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A segunda vida dos bailarinos

Bailarinos seguem caminho em outras áreas de trabalho após limitações impostas pela idade

A carreira na dança se transforma com o tempo e com as limitações físicas impostas pela idade. Alguns veteranos de BH contam como lidam para manter a atividade viva

Márcia Maria Cruz
- Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Quando o corpo não responde prontamente ao plié, o bailarino inicia o flerte com outras áreas. No balé clássico, o auge da carreira é por volta dos 35 anos, idade em que se tem muito a realizar, mas que pode ser também o momento de se decidir por outros rumos devido às limitações do físico, que começam a aparecer. Pelo tempo curto da carreira, depois de anos dedicados aos movimentos, bailarinos e bailarinas partem para outros palcos. É o caso de Paulo Babreck, de 64 anos, que migrou para a marcenaria, Valéria Bhering, que se encontrou na fisioterapia e pilates, Jacqueline de Castro, de 58, na produção cultural, e Dulce Beltrão, de 78 anos, no ensino da dança.

Paulo dedica o tempo para a produção de luminárias e outros objetos na oficina de marcenaria que mantém na garagem de casa. “Fico de três a quatro horas lá, mas não quero ficar escravizado. Faço pelo prazer”, diz. Foram 43 anos dedicados à dança como bailarino e coreógrafo. Em sua trajetória, estão o Balé Guaíra, de Curitiba, Primeiro Ato e o Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart), da Fundação Clóvis Salgado, onde ficou por 23 anos até 13 de novembro do ano passado.
A vocação para o movimento vem desde a juventude, quando a capoeira foi a porta de entrada para a dança. Tantos anos dedicados à construção de uma linguagem corporal fazem dele um bailarino apaixonado por marcenaria. “Não tem como desprezar isso. Foram 43 anos fazendo a mesma coisa. Meu corpo não é corpo de marceneiro. É um corpo que foi trabalhado. É um corpo de bailarino na marcenaria”, afirma.

Mesmo optando por outras áreas, algumas sem relação direta com a dança, a memória corporal não se apaga. A formação de Jacqueline de Castro, de 58 anos, é em dança moderna, mas, com o passar do tempo, ela percebeu que, além da execução dos movimentos, ajudar a promover a dança na cidade também lhe fascinava. “Aos poucos me apaixonei por outras funções”, diz sobre a atuação de 20 anos no Primeiro Ato, onde ficou até 2011. Quando saiu, resolveu abrir negócio próprio, uma lavanderia.

No entanto, a expertise como bailarina e professora a tornaram solicitada para a produção de eventos artísticos, tanto de grupos mineiros como de outros estados. Ela se encontrou na produção do Horizontes Urbanos – mostra de dança contemporânea em espaços urbanos –, que será realizado na primeira semana de dezembro nas estações do BRT/Move; e o Festival 1,2 da Dança, mostra internacional de solos e duos, que já está na 13ª edição. “Sinto-me realizada criando possibilidades para que a dança aconteça.”

Mas ainda assim, as marcas da dança são indeléveis. “Nunca encontrei em outra atividade física a sensação que a dança me dava.
Mesmo que o corpo não responda do mesmo jeito, essa sensação caminha comigo. Não estou bailarina, mas sou”, diz, lembrando que seu trabalho como produtora cultural está 90% voltado para essa arte. “Não tenho vida separada da dança.”

A mesma paixão é compartilhada por Valéria à frente do Centro Artístico da Dança. Depois de anos como bailarina, há 14 anos, resolveu se dedicar ao ensino da dança. Nessa transição, se interessou pelo pilates e daí foi um pulo para a graduação em fisioterapia. “Queria trabalhar com dança, por isso busquei melhores metodologias de ensino.” Hoje, aos 56 anos, ela lembra que deixou a carreira de bailarina aos 30 por desejo de investir em outra área e não por limitações da idade. Sempre que pode, volta às aulas de balé. Quando a rotina no centro estava muito pesada, ela procurou aula de salão em outra escola.

Aos 78 anos, Dulce Beltrão também lembra com carinho do tempo de bailarina, embora tenha se encontrado no ensino da dança. De aluna de Carlos Leite, rapidamente tornou-se assistente. “Era mais intérprete do que técnica.
Mas o balé está na minha vida desde os 10 anos”, diz ela, que dirigiu uma escola por muitos anos.

Movimento O espetáculo Enfim!, do coletivo Movasse, trata do processo de envelhecimento dos bailarinos e foi apresentado dentro das comemorações de 10 anos do grupo, em setembro. “Falamos do bailarino maduro e como é lidar com a dança. Nós do coletivo estamos nesse lugar”, afirma Fábio Dornas, de 48 anos, cofundador do coletivo. Ele lembra que, com o passar do tempo, o bailarino não executa os movimentos com a mesma virtuose, mas o corpo torna-se mais sábio. “A virtuose na maturidade é usar menos a força, mas ter mais habilidade para canalizá-la. E o Enfim! assume isso em cena”, diz.

Para ele, no balé clássico, é mais difícil que o bailarino se mantenha nos palcos depois do 40, mas na dança contemporânea não há limites de idade. “Temos bailarinos de 60 anos na dança contemporânea”, diz em referência a integrantes da companhia de Pina Bausch (1940-2009).

TRÊS PERGUNTAS PARA
Lina Lapertosa
bailarina e professora Cia. de Dança do Palácio das Artes

É mais difícil parar ou começar a dançar profissionalmente?
As duas situações são difíceis. Para mim, parar está sendo mais difícil. Quando comecei, as coisas fluíram. Dançar é um vício. É difícil sair da dança e ela sair da gente. O tempo de parar depende de cada dança. O balé clássico de repertório tem tempo determinado, em função do desgaste físico e das articulações que causa. Mas a dança contemporânea permite ao bailarino dançar enquanto ele mover os olhos. O bailarino japonês Kazu Ohno dançou até os 94 anos.

Tendo em vista que, a exemplo do jogador de futebol ou as modelos de passarela, o bailarino também tem um tempo de vigor físico, como deve planejar a carreira?
Na dança clássica, ele tem que se programar. Com a idade, perde potência muscular, energia e agilidade, embora ganhe outras coisas. O bailarino amadurece e percebe quando já não dá mais conta, quando o joelho não aguenta mais. Comecei no balé clássico, onde fiquei por 30 anos, depois fui para o contemporâneo, onde estou há 16. O tempo de parar depende de cada um e de como se sente realizado com o que está fazendo. Se estiver produzindo e criando, não tem porque parar. Dancei clássico por muitos anos, mas, por uma artrose no metatarso, encontrei outros jeitos para dançar. Transformamos as possibilidades.

O que bailarinos levam da dança para outras áreas?
A dança promove tantas habilidades, como desenvolver de forma equivalente os dois hemisférios do cérebro. Também amplia a percepção de espaço. Outro ganho é a criatividade, que o ajuda a transpor problemas. São tantos os benefícios que fica difícil listá-los.
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