No início de outubro, um estudo conduzido pela ONG internacional Save The Children revelou que o Brasil é um dos piores países para ser menina. Ocupa a 102ª posição entre 144 nações, levando em consideração fatores sociais como gravidez precoce, acesso à educação e representatividade política. O levantamento também mostrou o que pode ser feito para sanar as disparidades: acabar com leis sexistas e dar mais voz às mulheres em ações civis.
Uma das formas mais eficazes de promover a conscientização e o empoderamento feminino é a atenção à infância, época em que o mosaico de experiências pessoais e conhecimentos está se formando. Na literatura, uma pequena revolução está em curso no país. Iniciativas de diversos autores e editoras desconstroem padrões de gênero que delimitam espaços de poder.
A Mauricio de Sousa Produções, por exemplo, já dedica as últimas páginas dos quadrinhos da Turma da Mônica a tirinhas que ressaltam a força feminina. O projeto Donas da rua teve início em 11 de outubro, em parceria com o He For She, campanha da Organização das Nações Unidas (ONU) em favor dos direitos das mulheres. Com a imponente tiragem mensal de 2,5 milhões de exemplares, a iniciativa visa empoderar as leitoras mirins. Filha de Mauricio e inspiração para a célebre personagem batizada com seu nome, Mônica Sousa tem feito palestras sobre o tema em escolas públicas.
Curiosamente, na mesma época em que Mauricio de Sousa anunciou a iniciativa, começaram a pipocar nas redes sociais notícias sobre a recém-inaugurada Escola para Princesas, que funciona em São Paulo e Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
Escritora, professora da Universidade Federal do Ceará e autora do blog feminista mais acessado do Brasil (Escreva Lola Escreva), Lola Aronovich questiona a iniciativa. “Vivemos no século 21, escola de princesas soa fora de moda. Queremos meninas empoderadas”, defende, dizendo que o feminismo pode ser incorporado ao diálogo com crianças. “A menina pode passar a ter alguns valores sobre a força da mulher, não depender de príncipe encantado e não alimentar sonhos que têm a ver com esperar um homem para salvá-la”, comenta.
Para a professora, histórias que desconstroem as narrativas clássicas são essenciais. Afinal, as crianças, desde bebês, são expostas a ideologias retrógradas. “As opressões já começam na escolha da cor do quarto e do enxoval do recém-nascido. A meninas e meninos aprendem o que não podem fazer e isso acaba gerando uma certa revolta. O bom é que a maioria deles é naturalmente questionadora. Querem saber por que futebol é só para menina, por que o colega não pode brincar de boneca com a garota”, lembra Lola.
A escritora ressalta: não adianta mudar apenas o comportamento das meninas. É preciso também discutir essas questões com os garotos. “Queremos crianças críticas”, conclui.
Três perguntas para...
Mônica Sousa, Editora
O que motivou a criação do projeto Donas da Rua?
Donas da Rua veio da necessidade de incentivar as famílias a conversarem sobre o tema com as crianças. Venho de uma família de matriarcas, de mulheres extremamente fortes, desde minha bisavó, a vó Dita. Sou a filha que serviu de inspiração para a personagem que se transformou em símbolo de força feminina e é vista por muitos como símbolo da luta das mulheres por oportunidades iguais.
Como inserir a temática feminista no mundo das crianças?
Como diz meu pai, é possível falar de qualquer assunto em histórias em quadrinhos. É só fazer de forma com que aquele assunto possa ser discutido na sala de jantar da família. Nosso intuito é falar da importância da igualdade de gêneros desde a infância, sempre dentro dos princípios da educação e do respeito às diferenças. Isso já existe nas historinhas da Turminha, em que meninos e meninas brincam de casinha, futebol, viagem espacial, do que quiserem brincar. Juntos. Sempre com os mesmos direitos e oportunidades.
Crianças gostam de internet e de HQs. Como usá-las?
As redes sociais são um meio de muita força, no qual podemos mostrar essas atitudes. A partir de tirinhas, vídeos e fotos, atingimos não só as crianças, mas os adultos para que possam ser exemplo para os pequenos.
NA ESTANTE
Um dos destaques da nova literatura voltada para as criança é a coleção Antiprincesas. Publicada no Brasil pela editora gaúcha Sur, traduziu dois títulos do selo argentino Chirimbote para o português com as histórias de Clarice Lispector e da pintora mexicana Frida Kahlo. Os livros não romantizam a realidade dessas importantes mulheres.
ANTIPRINCESAS: CLARICE LISPECTOR
De Nadia Fink
Ilustrações: Pitu Saá
Editora Sur
24 páginas
R$ 25
O financiamento coletivo para a publicação do livro Coisa de menina, da paulista Pri Ferrari, atingiu 150% da meta. A obra, dedicada a crianças de 3 a 6 anos, desconstrói pequenos hábitos que limitam o potencial dos pequenos. Desmistifica a ideia de que garotas precisam viver em um mundo cor-de-rosa, sonhando com o príncipe encantado. Em Coisa de menina, elas são independentes.
COISA DEMENINA
De Pri Ferrari
Companhia das Letrinhas
48 páginas
R$ 34,90
Malala, a menina que queria ir para a escola é assinado pela jornalista Adriana Carranca, especializada em cobrir guerras e conflitos. Ela viajou até o Paquistão para contar a história de Malala Yousafzai, a mais jovem ganhadora do Nobel da Paz. O livro fala da ação do grupo extremista Talibã, que proíbe as meninas paquistanesas de estudar. E mostra como a educação pode revolucionar o mundo.
MALALA, A MENINA QUEQUERIA IR PARA A ESCOLA
De Adriana Carranca
Cia. das Letrinhas
96 páginas
R$ 29,90 (livro)
R$ 19,90 (e-book).