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Nome das artes plásticas, Joaquim Paiva mantém acervo com 3 mil trabalhos

O artista dialoga com o mundo por meio das imagens. Pioneiro, preferiu retratar Brasília como paisagem humana em vez de vitrine da arquitetura modernista

Walter Sebastião

Fotos de Brasília destacam a gente que ajudou a construir o marco modernista no meio do cerrado - Foto: Joaquim Paiva/acervo


O nome de Joaquim Paiva pode até ser pouco conhecido, mas ele é uma personalidade das artes no Brasil, considerado o maior colecionador privado de fotografia do país. “Já gostei de ouvir isso, mas hoje acho muita responsabilidade. Criam-se mitos que podem não ser verdade. Prefiro que digam que a coleção é importante”, avisa.


Fotógrafo, Joaquim reuniu cerca de três mil trabalhos – 70% de autores brasileiros. Dois terços de sua coleção estão depositados, em regime de comodato, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ). Hoje à noite, ele fará palestra na Galeria Dotart.


“Vou falar da minha experiência de vida com a fotografia”, explica. Essa paixão começou em 1970, quando ele foi para Brasília trabalhar no Itamaraty. Ficou incomodado com cidade, que parecia maquete.

“Branca, sem áreas verdes e sem pessoas”, lembra. Porém bonita, pois se viam com nitidez todos os monumentos sob o céu enorme. “Vindo do Rio de Janeiro, eu queria cor, vida, movimento e beleza”, admite.


Paiva comprou uma pequena câmara e passou a fotografar o Núcleo Bandeirante, onde moravam os operários que haviam trabalhado na construção da capital federal. Vieram dessa vivência as 298 imagens, realizadas entre 1970 e 1988, do livro Foto na hora: lembrança de Brasília, editado no México em 2013.
Joaquim Paiva preferiu retratar Brasília como paisagem humana em vez de vitrine da arquitetura modernista - Foto: Joaquim Paiva/acervo
O artista define esse trabalho como documental e autoral. “São fotos ligadas à passagem do tempo. O que torna a fotografia intrigante é você lidar com o tempo que passa nas suas mãos a cada segundo”, comenta, observando que aquelas imagens romperam com a visão de Brasília voltada apenas para a arquitetura, em preto e branco.


“Não fotografei o poder, a elite ou as intrigas, mas a cidade e sua gente, as pessoas comuns e o brasileiro mestiço com todas as gradações, do preto ao branco”, conta.


CARACAS
Em 1978, Joaquim Paiva viu no Museu de Arte Contemporânea de Caracas uma exposição de 10 fotógrafos norte-americanos. Comprou dois trabalhos de Diane Arbus, por quem ficou fascinado. No mesmo ano, adquiriu outras três de Miguel Rio Branco, “com o toque de liberdade que o jornalismo não tinha”, observa. “Já havia artistas que trabalhavam com fotografia, mas não eles tinham visibilidade”.


Desde então, Joaquim não parou de colecionar. “Naquele momento, começava a existir uma produção fotográfica que ia além do jornalismo. Eram trabalhos surgidos da inquietação pessoal do fotógrafo com a vida, com o ambiente em que vivia e com o mundo”, conta. Para ele, essa atividade responde ao desejo de conversar com o mundo. “Esse é o meu meio de expressão.

É com a fotografia que dou o meu recado”, resume.


A atividade de colecionar dá vazão “ao acumulador” que juntava flâmulas, botões e figurinhas, desde criança. As duas atividades traduzem a paixão que o fez traduzir para o português um livro respeitado sobre o assunto: Ensaios sobre a fotografia, de Susan Sontag, lançado em 1981 pela Editora Arbor. “O fotógrafo é sempre um artista, é muito difícil que não o seja. No fotojornalismo, por exemplo, vários produziram muito. São imagens das quais se pode fazer um leitura que vai além do jornalismo”, argumenta.


Os estudos sobre fotografia e a ação de curadores e pesquisadores se intensificaram. Mas ainda é pouco, comparado às áreas de música, cinema e literatura. “Há acervos e fotógrafos não pesquisados que merecem maior visibilidade”, adverte Paiva, chamando a atenção para a carência de “polos de fotografia” em instituições museológicas, fruto da falta de recursos.


“A fotografia já está no museu, temos tradição e expertise na área, mas falta pessoal especializado inserido como parte das organizações. Precisamos de quem estude de forma mais aprofundada a produção e aquisições, além de cuidar dos acervos. Alguém tem de defender a fotografia”, observa.
A opção de entregar parte de seu acervo ao MAM-RJ tem motivo: a convicção de que uma coleção importante deve ser compartilhada com o público. “Ela é parte do patrimônio cultural de um país, e o museu se torna o local ideal para preservação e difusão das obras reunidas pelo colecionador.

Estou satisfeito com o resultado”, conclui.

JOAQUIM PAIVA
Hoje, às 18h30, o fotógrafo e colecionador faz palestra sobre sua trajetória. Galeria Dotart, Rua Bernardo Guimarães 911, Funcionários. Informações: (31) 3261-3910. Entrada franca.

"Minha coleção é um grande mosaico, diversificado. Como ninguém colecionava fotografia e até achavam loucura fazê-lo, senti a necessidade de tentar criar um panorama da fotografia brasileira" - Foto: Arquivo Pessoal
Saiba mais

Diplomata e escritor

Joaquim Paiva, de 70 anos (foto), estudou direito. Diplomata de carreira, trabalhou no Canadá, Venezuela, Peru, Argentina, Portugal e Espanha. Publicou Olhares refletidos (1989), livro de entrevistas com 25 fotógrafos brasileiros (tem outras 25 delas inéditas); Aos pés de Batman (1994, poemas); Brasília de 0 a 40 (2000, fotos); e Visões e alumbramentos: Fotografia brasileira contemporânea na Coleção Joaquim Paiva (2003).

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