obra. Podem ser vaginas, mas também cicatrizes, cortes, fragmentação e até corpos sobre corpos. São imagens muito orgânicas”, observa.

“Meus trabalhos são diálogos com o local onde foram realizados”, acrescenta o fotógrafo, considerando que o in loco é algo essencial em seu processo de criação. “Não sou fotógrafo que fica carregando a câmera, mas um espectador voraz de tudo”, define-se. Eleita a situação, ele faz fotos já pensando no que precisa para construir a imagem final. O andamento do trabalho, reconhece, anda extrapolando o elemento fotográfico pela adição de desenhos, terra, carvão e, agora, objetos. “É desejo de dar matéria à fotografia”, observa o autor.

O colombiano José Roca, curador da exposição, estará em Belo Horizonte para a abertura, amanhã à noite. Ele foi curador adjunto de arte latino-americana da Tate Gallery (Londres) e diretor artístico da edição 2010 do festival Philagrafika, na Filadélfia (EUA).
Foi, ainda, curador-chefe da 8ª Bienal do Mercosul (2011), integrou o júri da 52ª Bienal de Veneza e esteve em comissões curatoriais de diversas bienais. É o fundador do Flora ars%2bnatura, na Colômbia, que trabalha com programas de residência dedicados à arte contemporânea.

A seguir, Pedro Mottta fala sobre três aspectos essenciais de seu trabalho:

PAISAGEM O eixo da pesquisa é a paisagem, a modificação da paisagem. “Me deixa intrigado ver um lugar e, ao voltar, perceber que ele foi modificado pelo tempo, pelo ser humano, pelos bichos.” Os trabalhos carregam um conteúdo melancólico, que vem do modo como o mineiro olha a paisagem. Existe uma contemplação que os mineiros associam a um momento que já acabou e que se fica tentando recuperar.

ESTRANHAMENTO  Sempre trabalhei criando estranhamentos que deixam dúvida se o que está na imagem é ficção ou não. Estão nas imagens sutilezas que mostram transformações da paisagem e até um certo caos revelador da presença humana se alastrando. É a força humana contra a força da natureza. Há quem veja no meu trabalho uma pegada ecológica, mas considero-o como uma conversa com a escultura, o desenho, a manipulação de escalas.

SÉRIES A imagem tem autonomia, mas gosto de reforçar a questão do trabalho em séries. Isso dá um corpo à proposta. Uma repetição que tem algo meio mântrico que, à medida que se repete, vai colocando um ritmo. É um vai e volta que tem a ver com o modo como observamos a paisagem, como percebemos as transformações dela – que pode ser sutil ou mais agressiva.

Estado da natureza
Trabalhos de Pedro Motta, curadoria de José Roca.
A partir de sexta-feira. CâmaraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais, Avenida Afonso Pena, 737, Centro, (31) 3236-7400. De terça a sábado, das 9h30 às 21h. Até 15 de janeiro de 2017. Entrada franca.
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