O nome de Joaquim Paiva pode até ser pouco conhecido, mas ele é uma personalidade das artes no Brasil, considerado o maior colecionador privado de fotografia do país. “Já gostei de ouvir isso, mas hoje acho muita responsabilidade. Criam-se mitos que podem não ser verdade. Prefiro que digam que a coleção é importante”, avisa.
Fotógrafo, Joaquim reuniu cerca de três mil trabalhos – 70% de autores brasileiros. Dois terços de sua coleção estão depositados, em regime de comodato, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ). Hoje à noite, ele fará palestra na Galeria Dotart.
“Vou falar da minha experiência de vida com a fotografia”, explica. Essa paixão começou em 1970, quando ele foi para Brasília trabalhar no Itamaraty. Ficou incomodado com cidade, que parecia maquete.
Paiva comprou uma pequena câmara e passou a fotografar o Núcleo Bandeirante, onde moravam os operários que haviam trabalhado na construção da capital federal. Vieram dessa vivência as 298 imagens, realizadas entre 1970 e 1988, do livro Foto na hora: lembrança de Brasília, editado no México em 2013.
O artista define esse trabalho como documental e autoral. “São fotos ligadas à passagem do tempo. O que torna a fotografia intrigante é você lidar com o tempo que passa nas suas mãos a cada segundo”, comenta, observando que aquelas imagens romperam com a visão de Brasília voltada apenas para a arquitetura, em preto e branco.
“Não fotografei o poder, a elite ou as intrigas, mas a cidade e sua gente, as pessoas comuns e o brasileiro mestiço com todas as gradações, do preto ao branco”, conta.
CARACAS Em 1978, Joaquim Paiva viu no Museu de Arte Contemporânea de Caracas uma exposição de 10 fotógrafos norte-americanos. Comprou dois trabalhos de Diane Arbus, por quem ficou fascinado. No mesmo ano, adquiriu outras três de Miguel Rio Branco, “com o toque de liberdade que o jornalismo não tinha”, observa. “Já havia artistas que trabalhavam com fotografia, mas não eles tinham visibilidade”.
Desde então, Joaquim não parou de colecionar. “Naquele momento, começava a existir uma produção fotográfica que ia além do jornalismo. Eram trabalhos surgidos da inquietação pessoal do fotógrafo com a vida, com o ambiente em que vivia e com o mundo”, conta. Para ele, essa atividade responde ao desejo de conversar com o mundo. “Esse é o meu meio de expressão.
A atividade de colecionar dá vazão “ao acumulador” que juntava flâmulas, botões e figurinhas, desde criança. As duas atividades traduzem a paixão que o fez traduzir para o português um livro respeitado sobre o assunto: Ensaios sobre a fotografia, de Susan Sontag, lançado em 1981 pela Editora Arbor. “O fotógrafo é sempre um artista, é muito difícil que não o seja. No fotojornalismo, por exemplo, vários produziram muito. São imagens das quais se pode fazer um leitura que vai além do jornalismo”, argumenta.
Os estudos sobre fotografia e a ação de curadores e pesquisadores se intensificaram. Mas ainda é pouco, comparado às áreas de música, cinema e literatura. “Há acervos e fotógrafos não pesquisados que merecem maior visibilidade”, adverte Paiva, chamando a atenção para a carência de “polos de fotografia” em instituições museológicas, fruto da falta de recursos.
“A fotografia já está no museu, temos tradição e expertise na área, mas falta pessoal especializado inserido como parte das organizações. Precisamos de quem estude de forma mais aprofundada a produção e aquisições, além de cuidar dos acervos. Alguém tem de defender a fotografia”, observa.
A opção de entregar parte de seu acervo ao MAM-RJ tem motivo: a convicção de que uma coleção importante deve ser compartilhada com o público. “Ela é parte do patrimônio cultural de um país, e o museu se torna o local ideal para preservação e difusão das obras reunidas pelo colecionador.
JOAQUIM PAIVA
Hoje, às 18h30, o fotógrafo e colecionador faz palestra sobre sua trajetória. Galeria Dotart, Rua Bernardo Guimarães 911, Funcionários. Informações: (31) 3261-3910. Entrada franca.
Saiba mais
Diplomata e escritor
Joaquim Paiva, de 70 anos (foto), estudou direito. Diplomata de carreira, trabalhou no Canadá, Venezuela, Peru, Argentina, Portugal e Espanha. Publicou Olhares refletidos (1989), livro de entrevistas com 25 fotógrafos brasileiros (tem outras 25 delas inéditas); Aos pés de Batman (1994, poemas); Brasília de 0 a 40 (2000, fotos); e Visões e alumbramentos: Fotografia brasileira contemporânea na Coleção Joaquim Paiva (2003)..