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Vencedores de concursos de literatura revelam origem de pseudônimos

As alcunhas são usadas para que o júri não identifique os autores dos textos literários

Pedro Galvão
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Sileno, Santiaga Nascaná, Beto Andrade e Ell Lopes. Os nomes poderiam ser de intrépidos personagens de um livro qualquer, mas se trata dos autores premiados pela Fundação Municipal de Cultura na edição deste ano dos prêmios literários Cidade de Belo Horizonte e João de Barro.

As alcunhas, na verdade, são os pseudônimos usados pelos escritores para que o júri não os identifique. Criado em 1947, como parte do cinquentenário de BH, o concurso é destinado a obras inéditas e tem como objetivo revelar novos escritores e fomentar a literatura.

Os prêmios são dados em quatro categorias. O João de Barro, que é bienal, contempla temáticas infantojuvenis em versões literárias e ilustradas, enquanto o Cidade de Belo Horizonte elege o melhor texto dramático e o melhor romance.

A edição de 2016, que recebeu textos entre janeiro e maio deste ano, comprovou a abrangência da iniciativa ao anunciar seus premiados no último dia 7. O time de vencedores incluiu desde autores de primeira obra a habitués de concursos e premiações.


Beto Lopes foi como se apresentou Luiz Eduardo de Carvalho, autor do romance Xadrez, vencedor do Cidade de Belo Horizonte. Foi o nono concurso literário disputado pelo paulista de Tatuapé, que já tem dois livros publicados e um prêmio conquistado. Formado em publicidade, sempre atuou nas áreas da comunicação, política e educação antes de começar a se dedicar à literatura, segundo ele, na hora certa.

“Fiz questão de aguardar o momento da vida em que eu pudesse observar as coisas mais a par das paixões da vida. Agora, depois dos 50 (anos), me dedico totalmente à literatura e os prêmios são o reconhecimento dessa paciência”, explica o autor.

O texto conta a história de um português que vem ao Brasil após a queda da ditadura salazarista, da qual ele era apoiador.

Por aqui, ele encontra um país que também se encaminhava para a volta da democracia, embora essa possibilidade fosse vista com muito ceticismo por parte do estrangeiro.

Adversário Velho e adoentado, ele mal se levanta da cama e decide então participar de um jogo de xadrez a distância, via correspondências. Seu desconhecido adversário é um presidiário do Ceará, antagonista também nas posições relativas à política. O título de cada capítulo leva as coordenadas da jogada de cada um deles. O tabuleiro imaginário nas cartas é também a plataforma para outros mistérios e conexões entre os dois.

Luiz Eduardo escolheu seu pseudônimo de forma aleatória. Ele usa um para cada concurso de que participa. Já o gaúcho Marcus de Martini foi criterioso ao usar o nome de Sileno, o líder dos sátiros que seguiam o ébrio Dionísio na mitologia grega, para assinar sua obra O gigante, premiada com o Cidade de Belo Horizonte na categoria dramaturgia.

Ninguém melhor que o personagem para contar aquilo que o próprio autor define como uma “comitragédia satírica”. “A tragicomédia parte da tragédia para um final cômico. Minha peça vai no caminho inverso e não deixa de ser uma sátira”, explica Martini, que até então tinha uma carreira dedicada à academia no campo das letras, como professor de literatura na Universidade Federal de Santa Maria.

Sátira
A obra de estreia do autor faz uma sátira ao atual cenário político brasileiro, com a trama sobre um reino invadido por um gigante. Na tentativa de conter a terrível ameaça, lideranças opostas ao rei se organizam e acabam usurpando o trono. “De forma alguma a obra tem um teor panfletário, é um debate crítico a respeito dessa posição crítica que devemos ter, não necessariamente sobre uma pessoa, mas sobre a classe política em geral. É uma comédia”, explica o autor, que diz ter começado a escrever a peça há três anos, quando Dilma Rousseff ainda exercia seu primeiro mandato como presidente.

Fatos reais também serviram de inspiração para o cearense Edson Lopes em sua obra Home de lata, vencedora do Prêmio João de Barro na categoria texto literário. Ele escolheu o pseudônimo Ell Lopes apenas pela semelhança fonética com o próprio nome,

Lopes criou sua fantasia a partir da história real do robô enviado a Marte pela equipe da engenheira aeroespacial brasileira Jaqueline Lyra, da Nasa. A máquina ganhou os noticiários, na década de 1990, por ter seu sistema operacional “despertado” pelo samba Coisinha do pai, popular nas vozes de Jorge Aragão e Beth Carvalho.

O robô é o personagem principal da ficção, mas, em vez de Marte, ele cai na Terra, num lugar semiárido qualquer, que lembrava o Planeta Vermelho.
Em sua frustrada missão, ele conhece um garoto de quem vira amigo. A aproximação entre eles começa a tornar a máquina cada vez mais humana.

Diferenças
O outro João de Barro, da categoria livro ilustrado, premiou uma mulher. A artista Aline Senra foi “batizada” pelo filho de 8 anos como Santiaga Nascaná para assinar Quase ninguém viu. “Falei com ele que precisava de um pseudônimo, ele perguntou o que era isso, eu expliquei e, de primeira, ele sugeriu esse nome”, explica a ilustradora, que já publicou sete livros anteriormente, mas sem nunca participar de um concurso.

A história, contada em gravuras e textos, é sobre uma perereca que vive em uma bromélia com sua família até que acaba caindo de lá e indo viver com pererecas diferentes dela em outra bromélia. Na aventura traçada para reencontrar os seus, ela encara vários questionamentos sobre as diferenças e as individualidades.

“É um livro para todas as idades, tem um apelo visual muito forte para crianças menores, mas a temática tem várias camadas de leitura. Ele mostra que temos que estar muito atentos para perceber pequenas coisas, tanto na literatura quanto na natureza” define a autora.

Premiação
Cada um dos premiados recebe uma quantia de R$ 50 mil. Os vencedores foram escolhidos por uma comissão julgadora formada por 12 especialistas. Ao todo, 961 autores se inscreveram. Responsável pela realização do concurso, a Fundação Municipal de Cultura (FMC) se mostra satisfeita com a diversidade do resultado. “A gente ouve falar que novas tendências midiáticas vão suplantar a literatura, e esse concurso mostra como ela segue firme, contando histórias e mostrando vanguardas.
Essa é a função do prêmio e por isso ficamos orgulhosos de fazer parte de uma política pública tão importante”, afirma Leônidas Oliveira, presidente da FMC.

No ano que vem, o Cidade de Belo Horizonte terá uma categoria voltada para poesia, no lugar da dramaturgia. O edital será divulgado no dia do aniversário da capital, em 12 de dezembro. O prêmio João de Barro voltará a ser disputado em 2018.

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