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Projeto Favelagrafia quebra clichês e estigmas sobre o Rio de Janeiro

Morros cariocas foram fotografados por nove moradores sob um novo enfoque. Trabalhos estão expostos em rede social e no Museu de Arte Moderna do Rio

Cecília Emiliana
Certos clichês brasileiros já caíram do pé de tão apodrecidos, mas sobrevivem.
A dupla “cartão-postal com Ipanema e noticiário policial com favelas” é certamente um dos mais antigos e injustos. Felizmente, há mais pessoas empenhadas em enterrá-los do que se imagina, propagando por aí um olhar mais plural, digno da complexa beleza do Brasil e do Rio de Janeiro. Parte desse pessoal trabalha no projeto Favelagrafia.

Empreendida pela agência NBS, a iniciativa fotografa os morros cariocas sob um enfoque distante dos clichês. Para tanto, recrutou uma equipe de nove fotógrafos, moradores de nove diferentes comunidades: Alemão, Santa Marta, Rocinha, Providência, Prazeres, Mineira, Cantagalo, Babilônia e Borel. Cada um deles recebeu um iPhone SE para fazer os registros, que começaram sendo exibidos no Instagram e, desde o último dia 5, estão em exposição no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro. A mostra vai até 4 de dezembro.

“A ideia é educar o olhar das pessoas para enxergar as favelas do Rio para além da violência, do tráfico e da miséria, que nem de longe fazem jus à face verdadeira que elas têm. E quem mostra isso para as pessoas, claro, são os próprios moradores”, explica André Havt, um dos idealizadores da empreitada.

Foi com um clique feito por Anderson Valentim, escalado para clicar o Morro do Borel, que o projeto começou a ganhar o mundo.
É dele a imagem de maior repercussão nas redes sociais, compartilhada por mais de 5 mil pessoas no Instagram – incluindo artistas como Rogério Flausino, da banda Jota Quest – que mostra meninos da Favela do Turano empunhando instrumentos musicais em vez de armas, como se “lutassem com poesia”.

- Foto: Anderson Valentim/Projeto Favelagrafia/Divulgação VOZ “O Turano não faz parte do roteiro do Favelagrafia, mas quis fazer aquela foto porque conheço os instrumentistas. Eles tocam jazz e, eventualmente, se reúnem para fazer um som, embora não formem uma banda. Sinto como se eu estivesse dando voz à galera do morro, cansada de se ver tão mal representada”, explica o fotógrafo e morador do Borel.

Anderson conta ainda que o projeto acabou transformando não só o olhar dos apreciadores de seu trabalho e de seus colegas, como também o dele próprio. “Sou uma outra pessoa depois dele. Fui moldado para querer me afastar do morro. Estudar, trabalhar, tudo para sair de lá. Eu me reeduquei. Para fotografar o Borel, onde cresci, tive que redescobrir minha comunidade. Passar por lugares onde há muito tempo eu não passava, revisitar locais em que passei a infância”, conta o jovem, que atualmente trabalha como segurança, estuda design gráfico e quer fazer carreira atrás das câmeras. “O projeto me ajudou nisso também. Meu olhar como fotógrafo também foi moldado com o Favelagrafia. Descobri que não consigo ser fotógrafo só de arquitetura. A poesia, para mim, tem que ter gente.”

Incentivada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, com patrocínio do Consórcio Linha 4 Sul, a iniciativa promete frutos para 2017.
“Não imaginávamos ir tão longe. Chegar até o MAM já nos deixou bem satisfeitos. Mas estamos prontos pra seguir com o projeto aonde for. Muitas pessoas, por exemplo, demonstraram interesse em adquirir as fotos. Estamos pensando em vendê-las e converter 100% da renda para os fotógrafos. Existe também a possibilidade de continuarmos o projeto envolvendo outras favelas”, afirma André Havt..